Friday, December 30, 2005

Eleições Palestinianas - Previsão

Não vou prever o resultado das eleições (consta que vai ganhar o Hamas). Vou prever a reacção da direita (nomeadamente dos blogs) aos resultados das eleições:

Cenário A - O Hamas ganha as eleições e passa a integrar a Autoridade Palestiniana. Reacção: "A Autoridade Palestiniana mostra a sua verdadeira face terrorista, ao colaborar com os fundamentalistas que querem varrer Israel do mapa!"

Cenário B - Situação "argelina": o Hamas ganha as eleições, mas o novo parlamento é suspenso sine dia. Reacção: "E ainda dizem que a Palestina é uma democracia!"

Cenário C - Contra todas as previsões, o Hamas não ganha. Reacção: "A politica dura de Sharon - e, já agora de Bush - contra o terrorismo resultou: os palestinianos perceberam que têm que renunciar à violência!"

Nos casos A e B, provavelmente, haverá posts chamados "O Esplendor da Democracia Palestiniana (MCXD)".

Teste Político (III)

Fiz agora o teste recomendado pelo Ricardo Alves. Como eu costumava, no liceu, ter 20 a francês (numa escala de 100), não tenho certeza absoluta que respondi correctamente às perguntas, mas o resultado foi este:

Vous vous situez à gauche.

Les partis dont vous êtes le plus proche (dans l'ordre) :

1. les Verts

2. le Parti Communiste

3. le Parti Socialiste (l'aile gauche du Parti Socialiste)


Le(s) parti(s) qui vien(nen)t ensuite :

4. le Mouvement Républicain et Citoyen (MRC) de Jean-Pierre Chevènement
mais, en règle générale, vous accordez plus d'importance au contexte dans lequel les gens évoluent (ou moins d'importance à leur responsabilité personnelle).

Por acaso, dos partidos que o teste refere, o que eu sinto mais simpatia até é a LCR, mas enfim...

Thursday, December 29, 2005

Um "Comité" não consegue "empreender"?

Segundo Llewellyn Rockwell (citado por HFerreira no Insurgente), "não há comités empreendedores". Se eu estou a perceber bem o que é que eles querem dizer com isso, vou dar um exemplo verídico de um "comité a empreender":

Em tempos trabalhei num departamento que tinha a tarefa de imprimir as folhas de ponto dos trabalhadores da organização. A dada altura, o sistema informático que fazia essa tarefa foi substituido por outro (via bug Y2K) e, aparentemente, o novo sistema informático não tinha essa funcionalidade.

Assim, o trabalhador J. fez uma coisa em Excel (usando o VBA) para se voltar a poder imprimir automaticamente as folhas todas. Depois, a trabalhadora T. achou que aquilo devia ter mais algumas funcionalidades (que J. introduziu). Finalmente, a trabalhadora M. fez também algumas alterações (para se poder imprimir folhas de ponto de meses anteriores).

Ou seja, temos aqui um "comité" (J., T. e M.) a "empreender" (mais exactamente, a conceber e implementar um novo sistema informático).

A "Legalização da Prostituição"

João Noronha d'O Insurgente publicou um post "Legalizar a Prostituição?", contrário à ideia.

Na verdade, há mais de 20 anos que a prostituição é legal em Portugal. O que é ilegal é o "lenocinio" (i.e. o proxenetismo). Assim, quando algumas pessoas falam em legalizar a prostituição, das duas uma: ou estão desesperadamente à procura de uma "causa fracturante" e desatam a arrombar uma porta aberta; ou então, o que falam é de legalizar, não a prostituição, mas sim o proxenitismo (e, lendo nas entrelinhas de muitos "legalizadores", há muita conversa de "reabrir as casas de prostituição e tirar as prostitutas da rua").

Ora, se assim for, o que os "legalizadores" pretendem é exactamente o contrário do que dizem: não "liberalizar" a prostituição, mas "regulamentá-la", provavelmente obrigando as prostitutas a exercer a actividade em "casas devidamente licenciadas".

Isto levanta uma questão: é verdade que o "lenocinio" é proibido por lei, mas será que a unica razão porque existe proxenetismo não é, exactamente, as restrições legais?

Pensemos assim: porque razão uma prostituta precisa de um proxeneta? Não há de ser por este possuir os "meios de produção" - afinal, o principal "meio de produção" de uma prostituta é ela própria. Vejo três razões para uma prostituta ter um proxeneta:

1 - Se a actividade fôr clandestina, ela, nos primeiros tempos da actividade, precisa de alguém que a introduza nos meandros da profissão: conheça as pensões aonde ela pode ir com os clientes, faça de intermediário, tenha contactos na polícia para ela não ser incomodada, etc.

2 - Se a actividade for regulamentada (restrita a "casas licenciadas", ou a "bairros de luz vermelha"), haverá fortes barreiras à entrada (semelhantes às das farmácias) que tornam díficil uma prostituta trabalhar por conta própria, logo ela terá que trabalhar numa empresa já instalada

3 - Se ela for uma imigrante ilegal, terá que recorrer a uma rede clandestina para entrar no país, pelo que terá que trabalhar para a rede até "pagar a passagem"

Ora, todas estas situações ocorrem devido à existência de leis restringindo a prostituição e/ou a imigração: se a prostituição e a imigração fossem totalmente livres, quase de certeza que a maioria esmagadora das prostitutas trabalharia por conta própria. Aliás, basta ver que, desde que a prostituição foi legalizada em 1982, cada vez mais as prostitutas de rua trabalham por conta própria (ou seja, desapareceu o "motivo 1") - se lermos as reportagens que por vezes são publicadas sobre a prostituição, normalmente só as prostitutas mais velhas é que têm proxeneta.

Reflecções sobre os "testes políticos"

A respeito do primeiro teste, a minha ordenação parece fazer algum sentido: basicamente, começo na extrema-esquerda ("radical"), e vou deslocando-me para a direita ("liberal">"left-libertarian">"third way"> etc.). No entanto, há algumas excepções à regra:

  • eu ser mais "libertarian" do que "centrist": provavelmente, o meu esquerdismo será mais forte em questões "sociais" do que na economia, logo preferirei uma ideologia que é "socialmente" de "esquerda" e economicamente de "direita" do que uma posição "centrista" em ambos os assuntos
  • eu ser mais "paleo-conservative" e "paleo-libertarian" do que "conservative": provavelmente, algumas das minhas respostas foram favoráveis ao "governo local" em detrimento do "governo central". Quanto a ser mais "paleo-conservative" do que "paleo-libertarian", deve ser por não ser entusiasta do "comércio livre"
Além disso, o autor do teste, Daniel McCarthy, escreve para o site "paleo-libertarian" LewRockwell.com, logo é natural que o teste possa ter um ligeiro "bias" a favor de paleo-libertarians, libertarians e paleo-conservatives.

Quanto ao segundo teste, os resultados são mais ou menos o que esperaria, mas, lá para o fim, aparecem umas coisas curiosas: é dificil alguém preferir o "liberalismo puro" (market liberalism) ao fascismo, mas, ao mesmo tempo, preferir o fascismo ao liberalismo conservador...

Outro dado curioso no segundo teste é a elevada quantidade de pessoas catalogadas como "anarquistas": 10,2% de anarco-comunistas e 7,8% de anarco-capitalistas! Possivelmente, estão a ser classificados como "anarquistas" não apenas os que pretendem efectivamente abolir o Estado, mas todos os que simpatizam com passos grandes nessa direcção. Mas pode haver outro factor. Como escreveu Eben Moglen em "Anarchism Triumphant: Free Software and the Death of Copyright", "There is a myth, like most myths partially founded on reality, that computer programmers are all libertarians. Right-wing ones are capitalists, cleave to their stock options, and disdain taxes, unions, and civil rights laws; left-wing ones hate the market and all government, believe in strong encryption no matter how much nuclear terrorism it may cause, (...) and dislike Bill Gates because he's rich". Ora, o facto de haver fortes tendências "libertárias" (de esquerda e de direita) entre os programadores informáticos (e, provavelemente, também entre web designers e outras profissões do ramo) pode tornar a Internet um ambiente aonde atitudes anarquistas têm mais visibilidade que no "mundo real" e explicar, em parte, estes números (não apenas pelos tais "programadores informáticos", mas também por contágio induzido no conjunto dos utilizadores).

Wednesday, December 28, 2005

Teste Político (II)

Temos aqui outro teste político. Os meus resultados:

1 - Anarco-communist
2 - Green
3 - Communist
4 - Classical socialist
5 - Social liberal
6 - Social democrat
7 - Anarcho-capitalist
8 - Third way
9 - Market liberal
10 - Fascist
11 - Libertarian conservative
12 - Christian democrat

Este teste, quando dá os resultados, explica logo o que cada item significa.

Teste Político

Fiz o teste sugerido pelo Insurgente:

1. Radical
2. Liberal
3. Left-Libertarian
4. Third Way
5. Libertarian
6. Centrist
7. Neoconservative
8. Paleo-conservative
9. Paleo-libertarian
10. Conservative

Apontamentos:

1 - Este teste é claramente anterior à guerra do Golfo (ver questão 8), o que o torna um pouco "datado"

2 - Tem algumas questões tipicamente norte-americanas, como a 11 (bandeira confederada); mas claro, podemo sempre responder "Not sure/low" (ou então, responder como se fossêmos norte-americanos)

3 - O link que explica os termos do questionário está quebrado. No entanto, há um artigo do autor a explicar o teste.

4 - Não é muito claro o que quer dizer "left-libertarian": no contexto americano, tanto pode significar o que chamariamos um "liberal de esquerda" (i.e., um liberal que tem mais medo dos conservadores do que dos socialistas, e que luta mais contra o "welfare for the rich" do que contra o "welfare for the poors"), como um anarco-socialista. Pela descrição do autor, parece-me que ele está a pensar no primeiro tipo, mas o link aponta para um site anarco-socialista.

De novo o "relativismo"

Isto é um bocado a repetição do que escrevi aqui, mas mais resumido.

Leonardo Ralha, d'O Acidental, define "relativismo como a recusa militante de qualificar acções e atitudes". Ora, "relativismo" não é nada disso: "relativismo" é achar que o Bem (ou o Verdadeiro, ou o Belo...) varia com os lugares e as épocas históricas. Um "relativista" não se recusa a qualificar acções: para ele, uma mulher sair à rua em Riad com um cabelo à mostra é "uma completa pouca-vergonha" (enquanto um show de sexo ao vivo em Amsterdão será algo perfeitamente aceitável).

Bem, mas que importancia tem isso, que justifique um post? É que (como bem diz Leonardo Ralha), "os conceitos são uma arma". E, ao alterar o significado de uma palavra, é facil cair no que alguém chamou "a falácia da sandes de presunto" (alterar o significado de uma palavra ao longo de um argumento para chegar a uma conclusão sem sentido).

Por exemplo, será que alguém que defenda a legalização das drogas, o casamento homossexual, etc. pode ser considerado "um defensor do fundamentalismo islãmico"? Se raciocinarmos logicamente, óbvio que não. Mas há uma forma de raciocinio ilógico que chega a essa conclusão:

1. Os defensores das "causas fracturantes" recusam-se a fazer julgamentos de valor moral e consideram diferentes actos como "moralmente equivalente"

2. Logo, são "relativistas"

3. Como são "relativistas", consideram que o que é moralmente aceitável varia com a época histórica e com a geografia

4. Assim, são a favor do fundamentalismo islãmico (ou, já agora, da excisão feminina entre as tribos africanas) - afinal, tal corresponde aos padrões morais em vigor na "cultura" em questão.

Qual é a falha neste raciocinio: em primeiro lugar, há um certo exagero no ponto 1 (uma pessoa pode defender as "causas fracturantes" sem necessáriamente defender a "equivalência moral"), mas isso nem interessa muito; o que é fundamental é a batota que se faz ao passar do ponto 2 para o 3: no ponto 2, "relativismo" é definido de acordo com a novilingua conservadora; no ponto 3, "relativismo" é definido da forma usual. Ou seja, manipulando a definição de "relativismo", a direita consegue chegar a conclusões totalmente absurdas, parecendo que raciocina logicamente.

Note-se que eu não estou a dizer que, no caso concreto, Leonardo Ralha está a raciocinar assim: eu nem faço a mínima ideia de qual é a posição dele sobre os assuntos que referi (apenas usei a sua definição para demonstrar como é importante usar definições rigorasas numa argumentação).

Monday, December 26, 2005

Terrorismo, Esquerda e Direita (III)

Claro, poder-se-á argumentar: "Isso não interessa nada, esses assassínios de reis, principes, presidentes, etc. que sempre houve. O que estamos a falar com «terrorismo» são os atentados indiscriminados contras civis, à maneira do 11 de Setembro e do 11 de Março".

Mas, se for assim, a direita até terá mais responsabilidades no terrorismo que a esquerda: o terrorismo de esquerda, como o dos anarquistas do século XIX ou de grupos como as Brigadas Vermelhas, as FP-25 ou o Baader-Meinhoff, por regra, era dirigido contra alvos específicos: políticos, empresários, policias, militares, etc. Pelo contrário, nos anos 70, foi o terrorismo de direita que se especializou em pôr bombas no meio da multidão (p.ex. os atentados da "Ordem Nova" em Itália, como na estação de Bolonha).

E, pelos objectivos, faz sentido: o objectivo do terrorismo de extrema-esquerda é a "propaganda do acto", mostrar que os capitalistas, "politicos burgueses", etc. não passam de "tigres de papel", e, assim, preparar o caminho para a "revolução socialista". Desta forma, é natural que prefiram um terrorismo de "decapitação", visando sobretudo o topo do poder politico e económico (em principio, quanto mais importante for a vítima, mais vitorioso o terrorista de esquerda se sente).

Por seu lado, o objectivo do terrorismo de extrema-direita é criar um clima de insegurança que abra caminho a um "duce" ou um "fuhrer", um "salvador da pátria". Logo, faz sentido que se "especializem" em atentados indiscriminados.

Terrorismo, Esquerda e Direita (II)

[Continuando a responder a Henrique Raposo]

Agora, usando "terrorismo" no sentido moderno (i.e., o uso da criminalidade violenta - assassínios, atentados, sequestros, etc. - com fins políticos), será que foi inventado pela Esquerda? De facto, a primeira grande vaga de terrorismo na "Idade Contemporãnea" veio da esquerda: os atentados anarquistas (e dos nihilistas russos) do final do século XIX. Mas também já tinha havido "terrorismo" da "direita", p.ex., o assassínio de Lincoln por um pró-sulista (é verdade que, na altura, "direita" e "esquerda" não eram termos usados nos EUA, mas, "retroactivamente", a Confederação pode ser considerada de "Direita"). Ou, já agora, "terrorismo de centro", como o assassínio do jacobino Marat pela simpatizante girondina Charlotte Corday.

De novo, se recuarmos no tempo, já encontramos muito "terrorismo" antes de haver "esquerda" e "direita": p.ex., nas guerras religiosas entre católicos e protestantes (nessa altura, a posição católica era que o assassínio de governantes protestantes era legítimo, como aconteceu com Guilherme de Orange e com o católico-ex-protestante Henrique IV de Bourbon). E, se quiséssemos cometer o anacronismo sem sentido de transpor a divisão esquerda/direita para essa época, talvez a "direita" fossem os católicos e a "esquerda" os protestantes.

Quanto ao mundo islâmico (de onde vem o terrorismo que nos preocupa hoje em dia), também tem tradições de "terrorismo", muito antes de "a esquerda ter inventado o terrorismo": olhe-se para a seita dos "assassinos", p.ex. (se calhar, a al-Qaeda até tem mais a ver com o "terrorismo islãmico" pré-moderno do que com o terrorismo esquerdista dos anos 70 ou do século XIX)

Terrorismo, Esquerda e Direita (I)

Henrique Raposo, no post "Natal terrorista e a ferrugem esquerdista" (que, num comentário, me foi indicado pela Sabine) afirma (penso que na sequência das declarações de Ribeiro e Castro) que "É verdade. Sim, o terrorismo – como arma política – foi inventado pelos jacobinos, continuado por anarquistas (sobretudo russos), foi a táctica de Lenine, foi a arma do terrorismo à la nova esquerda dos anos 70."

Em primeiro lugar, HR joga um bocado com a palavra "terrorismo": o "terrorismo" dos jacobinos não é aquilo a que modernamente se chama "terrorismo". No contexto da Revolução Francesa, "terrorismo" significava a ideia de que o Governo deve governar através do "Terror" (i.e., através de uma repressão sem contemplações para com os "contra-revolucionários"). Hoje em dia, aquilo a que chamamos "terrorismo" é o uso de assassínios, atentados, etc. com fins políticos (quase nunca se chama "terrorista" a um governo só por este ser repressivo).

Mas, para já, vamos aceitar as regras de HRaposo, e ver se o "terrorismo", mesmo no sentido jacobino ("Governo através do Terror") foi inventado pela Esquerda. Não é preciso procurar muito para descobrir que não: p.ex., no principio da Revolução Francesa, os exércitos estrangeiros que haviam invadido a França ameaçaram destruir completamente Paris se esta não se submetesse ao Rei.

Recuando no tempo, muito antes de haver "Esquerda" e "Direita", o que mais encontramos são governos que afirmavam o seu poder através de chachinas em massa (é só ler uma história de Roma...). Ou seja, "Governo através do Terror" há milhares de anos que existe e, seguramente, não foi inventado pela "Esquerda".

Claro que isto é um bocado "conversa de chacha": quando se fala em "terrorismo", ninguém está a pensar em "Governo através do Terror", mas no sentido moderno da palavra. É isso que vou discutir no próximo post.

Sunday, December 25, 2005

A Consoada e o Telémovel

Costuma-se dizer que o télemovel revolucionou completamente o nosso modo de vida. É verdade, e em aspectos insuspeitados - p.ex., a noite de Natal foi bastante alterada pelo télemovel. Não me refiro aqueles SMS que, pelo Natal e pelo Ano Novo, costumamos receber (por vezes, de pessoas que nem conhecemos). Falo de outra coisa, da recuperação da magia da infãncia: é que, agora, os adultos já podem voltar a receber um brinquedo pelo Natal (em vez de só roupas ou bibelots).

Saturday, December 24, 2005

"Campo Aberto" vs. "Arame Farpado" no Velho Oeste

Ontem à noite, estive a ver o filme "Homem sem Rumo", um dos muitos westerns que falam da "guerras" entre criadores de gado no Oeste do EUA, no final do século XIX, nomeadamente, os relacionados com a introdução do arame farpado.

Isso levanta um ponto curioso: o Oeste dos cowboys, simbolo dos EUA por excelência (e, já agora, do conservadorismo de Reagan e G.W.Bush), num aspecto, era quase "comunista" - o gado era criado pelo método do "campo aberto" (open range), em que os terrenos, ou eram públicos, ou eram de privados que não exerciam o direito de propriedade, e aonde, em principio, qualquer um era livre de pôr o seu gado a pastar (embora não fosse assim tão linear - frequentemente formavam-se associações voluntárias de criadores de gado que regulavam o uso das pastagens em determindada área; isso impedia a famosa "tragédia dos comuns", mas, por outro lado, limitava o tal "direito de qualquer um utilizar livremente as pastagens"). Aliás, basta ver um western para se observar isso - o gado dos vários criadores pastava na mesma área (era isso que tornava as "marcas a ferro" tão importantes).

Tal situação alterou-se com o aparecimento do arame farpado: inicialmente, era usado sobretudo pelos pequenos agricultores para protegerem as suas quintas das manadas de gado. No entanto, em breve os grandes criadores de gado começaram também a vedar terrenos, gerando-se enormes conflitos: formaram-se bandos (compostos por vaqueiros que haviam ficado sem terrenos aonde levar o seu gado) que se dedicavam a cortar as vedações dos ranchos, tentando restaurar o "campo aberto". Mas foi uma luta inglória: a propriedade privada e o arame farpado venceram o "campo aberto", alterando radicalmente o estilo de vida tradicional dos "cowboys".

E qual é o interesse disto, perguntarão os meus dois leitores habituais? Não sei se tem algum interesse, mas foi sobre o que me apeteceu escrever agora...

Friday, December 23, 2005

Derrota Total

É o que as sondagens me dão (comparadas com os meus desejos): maioria de Cavaco, Soares à frente de Alegre, e Louçã com um pouco menos que 6%.

Mas ainda há uma esperança: as sondagens não referem explicitamente os outros (no máximo, têm um "outros"). Logo, o 4º desejo ainda se pode realizar, já que é possível que alguns desses "outros", em campanha, atraiam votos - e, ao realizar-se o 4º, o 1º torna-se possível: Cavaco Silva, segunda uma das sondagens, está com 52%. Ora, se os votos que os "outros" consigam ir buscar aos "indecisos" forem suficientes para terem mais de 1% todos, isso aumenta a fasquia para a maioria absoluta, e os 52% de Cavaco podem passar a 49%.

Os meus desejos para as eleições

1 - Que Cavaco não ganhe à primeira volta

2 - Que Alegre tenha mais votos que Soares

3 - Que Louçã tenha mais que 6,38% dos votos

4 - Que Garcia Pereira, Manuela Magno, etc, tenham, pelo menos, 1% cada

Ainda a respeito de, pelo vistos, a direita preferir Jerónimo a Louçã: o trotskismo de Louçã tem muitos defeitos - quando me sentir inspirado, hei de escrever um post sobre isso - mas, em comparação com o estalinismo de Jerónimo, tem a virtude de, há decadas, defender o multipartidarismo e a liberdade de imprensa.

Exercício Mental

Se alguém estiver com vontade de exercitar as "célulazinhas cinzentas", podem entreter-se com os quizzs do Aforismos e Afins e d'O Número Primo

Thursday, December 22, 2005

Ainda acerca de África

Há muito que acho que a melhor solução para muitos paises africanos seria o desmantelamento: se as etnias "A" e "B" odeiam-se (como acontece em muitos países africanos), o melhor seria terem Estados separados. Claro que é verdade que, mesmo em Estados mínusculos como a Guiné-Bissau ou a Libéria, parece haver conflitos étnicos, pelo que este método talvez fosse conduzir a Estados micróscopicos.

Esta subdivisão (ou, pelo menos, uma descentralização profunda dos Estados existentes) teria outra vantagem: suponho que grande parte das necessidades actuais de África são a nível de infra-estruturas básicas (p.ex, se calhar necessitam mais de escolas primárias do que de universidades), e essas são melhor tratadas por um governo "local" do que "lá longe".

Poderá-se argumentar que Estados tão pequenos seriam ineficientes para desempenhar muitas tarefas, mas, aí, talvez fosse melhor esperar por, posteriormente, uma integração gradual e pacífica desses Estados, à maneira da União Europeia, do que querer manter os actuais Estados existentes (muitos dos quais são bastante artificiais).

Aliás, países como a Etiópia[.pdf] ou o Uganda[.pdf], que têm descentralizado muito poder para os governos regionais e locais, parecem-me ser dos que se têm saido melhor nos ultimos anos.

Por estranho que pareça...

Concordo com muito do que o RAF diz sobre África.

Irá ser em mármore?

Há uns anos atrás, Alvaro Cunhal foi entrevistado num programa da RTP (o "De Caras"), com audiência em estúdio. Um dos espectadores, o anarquista Júlio Carrapato, quando toma a palavra, diz qualquer coisa como:

"Dr. Cunhal, ao longo da sua carreira de político profissional, o senhor tem sido alvo de objurgatórias e críticas acerbas. Na minha opinião, algo injustamente. Se a burguesia portuguesa fosse mais inteligente (...), não era pedras que lhe devia atirar, mas flores. Ou então erigir-lhe uma estátua sobre o pedestal do reconhecimento!"

"Quer saber porquê? (...)"

"1) Em primeiro lugar, o senhor e o seu partido estão sempre a referir-se a lutas homéricas (...). Na realidade, as unicas lutas que conhecemos do PCP são as campanhas eleitorais (...). E quando se extravasa um pouco este campo (...), a principal preocupação do seu partido é apanhar o comboio em andamento (...), descaracterizar e burocratizar tudo, e servir de interlocutor priviligiado ao poder político"*

No entanto, parece que nos últimos tempos, finalmente, vai-se fazer justiça a Cunhal e ao PCP! Começou com Pacheco Pereira, que há muito que diz que, se o PS não tivesse maioria, era melhor um governo PS/PCP do que um governo PS/BE.

Depois, os artigos de Luciano Amaral no Diário de Noticias: "O PCP apresentou-se em Abril de 74 numa posição ordeira. O PS, todo revolucionário, entendendo-se com o esquerdismo, promovendo greves, ocupações e comissões de trabalhadores. Quando chegamos a Setembro de 74, já está ateado o fogo da revolução, e a culpa nem sequer é do PCP. (...) O PCP, que nunca gostara muito da onda revolucionária, começa a dar sinais de conciliação desde Agosto [de 75]. O seu problema é dominar a esquerda militar e o esquerdismo".

E, para finalizar, a moda agora nos blogs de direita é desejar que Jerónimo tenha mais votos que Louçã (embora desejando que ambos tenham menos de 5%).

Realmente, se calhar não falta muito para a "burguesia" erguer a tal estátua.

*"Uma História de Figurões e Figurantes: "De Caras", com Álvaro Cunhal, José Eduardo Moniz e Alguns Mais...", Edições Sotavento

Wednesday, December 21, 2005

21 de Dezembro


Guérin e o "socialismo real"

Se realmente a Joana pretende dizer que o livro de Guérin foi «escrito num periodo de exaltação anarco-comunista (...) para melhor levar a água ao moinho de uma Europa a caminho do socialismo “real”», isso não faz qualquer sentido. Em primeiro, uma "exaltação anarco-comunista a favor do «socialismo real»" parece-me algo saído de um universo paralelo. Em segundo, para variar, mais uma citação de Guérin:

"Uma das razões pelas quais tem sido tão mal compreendida a evolução de que iremos falar provém sem dúvida do facto de, a propósito do regime de 1793, se ter confundido, sob nomes como «ditadura de salvação pública», «ditadura montanhesa», «ditadura jacobina», «governo revolucionário», duas espécies diferentes de regime autoritário: por um lado, um poder popular, democrático, descentralizado, accionado da base para a cúpula, o dos sans-cullottes em armas, agrupados em secções, comités revolucionários, clubes, comunas, exigindo aquando de reveses no exterior o castigo exemplar do inimigo interior; por outro lado, uma ditadura burguesa, autoritária, centralizada, dirigida do topo para as bases e que visava também, certamente, os resíduos do Antigo Regime, mas também, e cada vez mais, o povo miúdo. Antinomia que subsistirá até aos nossos dias, em que se afrontam socialismo libertário e socialismo autoritário"

O bold é meu.

Afinal não foi a conclusão

Semiramis chama aos meus últimos posts um "refutação absurda", afirmando que "Daniel Guérin como historiador (que nunca foi) não oferece qualquer fiabilidade" e que "limitou-se a interpretar factos, do seu tempo ou do que leu sobre outras épocas, à luz das suas opções políticas". Bem, eu próprio reconheci que Guérin não era isento, mas limitei as citações dele a factos, omitindo as interpretações (acho que o unico momento aonde citei uma interpretação foi no post "III", no final - "o povo miúdo nunca mais a reconhecerá como sua").

Agora, a Joana nega os factos que referi, nomeadamente que:

  • A Convenção proibiu as secções de se reunirem mais que duas vezes por semana?
  • Robespierre destituiu os dirigentes da Comuna de Paris e substitui-os por elementos nomeados pelo Comité de Salvação Pública?
  • Hebért (o cabecilha da Comuna) foi executado pelos Jacobinos?
E, se aceitar estes factos, poderá negar a conclusão: de que, pelo menos desde Março de 1794 (prisão de Hébert), já não havia nada de "democracia directa" (ou mesmo "pseudo-democracia directa") na França revolucionária? Já agora, lembremos que uma das leis mais repressivas da Convenção, as leis de Prairial, foram aprovadas em Junho de 1794.

«o livro que é citado foi escrito no fim da última guerra, num período de exaltação anarco-comunista, onde se tentava branquear o comportamento dos regimes totalitários “de esquerda” para melhor levar a água ao moinho de uma Europa a caminho do socialismo “real”.»

«Aliás, sempre que há a emergência do totalitarismo de esquerda, aparecem publicistas a branquear os principais protagonistas do Terror: Robespierre, Saint-Just e outros. Não foi por acaso que a “A Luta de Classes em França na Primeira República”, de Daniel Guérin, saiu em 1946, na época em que a influência do comunismo em França foi maior, e foi editada em Portugal em 1977 (Regra do Jogo), ainda no período da efervescência revolucionária.»

Será que a Joana está a dizer que o livro de Guérin foi escrito para defender Robespierre, Saint-Just, etc., e, por tabela, o comunismo soviético? Realmente, ela não diz textualmente isso, mas parece-me que está implicito. Se assim for, é completo delírio. Mais umas citações (como agora a ideia é mostrar o pensamento de Guérin, não é relevante se correspondem ou não aos factos):

"Girondinos e Jacobinos pertenciam à mesma classe. Não havia entre eles nenhuma divergência fundamental. Eram, uns e outros, zelosos defensores da propriedade privada. Robespierre, Danton, Marat, Hébert, Billaud-Varenne proclamaram em dezenas de textos o seu carácter inviolável e sagrado, tal como Brissot, Vergniaud, Roland, Condorcet. Girondinos e Montanheses denunciaram com igual horror a «lei agrária», a comunidade dos bens. Tinham o mesmo receio da democracia directa, da intervenção do povo em armas na vida pública, do federalismo popular, o mesmo apego pela ficção parlamentar e pela legalidade, pelo centralismo político"

(...)

"Diz-se dos Girondinos que eram mais delicados, que teriam sentido uma repugnância instintiva pelo povo «grosseiro e inculto». Pois sim! Homens como Maximiliano de Robespierre, de Sait-Just de Richebourg, Barére de Viezac, Hérault de Séchelle - para não citar mais - com as suas maneiras aristocráticas, o seu porte impecável, tinham tão pouco do temperamento plebeu como um Brissot e um Vergniaud"

(...)

"Robespierre decidiu pôr um ponto final na questão. Lançou sevícias contra homens pobres, desarmados, ingénuos, ignorantes das artimanhas e trapaceiras da política e cuja única força consistia na simpatia que haviam inspirado ao povo miúdo (...). Perseguiu militantes que, desde 10 de Agosto de 1792, se tinham posto na vanguarda da luta revolucionária, que, semanas antes, tinham ajudado a burguesia montanhesa a eliminar a Gironda. Era bem justa a amargura de Jacques Roux, quando escrevia: «Desde sempre se têm servido dos homens de carácter exepcional para fazer as revoluções. Quando já não precisam deles, laçam-nos fora, como a um vaso partido»"

(...)

"Das duas, a corrente contra-revolucionária era a mais forte. Robespierre tentou captá-la para si. No seu discurso de 8 de Thermidor, não hesitou em acenar para a direita da Asembleia, esses «sapos de Marais», conservadores inveterados, católicos militantes, pelos quais, havia muito, nutria simpatias. Na sessão do dia seguinte, abandonando os Montanheses que o apupavam, virou-se mais uma vez para a direita:«É a voz, homens puros, que me dirijo e não aos bandoleiros»"


Se isto é um branquemento de Robespierre e dos Jacobinos, como seria uma crítica? A menos que seja um "branqueamento" no sentido de os chamar de "conservadores" ("brancos").

Adenda: lendo melhor o artigo da Joana, ela efectivamente chama a Guérin de "branqueador do totalitarismo da Montanha".

Tuesday, December 20, 2005

Democracia Directa na Revolução Francesa (conclusão)?

Qual é o objectivo destes posts todos? Basicamente, é refutar a tesa da Joana que, durante a Revolução Francesa, a Convenção estaria manietada, sem poder decidir livremente, com medo do povo de Paris (das secções e da Comuna). Na verdade, o "Terror" do Comité de Salvação Pública exercia-se facilmente, não apenas contra aristocratas e moderados, mas também, quando necessário, contra o próprio povo de Paris, as secções e a Comuna.

Se até à prisão de Hebért poderá ter havido alguma "democracia directa" a funcionar, a partir daí o governo do Terror passou a ser, sem qualquer dúvida, uma "democracia representativa", não apenas de direito (como sempre foi), mas também de facto.

Democracia Directa na Revolução Francesa (IV)?

Como de costume, Guérin:

"Na noite de 13 para 14 de Março, Hébert e os seus partidários deixaram-se prender sem esboçar um gesto de resistência (...)"

"Chaumette foi aprisionado três dias mais tarde, a 17 de Março. enquanto que Hébert e comparsas foram julgados de 21 a 24 de Março e executados a 24, o procurador da Comuna comparecerá somente a 10 de Abril perante o Tribunal Revolucionário, ao mesmo tempo que a viúva de Hébert, o ex-bispo Gobel, etc. e será executado a 13."

(...)

"Manifestou-se uma grande efeverscência nas sociedades populares das secções. Muitos trabalhadores afirmaram bem alto a sua simpatia pelos inculpados (...).

"A barbárie com que Hébert foi tratado no cadafalso revoltou os sans-cullotes. Não contentes por tê-lo feito assistir ao suplício dos seus companheiros, mantiveram a lâmina da guilhotina suspensa durante vários segundos sobre o seu pescoço, enquanto lhe enfiavam o boné vermelho na cabeça. Até um policia, que no dia seguinte se acgava numa rasca frequentada por «carvoeiros, carroceiros e outros assim», se fez eco dessa indignação"

Hébert e Chaumette eram os lideres da Comuna de Paris. O poder central não teve problemas em os executar (e humilhar Hébert). Se esse organismo tivesse tanto poder como a Joana diz, isso teria acontecido?

Democracia Directa na Revolução Francesa (III)?

Guérin, outra vez:

"Havia muito tempo que a Comuna de Paris fazia sombra ao poder central (...). Através dos hebertistas, era a comuna que se visava. A prisão dos chefes hebertistas tornou impossível qualquer resistência por parte do Múnicipio. A Convenção contentou-se em votar, a 13 de Março, um decreto que permitia ao poder central destituir os delegados das secções ao Conselho Geral, considerados a partir dali como funcionários públicos, e substituí-los por via autoritária"

"A 28 de Março, era nomeado agente nacional um homem da absoluta confiança de Robespierre, Claude Payan. Mal entrou em funções, começou a depuração da administração da polícia. Quatro dos seus administradores foram destituidos e presos. (...) Ao cabo de dois meses de prisão, serão acrescentados, a 17 de Junho, a uma fornada de 49 indivíduos acusados de terem atentado contra a vida de Robespierre e Collot d'Herbois, e executados envergando a camisa vermelha dos parricidas".

"A guilhotina atingira já o Conselho Geral: em meados de Maio, dois dos seus membros, o marçano Descombes, da secção dos Direitos do homem, e o apoticário Follope, da secção das Tulherias, serão entregues ao carrasco. No total, serão 15 ou 16 membros do Conselho Geral (em 144, se nos reportarmos a uma lista elaborada em 13 de Julho de 1793) a serem distituidos entre 24 de Março e principios de Junho. Para os substituir, o Comité de Salvação Pública nomeará, a 3 de Junho, por proposta de Payan, 24 novos membros. A Comuna ficava reduzida a mera engrenagem do poder central. O povo miúdo nunca mais a reconhecerá como sua".

Seria esta a Comuna que, segundo Joana, tinha o poder nas mãos? Pelos vistos, o poder central não teve problemas em a submeter e executar os seus membros.

Democracia Directa na Revolução Francesa (II)?

Continuando com Guérin:

"Danton propusera, na sessão de 5 de Setembro, que dali para diante houvesse às quintas e domingos em assembleia extraordinária em cada secção. (...) A 9, Barére transformou astuciosamente a proposta de Danton: propôs e fez aprovar que apenas houvesse duas assembleias de secção por semana"

"As secções reuniram-se e decidiram enviar à Convenção, a 17, para ler uma petição. O leitor de tal petição, que era precisamente Varlet, acusou a Assembleia de atentar contra os direitos do povo soberano (...)"

"Não tendo conseguido anular a decisão da Convenção, as secções decidiram de comum acordo rodear a dificuldade: transformaram-se em sociedades populares nos dias da semana em que lhes era proibido realizar a assembleia geral"

Ou seja, a Convenção não teve medo nenhum de (contra a opinião destas) proibir as secções de se reunirem mais de 2 dias por semana. É certo que estas arranjaram uma forma de contornar a lei, mas o ponto é que a Convenção não estava manietada pelas secções.

Democracia Directa na Revolução Francesa?

No blog Semiramis, Joana argumenta que a França sob o "Terror" não era um sistema representativo, já que "Paris esteve, nessa época, dominada pela Comuna de Paris cujo poder assentava nas secções populares armadas (...) que sitiavam e invadiam a Convenção (...) quando pretendiam impor-lhe a sua vontade".

Caso alguns dos meus leitores não esteja familiarizado com os detalhes da Revolução Francesa, vou explicar o que eram as "secções" e a "Comuna de Paris" (não confundir com a de 1871). Ou melhor, Daniel Guérin, autor do clássico "A Luta de Classes em França na Primeira República", vai explicar (poderão argumentar que o "marxista-libertário" Guerin não era um historiador isento, mas acho que podemos aceitar a sua descrição dos factos):

"Eis agora como [a Comuna] ressurgiu: os deputados de Paris aos Estados Gerais eram eleitos, em 1789, por uma assembleia de eleitores; esta, a seguir à queda da Bastilha, apoderou-se da administração da capital e atribuiu-se o velho nome de Comuna (...)"

"As 48 secções de Paris (...) eram de origem bastante mais recente. Por altura da eleição em duas fases para os Estados Gerais, o ministro de Luis XVI, Necker, dividira Paris em 60 distritos para a eleição dos eleitores que, por sua vez, designavam os representantes parisienses do terceiro estado (...). No dia seguinte ao 14 de Julho de 1789, a subdivisão de Paris em 60 assembleias de voto que, originariamente, se reuniam uma só e única vez, passou a ser permenente: mais tarde estas foram substituidas pelas 48 secções. Na véspera do 10 de Agosto de 1792, conseguiram da Assembleia o direito de se reunir em permenência; e, após o 10 de Agosto, não só para os que pagavam o «censo» mas para todo e qualquer cidadão."

Realmente, na Revolução Francesa, havia orgãos de democracia directa - as secções - mas esses orgãos não tinham poder efectivo. É certo que que a constituição de 1793 permitia às secções vetar algumas lei emanadas do poder central, mas, devido ao estado de exepção, essa constituição nunca chegou a ser implementada.

Já agora, não vejo como Joana pode dizer que as chefias da Comuna de Paris "se perpetuavam ad eternum" - a Comuna de Paris foi instituida a 14 de Julho de 1789, e a 4 de Dezembro de 1793, por decreto do Comité de Salvação Pública, os dirigentes da Comuna deixaram de ser eleitos e passaram a ser nomeados pelo CSP (inicialmente, Robespierre manteve os anteriores dirigentes, mas, pouco depois, mandou guilhotiná-los e substitui-os pelos seus homens de mão). Ou seja, mesmo que os dirigentes da Comuna tivessem sido sempre os mesmos (e não foram - na sequência do 10 de Agosto de 1792, as assembleias seccionais elegeram uma nova Comuna), teriam tido um mandato comparável aos de um múnicipio "clássico" - cerca de 4 anos.

A respeito das secções, pelo menos na de Gravilliers, aonde o conflito entre Jacobinos e Raivosos (i.e., a oposição de esquerda) era mais intenso, era frequente o "comité revolucionário" local ser destituido e re-destituido no prazo de dias, conforme a opinião pública oscilava entre os dois partidos (definitivamente, não se perpetuavam ad eternum).

Mas agora, o que verdadeiramente interessa: será que, apesar do que diziam as leis, a Convenção estava prisioneira da Comuna de Paris e das secções populares? De novo, algumas passagens de Guérin:

"A 4 de Setembro, uma multidão composta quase exclusivamente por operários invadira os paços do concelho, reclamando pão através do seu porta-voz, Tiger. Quando Chaumette [procurador da Comuna] voltou da Convenção apenas com uma promessa, a cólera do povo miúdo explodiu (...). O procurador-sindíco recorreu então aos meios radicais. Subiu para uma mesa e exclamou: «Isto é a guerra aberta dos ricos contra os pobres, querem esmagar-nos, pos bem! a gente previne-os, seremos nós próprios a esmagá-los com a nossa força»".

"Mas, no dia seguinte, precedidas e enquadradas pelas autoridades constituidas da Comuna, as delegações populares dirigiram-se obededientemente à Convenção, para nela apresentarem uma petição redigida por Chaumette. As delegações foram admitidas na tribuna, convidadas a ocupar as bancadas da sala das sessões. Chaumette, passando por cima do que afirmara na véspera e esquecendo o mandato que lhe fora confinado pelos manifestantes, fez um discurso oco e grandiloquente"

"O operário Tiger não reconheceu na petição de Chaumette as reivindicações que formulara em nome dos sans-culottes. já a 4 à noite, no Conselho Geral, combatera com várias moções o texto do procurador da Comuna. No dia 5 de manhã, dirigiu-se ao domicilio de Chaumette e disse-lhe: «Tenha cuidado em executar como deve ser a vontade do povo na petição que vamos apresentar à Convenção Nacional». Um pouco mais tarde, quando as delegações se dirigiam já dos Paços do Concelho para a Convenção, juntou-se ao cortejo dos cidadãos e gritou: "Parem, parem, Chaumette não respeitou a vontade do povo». De tarde, no Conselho Geral da Comuna, Chaumette, ao citar este incidente, tratou Tiger de "contra-revolucionário" e de "assassino" e conseguiu que esse «senhor» fosse imediatamente preso."

Desta passagem, facilmente se conclui que a Convenção e a Comuna de Paris até não tinham assim tanto medo da "populaça" - não só Chaumette não teve problemas em apresentar na convenção um proposta completamente diferente da que tinha sido discutida com os operários, como até mandou prender o porta-voz destes.

A "Segunda República de Vermont"

(via Mutualist Blog)

Nem de propósito. Após escrever um post sobre "democracia participativa", aonde, no quinto parágrafo falo de movimentos que, nos EUA, defendem a devolução do poder às comunidades locais, temos a "Segunda República de Vermont".

Vermont é um dos estados da Nova Inglaterra. Tem a particularidade de não ter aderido logo aos EUA, tendo permanecido independente durante alguns anos. As velhas (a democracia participativa local) e novas ("liberalismo" social) tradições da Nova Inglaterra marcam profundamente a matriz deste estado; foram também reforçadas por um processo de auto-selecção: nos anos 60, muitos hippies mudaram-se para lá, atraídos pela ambiência local.

Hoje em dia, deve ser dos estados aonde a "esquerda independente" (nomeadamente os Verdes) tem mais expressão. E não me admirava nada que o seu ex-governador Howard Dean se tivesse saído melhor contra Bush do que o "panhonhas" do John Kerry (diga-se que o meu preferido era mesmo Ralph Nader).

Bem, o que se passa com o Vermont? Um grupo de cidadãos, de várias proveniências politicas (anarquistas, "verdes", georgistas, mas também conservadores) criou um movimento (o SRV) com vista a restaurar a independência do estado. Entre os seus principios, temos:

" 1. Political Independence. Our primary objective is to extricate Vermont peacefully from the United States as soon as possible.

2. Direct Democracy. Vermont's strong democratic tradition is grounded in its town meetings which have served as the state's political mainstay for over two centuries. We favor devolution of power from the federal and state governments back to local communities and the extension of participatory democracy to the workplace and the farm.

(...)

5. Quality Education. We would return to local Vermont communities the control and financing of small local schools.

6. Wellness. We encourage small locally controlled health care systems similar to those found in Switzerland in which, unlike the United States, patients, physicians, clinics, hospitals, and insurance providers are all in community with one another.

7. Nonviolence. Consistent with Vermont's long history of nonviolence, we do not condone state-sponsored violence inflicted either by military or law enforcement officials. However, we do support a voluntary citizens' militia to restore order in the event of political unrest or natural disasters. We are unconditionally opposed to any form of military conscription.

8. Foreign Policy. We also favor negotiations with Maine, New Hampshire and the four Atlantic provinces of Canada possibly to create a New Atlantic Confederacy - a nation about the size of Denmark. We would not rule out similar negotiations with Quebec, as well as membership in the U.N."

Monday, December 19, 2005

Democracia Participativa e Representativa (II)

A. A. Amaral responde ao meu post sobre a democracia participativa e representativa. Á partida, até me parece que a sua crítica incide sobretudo na semântica: A. A. Amaral afirma que a "até mesmo a democracia representativa é participativa" e que "[c]ontraposto à democracia representativa está, pois, não a ideia de participação, mas a democracia directa". Com algumas reservas, eu até poderia aceitar essa terminologia, e se, no meu post anterior, se substituir "democracia participativa" por "democracia directa" o sentido e as conclusões não se alteram muito. No entanto, eu prefiro o termo "democracia participativa" (e vou usá-lo neste post) a "democracia directa" - é em parte por uma questão de hábito mas também porque o que eu chamo de "democracia participativa" é capaz de ser um pouco mais lato que "democracia directa" (a democracia pode ser mais ou menos "participativa" e o extremo da "participação" é a "democracia directa"). Seja como for, os meus leitores já sabem que o que eu chamo de "democracia participativa" é chamado por outros de "democracia directa".

Agora, há uma questão que é, implicitamente, levantada pelo João Galamba: será que a "democracia participativa" (ou "directa"...) não é viável apenas para pequenas comunidades (até por razões de ordem física) e que, a nivel nacional, não será necessário recorrer à democracia representativa?

Há várias respostas possíveis para essa situação (para já, vou ignorar as que fazem apelo às "novas tecnologias"):

A solução mais simples é a dos anarquistas (e que está implicita em muitos dos movimentos "alter-globalização"): não existir nenhuma autoridade central com poder coercivo, apenas acordos voluntários entre grupos locais autogeridos. Realmente esta solução resolve pela raiz a questão "Como governar grandes unidades políticas?" e é um modelo que, se funcionar, será perfeito (a única objecção é de que os modelos perfeitos costumam não funcionar...).

Uma versão mais soft da solução anterior é um Estado que dê o máximo de poder possível às comunidades locais: essa posição por vezes leva a situações curiosas, como nos EUA, em que é possível ver radicais de esquerda (defensores da "democracia participativa") e conservadores de direita convergirem na defesa do "poder local" contra a burocracia federal (e "libertarians" como Murray Rothbard a aliarem-se com uns e outros sem grande problema...). Claro que isto já é uma "complementaridade" entre "democracia participativa" e "democracia representativa", mas com enfoque na primeira (é por estas "complementaridades" que eu prefiro "participativa" a "directa").

Uma abordagem diferente poderá ser a defendida por grupos como os trotskistas, conselhistas e "comunistas de esquerda", que defendem assembleias ("conselhos") compostas por delegados dos grupos de base, revogáveis a qualquer momento, e que, em principio, devem votar de acordo com a vontade dos seus representados (este método também é defendido por muitos anarquistas, mas conjugado com o direito de secessão). Citando o conselhista Anton Pannekoek, em "Conselhos Operários", "cada delegado pode ser revogado a qualquer momento. Os operários não estão, apenas e constantemente, em contacto com os seus delegados, participando nas discussões e decisões; estes não passam de porta-vozes temporários das assembleias conselhistas. Os politicos capitalistas gostam de denunciar a função «desprovida de carácter» do delegado que é por vezes obrigado a emitir opiniões que não são as suas. Eles esquecem que é precisamente porque não existem delegados perenes que apenas são designados para esse posto indivíduos cujas opiniões são conformes às dos trabalhadores". De certa forma, esses delegados seriam mais parecidos com o embaixador de Portugal na Assembleia Geral da ONU do que com os deputados do Algarve na Assembleia da República.

No entanto, há algumas notas a dizer a respeito deste sistema: em primeiro lugar, os movimentos que acima referi têm a peculiaridade de defenderem que as "assembleias de base" não devem ser geográficas mas por local de trabalho. Dentro da lógica trotskista/conselhista/etc. faz sentido, já que o objectivo não é só pôr "os cidadãos a mandar no Estado", mas sobretudo pôr "os trabalhadores a dirigir a economia". No entanto, creio que podemos discutir o aspecto politico dos "conselhos" abstraindo dessas caracteristicas, já que, enquanto modelo de organização do Estado, em teoria, podem ser compatível com qualquer forma de organização económica (a inversa não é verdadeira - não se pode discutir o sistema económico defendido por esses movimentos ignorando o sistema político, já que eles defendem que o sistema colectivista requer a "democracia participativa", porque uma burocracia estatal de cima-para-baixo não teria informação nem incentivos suficientes para gerir a economia).

Outro detalhe curioso é que os trotskistas, defendendo a "democracia participativa", organizam-se internamente segundo a lógica da "democracia representativa". Ou melhor, nos núcleos de base, realmente, há "democracia directa", mas o "Comité Central" não é composto por delegados dos núcleos, sendo eleito em congresso, proporcionalmente à votação das várias "moções de estratégia" discutidas, tal qual como nos partidos "burgueses". Provavelemente, a reduzida dimensão desses partidos faz com que essa contradição teórica não tenha grande relevância prática (se calhar em muitos há mais militantes activos no CC do que fora dele).

Mas há uma objecção importante ao sistema dos "conselhos" - a revogação dos delegados e o mandato imperativo, em principio, conduzem a uma lógica maioritária; embora se possa conceber métodos engenhosos de introduzir alguma proporcionalidade, o facto de não poderem haver muitos delegados por "organização de base" torna-os sempre muito imperfeitos. Ou seja, há um perigo real de distorções à verdadeira vontade popular.

Talvez o melhor sistema seja, efectivamente, uma combinação da "democracia participativa" e "representativa". Por exemplo, poderiamos ter uma assembleia composta 50% por deputados "clássicos", eleitos por sistema proporcional, e 50% por "delegados" revogáveis das "assembleias de base" (ou então, um sistema bicameral). Aliás, nas primeiras convenções do Bloco de Esquerda, quando se discutia os estatutos do partido, houve propostas no sentido de parte da Mesa Nacional não ser eleita em Convenção, mas ser composta por representates "variáveis" dos plenários locais (o facto destas propostas terem sido derrotadas por larga maioria, em favor da pura "democracia representativa", demonstra que o partido não é tão 'radical' como a direita diz)

A "Protecção de Menores"

O caso da bebé de 50 dias abusada e maltratada pelo pai levantou (outra vez) a questão da eficácia das "Comissões de Protecção de Menores".

Realmente é uma situação muito delicada: por um lado, é notório que, actualmente, essas comissões são muito pouco interventivas, deixando frequentemente as crianças nas mãos de pais claramente perigosos. Mas por outro lado, corre-se, ao reagir contra essa situação, facilmente o risco de cair no extremo oposto: é sabido que o poder tende a subir à cabeça das pessoas, logo, se for muito fácil essas comissões tirarem os filhos aos pais, o mais provável é que muitas abusem desse poder e que surjam situação do gênero uma mãe solteira que vá mais que uma vez por mês à discoteca arriscar-se a ficar sem os filhos por "comportamento irresponsável" (lembrem-mo-nos do filme "Ladybird", de Ken Loach, que narra a história de uma mãe inglesa que tenta recuperar os filhos que lhe vão sendo tirados pela Assistência Social).

No entanto, há algo, que não teria grande utilidade, mas que sempre serviria para alguma coisa: nas situações em que é a própria criança que diz que não quer continuar com os pais mas ir viver com outro familiar (que concorda com a ideia), o pedido, por principio, devia ser deferido; ou seja, os pais biológicos é que teriam que provar que o outro parente é incapaz para ficar com a criança (e não o oposto).

Como eu disse, isso não teria grandes vantagens, já que muitas crianças vítimas de maus tratos ainda nem têm capacidade para falar sequer, e muitas outras têm uma grande ligação afectiva com os pais que as maltratam (logo, não vão pedir para ficarem com outro parente). No entanto, em casos como o da "Vanessa", que foi maltratada mortalmente pelo pai e pela avó por preferir ficar com a madrinha, num sistema destes talvez estivesse viva a viver com a madrinha (embora este exemplo também não seja lá muito bom, já que uma madrinha não é exactamente um "familiar").

Friday, December 16, 2005

Furacões e Racismo

Rodrigo Adão da Fonseca (a que, aliás, agradeço a recomendação) cita um artigo afirmando que a proporção de negros que morreram no furacão Katrina, em New Orleans, até foi menor que a de brancos e que, portanto, o argumento que não houve racismo na má resposta à catástrofe é incorrecto.

Isso parece fazer sentido, mas não faz. Vamos pegar num exemplo hipotético (mais extremo que o de New Orleans): imagine-se uma cidade com 90% de negros e 10% de brancos. A cidade sofre uma catástrofe. O governo está nas mãos de racistas brancos, que se não se preocupam em auxiliar a cidade. Morrem 500 pessoas (450 negros e 50 brancos, o que é estatisticamente normal).

Ora, nessa situação, a taxa de mortalidade até é igual para os dois grupos (as mortes ocorreram em proporção com a demografia). Quer dizer que não houve racismo? Bem, por um lado, até quer: significa que a catástrofe em si não foi racista (aliás, os fenómenos naturais costumam ser desprovidos de consciência, logo, também de preconceitos). Mas quer dizer que o governo não foi racista? Não. O racismo manifestou-se na decisão de ajudar pouco a cidade (por ser maioritariamente negra), não na decisão de, entre a população atingida, ajudar mais os brancos que os negros. Logo, até é normal que, dentro da população atingida, a proporção de mortes entre as duas etnias seja similar.

Passando do exemplo para a situação real, parece que os mortos de New Orleans eram 59% negros (que representam 67% dos habitantes da cidade), 37% brancos (28%) e 5% "outros" (4%). Aparentemente, em proporção ao total, os brancos até morreram mais, mas, como notei atrás, isso é irrelevante para a questão: o argumento era de que a ajuda não foi tão eficiente como podia porque a maioria das vítimas era negra (e realmente foram 59%) - ninguém disse que as vítimas negras foram pior tratadas que as brancas (apenas que o conjunto das vítimas não bem tratado porque era maioritariamente negro).

Ora, a atitude de descurar o auxílio à cidade (por ser maioritariamente negra) afecta toda a gente atingida (incluindo a minoria branca), logo, as estatísticas de mortalidade entre as diferentes etnias dentro de New Orleans são irrelevantes (só seriam relevantes se se argumentasse que tinha havido mais ajuda aos bairros brancos de NO do que aos bairros negros).

Thursday, December 15, 2005

Contraponto

Já que, no post anterior, citei a "Teoria Marxista do Estado", cito aqui a crítica anarquista a essa visão. É que, nas polémicas entre marxistas anti-burocráticos e anarquistas, eu sou um bocado agnóstico.

A Democracia Participativa na América

O comentário do João Galamba acerca da "tradicao participativa significativa" nos EUA fez-me lembrar de um texto:

(2) Public offices to be elective, to the greatest extent. It is not only members of the deliberative assemblies who should be elected. Judges, high-level functionaries, officers of the militia, supervisors of education, managers of public works, should also be elected. This may be a bit of a shock to countries with an ultra-reactionary Napoleonic tradition. But certain specifically (...) democracies, the United States, Switzerland, Canada, or Australia for example, have conserved the elective character of a certain number of public functions. Thus, in the United States the sheriff is elected by his fellow citizens.

Isto não a tem a ver exactamente a ver com a questão da democracia participativa (em rigor, é mais uma generalização da democracia representativa), mas anda lá perto. Quem será o autor dessa passagem tão filo-anglo-saxónica e tão "anti-Napoleonica"? Tocqueville? Não, é mesmo Ernest Mandel (o texto é "Marxist Theory of the State"), um dos principal mentores da corrente trotskista representada em Portugal por Louçã e pela APSR (a USFI). E a direita ainda nos acusa de "anti-americanismo primário"...

Já agora, os conservadores pró-americanos (que venham cá parar por intermédio do que parece ser o meu principal patrocinador) que se dêm ao trabalho de ler o texto de Mandel até são capazes de gostar de um certo ponto, se o encontrarem...

Wednesday, December 14, 2005

Acerca da Pena de Morte

No momento em que se debate a pena de morte, devido à execução (ou assassínio legal?) de Sidney Williams, cito o que eu acho um dos melhores argumentos contra esta (sobretudo porque deita por terra o argumento do "fazer-lhe a ele o que fez aos outros"):

O que é a pena capital senão o mais premeditado dos assassinatos, ao qual não pode comparar-se nenhum ato criminoso, por mais calculado que seja? Pois, para que houvesse uma equivalência, a pena de morte teria de castigar um delinqüente que tivesse avisado sua vítima da data na qual lhe infligiria [a] morte (...), e que a partir desse momento a mantivesse sob sua guarda durante meses. Tal monstro não é encontrável na vida real."

Albert Camus

(Esta citação tem a vantagem adicional de relembrar Camus, num ano em que esteve tudo entretido com Sarte vs Aron - dos quais não sou particular apreciador)

Propriedade, Coacção, etc.

Para todos aqueles com quem debati temas como "aquisição original de propriedade", "o que é coacção?", "liberdade positiva e negativa", "o que são trocas livres", etc, um texto de Kevin Carson sobre o(s) assunto(s):

Point 3. All the parties to the debate tend to throw around the term coercion, in discussing whether coercion is essential to collective ownership of the means of production, without addressing the prior question of what constitutes coercion. Now I would argue that whether the establishment and enforcement of collective ownership is "coercive" depends on what set of property rights rules you start out with. Forcibly invading someone's "rightful" property, by definition, is coercion; but using force to defend one's "rightful" property claims against invasion is not. So the question of whether force is coercive depends on who the "rightful owner" is. When the parties to the dispute adhere to two separate sets of rules for property rights, they will disagree on who is the aggressor and who is the defender.


For example: the Lockean system of ownership, like all others, requires the use of violence as an ultimate sanction to enforce property titles and contracts. An adherent of the Ingalls-Tucker doctrine of ownership based on occupancy and use (like me) would consider the actual occupant of a piece of land to be its rightful owner, and an absentee landlord's claim to rent to be analogous to a state's demand for taxes. Any attempt to collect rent on the self-styled "landlord's" part, it follows, would be a coercive invasion of the rights of the owner-occupant. But the Lockean would regard the occupant, who refused to pay rent, as the invader of the absentee landlord's property rights. To complicate the issue further, even radical Lockeans like Rothbard considered personal occupancy and use to be necessary for initial appropriation; so the state's enforcement of titles based on grants of large tracts of unmodified land would be an act of aggression against the legitimate first homesteaders. Even to a Rothbardian, many if not most present land titles are illegitimate, with justice being on the side of those legally classified as "trespassers" or "squatters."


In Chapter Five of Mutualist Political Economy, I included an extended discussion of property rights theory that relied heavily on "Hogeye Bill" Orton's commentary from sundry message boards. According to Orton, no particular theory of property rights can be logically deduced from the axiom of self-ownership. Rather, self-ownership can interact with a variety of property rights templates to produce alternative economic orders in a stateless society. So whether rightful ownership of a piece of land is determined by Lockean, mutualist, Georgist, or syndicalist rules is a matter of local convention. Questions of coercion can only be settled once this prior question is addressed. And since there is no a priori principle from which any particular set of rules can be deduced, we can only judge between them on consequentialist grounds: what other important values do they tend to promote or hinder?


So it's quite conceivable that non-severable, non-marketable shares in a collectively owned enterprise might depend, not on contract among the members, but on the property rights convention of the local community. Saying that such an arrangement is "coercion" is begging the question of whether the Lockean rules for initial acquisition and transfer of property are the only self-evidently true ones.

Democracia Participativa vs. Representativa

Segundo A. A. Amaral, "a unica democracia possível [é] a representativa. A única forma de democracia que cria defesas à livre discricionariedade de um político e nos garante segurança". Imagino que AAAmaral esteja a fazer o contraponto com a "democracia participativa", já que o post se refere a Francisco Louçã, tradicionalmente um defensor dessa posição politica.

Em primeiro lugar, mesmo que a "democracia participativa" seja impossível, isso não significa que os seus partidários não sejam democratas, como AAAmaral afirma, a menos que adoptemos o conceito estalinista de "culpa objectiva" (assim, os defensores da democracia participativa seriam "objectivamente anti-democratas", tal como os anti-estalinistas eram "objectivamente contra-revolucionários"). O certo é que nos partidos que Louçã lidera/liderou sempre houve liberdade de criticar a linha oficial e até de apresentar candidaturas e moções alternativas, e as propostas de Louçã chegaram a ser recusadas nalguns congressos (ao contrário de, p.ex., no PCP - e agora compare-se o "anti-louçãnismo" militante da direita com a clara simpatia de muitos por Jerónimo de Sousa).

Mas, será que tem algum sentido dizer que "a democracia (...) representativa [é] a única que cria defesas..."? Porque é que numa democracia representativa as pessoas estarão melhor defendidas de abusos do que numa democracia participativa?

Por haver limites consitucionais? Mas pode perfeitamente haver uma "democracia participativa" com limites consitucionais - lembrando-me dos meus tempos de estudante, há coisas que uma RGA só pode aprovar por maioria qualificada. Por outro lado, pode perfeitamente haver uma "democracia representativa" sem garantias constitucionais (a França sob o Terror é um bom exemplo).

Por haver separação de poderes? Realmente, numa "democracia participativa", o poder executivo praticamente não existe, sendo absorvido pelo legislativo; no entanto, nas democracias representativas (pelo menos nas parlamentaristas) acaba por se passar o mesmo, ao contrário - o poder executivo acaba por absorver o legislativo. Quanto ao poder judicial, não se vê porque uma "democracia participativa" não poder ter um sistema judicial independente - p.ex. o julgamento por jurí até é muito mais "participativo" do que "representativo" (sobretudo se
incluir o polémico "direito de julgar a lei", que quem diga que existe nalguns países).

Por vezes, argumenta-se que a "história demonstra que a democracia participativa conduz à tirania", mas essas pessoas devem ler livros de história muito diferentes dos meus: temos montes de exemplos de "democracia participativa" que não conduziram a ditaduras, desde Atenas até à Islândia medieval, passando pelas tribos germãnicas ou berberes, os cantões suiços, os "town meetings" da Nova Inglaterra, etc.. A respeito de Atenas, os inimigos da "democracia totalitária" fazem coro com Platão (um defensor da "aristocracia totalitária"...) e citam a execução de Sócrates como exemplo dos perigos da "democracia participativa" (ou mesmo da "democracia", só), mas não vêm o outro lado da moeda: quantos filósofos - muitos com ideias heterodoxos - havia em Atenas que não foram executados?

Para atacar a "democracia participativa" também se costuma dar o exemplo da Europa de Leste, mas isso é um disparate: os paises de Leste, tirando duas exepções (a URSS até 1936 e a Jugoslávia segundo a Constituição de 1973) seguiam o desenho formal das "democracias representativas", não das "participativas": de "X" em "X" anos, os cidadãos votavam, elegiam um Parlamento, e durante "X" anos, o Parlamento governava-os (a diferença, face à democracia "burguesa", é que só havia uma lista concorrente)*.

Quanto aos únicos exemplos que tinham consagrado um sistema de participação dos "organismo de base", não deixa de ser revelador que um (a Jugoslávia) fosse o mais "liberal" do conjunto, e que o outro (a URSS) o tenha suprimido em 1936, exactamente quando o terror totalitário se preparava para atingir o seu ponto alto.

*Obviamente, não estou a dizer que os países de Leste eram "democracias representativas", apenas que, constitucionalmente, se "disfarçavam" de tal

Tuesday, December 13, 2005

Legalização da Prostituição

Acho que deviamos, não apenas legalizar a prostituição, mas também abolir a PIDE/DGS e descolonizar África.

Como? Isso já foi tudo feito há decadas?!

Nota: para aqueles que dizem que "a prostituição ainda não está legalizada, apenas está descriminalizada", não há nenhuma lei sancionando a prostituição (seja como crime, contra-ordenação, ou lá o que for), logo, o que não é proibido... é permitido (afinal, não há - ou, se houver, é à pouco tempo - nenhuma lei autorizando os blogs; isso quererá dizer que os blogs são ilegais?)

Monday, December 12, 2005

Debates presidenciais (outra vez)

Não é só o Spectrum, o Troll Urbano, o Céus de Abril e outros blogs suspeitos a achar que Louçã ganhou o debate com Cavaco, é também o Luis Delgado!

Quanto ao debate de hoje, acho que o Alegre melhorou e o Louçã piorou, em relação ao debate de cada um com Cavaco.

Segurança Social e Envelhecimento da População

É frequentemente argumentado que um sistema de segurança social de "repartição" (i.e., em que os trabalhadores actuais descontam para pagar aos reformados actuais) irá entrar em crise devido ao envelhecimento demográfico, que faz com que haja menos activos a descontar por cada reformado.

Realmente é verdade, mas o mesmo se passaria num sistema de "capitalização" (em que os trabalhadores actuais descontam para um fundo, e, após a reforma, vivem dos rendimentos) - se houver uma redução do número de trabalhadores activos, isso também irá reduzir os lucros das empresas (devido à escassez de mão-de-obra), e, portanto, também os rendimentos dos reformados.

No fundo, imginemos um caso extremo: que, pura e simplesmente, deixava de haver trabalhadores activos - aí, é facil de ver que, quer com "repartição", quer com "capitalização", os reformados não iriam receber reforma nenhuma, já que, na economia real, nenhum (ou quase) rendimento iria ser criado.

Nota: ver debate entre Blasfémias, a Destreza das Dúvidas e aforismos e afins sobre o assunto

A Wikipedia

Eu já contribui para alguns artigos da Wikipedia, nomeadamente o artigo "Trotskismo" (receava que o meu passado de trotskista e o meu presente de compagnon-de-route de trotskistas pudesse limitar o meu NPOV, mas a única critica relevante foi de que eu não estava a dar atenção à "visão trotskista mais ortodoxa").

A respeito das falhas que lhe têm sido apontadas, até acho que a ideia do João Miranda de criar duas versões da Wikipedia (uma mais estável que a outra) faz sentido.

Uma forma de fazer isso (além da que o JM expõe) poderia ser criar um sistema em que, se um artigo passasse "x" tempo sem ser corrigido, passava automaticamente para a "versão estável". Isso implcaria que, quando alguém editasse um artigo, preenchesse um campo em que dizia se a alteração era de "aperfeiçoamento" ou de "correcção de erros".

Com funcionaria: imagine-se que eu escrevia um artigo a 1 de Dezembro, alguém fazia uma alteração a 10 de Dezembro, outra pessoa a 21, etc. Se todas essas alterações fossem de "aperfeiçoamento", a minha versão de 1 de Dezembro passaria para a "versão estável" a, p.ex., 1 de Janeiro, a de 10 de Dezembro a 10 de Janeiro, etc.. Mas, se, p.ex, a alteração de 21 de Dezembro fosse de "correcção de erro", as versões anteriores nunca passariam para a "versão estável", que só seria alterada a 21 de Janeiro (isso, se não houvesse "correcções de erro" posteriores).

Talvez até se podesse criar um sistema em que cada individuo podesse ter a sua própria "versão estável", em que cada um escolhesse se queria ver, como "versão estável", os artigos que tivessem um mês sem correcção (como no exemplo), ou um ano, ou 132 dias, ou o que fosse.

Este sistema teria a vantagem de poder ser completamente automatizado, em vez de precisar de revisores humanos. Tem a desvantagem de ser, talvez, das coisas mais confusas que alguém poderia imaginar...

Nota: Acabei de reparar agora que já há uma versão de teste para um novo mecanismo para a Wikipedia

Sunday, December 11, 2005

Multiculturalismo, Relativismo, Equivalência Moral, etc.

Hoje em dia, é moda, em certos quadrantes, falar contra o "politicamente correcto", o "multiculturalismo", o "relativismo", etc. O que será que esta conversa toda quer dizer?

Para começar, o que é o "multiculturalismo"? Nem eu sei bem, mas creio que podemos dar-lhe, pelo menos, 3 sentidos possíveis: A-achar que é desejável que haja várias tradições culturais dentro de uma sociedade; B-achar que devemos estar abertos a outras culturas, sem nos deixarmos levar pelos nossos preconceitos de origem; ou C-achar que não há valores universais, independentemente da "cultura" (em rigor, só este ultimo sentido pode ser chamado de "relativismo cultural").

Ora, é perfeitamente possível subscrever alguns destes sentidos sem subscrever outros. P.ex, os sentidos B e C, filosoficamente, são quase opostos: um é de base racionalista/iluminista (o individuo deve-se "libertar" da tradição), o outro é exactamente o oposto (nós não passamos de escravos da nossa tradição particular).

Também é perfeitamente possível defender a coexistência de varias culturas e acreditar em valores universais: uma pessoa pode ser a favor do multiculturalismo-A exactamente por achar que, havendo várias tradições em paralelo, os individuos serão menos influenciados pela "sua" tradição particular e, assim, mais facilmente descobrirão os "valores universais". O inverso é também possível: a "Nouvelle Droite" francesa é contra o multiculturalismo-A exactamente porque acha que a "mistura" destrói as especificidades nacionais, ou seja, é radicalmente anti-universalista; e que dizer da teoria do "Choque de civilizações", totalmente anti-multiculturalista, mas, se formos ver bem, "relativista" até à medula dos ossos (afinal, a base dessa teoria é que as várias civilizações são radicalmente diferentes e, portanto, incompativeis)?

"Relativismo" também não é "equivalencia moral". Imagine-se que se está a falar das violações dos direitos humanos nalgum país árabe. Então, alguém levanta-se e contrapõe com exemplos de violações similares no Ocidente. Concerteza, está a estabelecer uma "equivalência moral"; mas estará a ser "relativista"? Claro que não. O que esse individuo está a dizer é que os dois casos são "equivalentes" por serem parecidos. "Relativismo" é exactamente o oposto: dizer que os dois casos são "equivalentes" por serem tão "diferentes" quem nem se podem comparar.

Aproveito para citar o post de Kevin Carson "A (Partial) Neoconservative Lexicon":

Moral Relativism. Aka historicism. The denial of any unified, objective standard of value. The diametric opposite of Moral Equivalence (q.v.).

Moral Equivalence. Judgment of the United States government by the same unified, objective standard of value as the governments of other countries. The diametric opposite of Moral Relativism (q.v.).

Moral Clarity. The Zen-like state of mind from which it is possible accuse the same political enemy, simultaneously, of both Moral Relativism and Moral Equivalence.

Mas, qual é a importancia disto tudo? É que, manipulando estas definições, e saltando de uma para a outra a bel-prazer, os conservadores conseguem sempre chegar ao "relativismo", e dizer que os seus adversários são a favor de um regime tipo talibã (já que seriam contra os valores universais, e logo não poderiam ser contra a sharia nos países islâmicos)
.

Saturday, December 10, 2005

Os "verdadeiros progressistas"

A Esquerda dos "verdadeiros progressistas" terá alguma coisa a ver com a "Direita Civilizada"?

Debate Cavaco-Louçã II

Fazendo uma análise mais detalhada do debate, acho que na parte económica empataram: Louçã defendeu bem as posições tipicas da Esquerda e Cavaco as da Direita (o que talvez explique que tanto o "Saboteur" como o Paulo Pinto Mascarenhas tenham gostado do debate) - na reforma da Segurança Social, Louçã até marcou um ponto ao lembrar que o tal estudo já existia, mas teria sido melhor se tivesse dito, simplesmente, "as pensões devem ser pagas por impostos que incidam sobre todos os rendimentos, e não apenas sobre os do trabalho", em vez de dizer que "são uma dívida que tem que ser assumida por todos nós" (é a mesma coisa, mas percebia-se melhor).

Já na imigração e direito de nacionalidade, Louçã falou de alhos, e Cavaco respondeu-lhe bugalhos: Louçã defendeu que qualquer pessoa nascida em Portugal devia ter direito à nacionalidade portuguesa, e Cavaco respondeu a falar de não se poder dar a nacionalidade a "10 milhões de imigrantes que entrem" (estava-se a falar da aquisição da nacionalidade pelos filhos dos imigrantes, não dos imigrantes propriamante ditos).

Na questão do casamento homossexual, Louçã, de forma sucinta, defendeu a sua legalização; a resposta de Cavaco até não foi má, atendendo ao seu eleitorado natural. No entanto, essa conversa do "Há coisas mais importantes a tratar (...) e trata-se de uma questão que fractura a sociedade" não tem grande lógica: legalizar o casamento homossexual não impede que se trate dos assuntos mais importantes (redigir e votar a lei não representaria muito trabalho, logo não iria desviar trabalho significativo dos outros assuntos); e quanto a ser uma questão que "fractura a sociedade", muitas outras, desde a Segurança Social ao TGV e à OTA, o são - é exactamente por dividirem a sociedade que são "questões"!

Mas o ponto pior de Cavaco não foi mérito de Louçã, mas dos jornalistas, quando ele ficou uns dois minutos a gaguezar quando lhe perguntaram o que faria se o telefone presidencial estivesse sobre escuta (e a pergunta já tinha sido feita a Louçã, logo nem sequer foi apanhado de surpresa).

Debate Cavaco-Louçã

Eu voto Louçã*, logo a isenção, imparcialidade e credibilidade do que vou escrever é zero:

Acho que este foi o melhor debate que ouve até agora (o que significa que, afinal, o mal não estava no Cavaco). E o facto de, tanto à direita como à esquerda, haver uma reacção de "encostamos o adversário à parede" demonstra que foi um debate relevante.

Depois do debate, começou a germinar uma ideia na minha cabeça: e se, na primeira volta, Louçã for o 2º mais votado? Afinal, até está bem colocado para ir buscar os eleitores de Manuel Alegre (basicamente, pessoal de esquerda desiludido com a politica do governo PS).

* O que quer dizer que, ao contrário do que diz o AAA, eu não posso ser considerado "um anarquista de esquerda digno desse nome" (aí, o coerente seria não votar) - assim prefiro auto-designar-me como um "libertário de esquerda", o que, sendo quase a mesma coisa, não tem essa rigidez.

Novos links

Coloquei dois novos links, o Margens de Erro, um blog sobre sondagens, e o WikiWatch, um blog dedicado a apontar falhas à Wikipedia, integrado no site de Matthew Withe.

Já agora, recomendo que dêm um passeio por esse site, que acho um espéctaculo.

Friday, December 09, 2005

Produtividade e "modelo social europeu"


Olhando para as estatisticas da OCDE [PDF] em que Rui Pena Pires se baseou, vemos que o desemprego (pp. 21/22) em França é de 10,1% e nos EUA é de 5,5%. Lembremo-nos que a produtividade francesa era de 142, e a norte-americano de 131 (100=produtividade média da OCDE). Mas, vamos tentar calcular qual seria a produtividade francesa se o seu nível de desmprego fosse igual ao dos EUA. Vamos adoptar uma hipotese super-pessimista: que a produtividade dos 4,6% de desempregados que passariam a empregados seria... zero.

Mesmo assim, a produtividade francesa seria maior que a norte-americana: em 1000 trabalhadores, há 899 que têm uma produtividade de 142, e haveria mais 46 como uma produtividade de 0. Assim, a produtividade média seria (899*142+46*0)/(899+46) = 135, 3 pontos acima da produtividade norte-americana.

Claro que a hipotese da produtividade zero dos trabalhadores adicionais é completamente irrealista - já agora, vamos imaginar que a sua produtividade seria a dos turcos ou mexicanos (39). Aí, a produtividade média seria (899*142+46*39)/(899+46) = 137, 5 pontos acima da norte-americana.

Quanto ao argumento de que a culpa da revolta das ultimas semanas é das politicas socias francesas (com o desemprego que criam), recorde-se que se há país com uma tradições de motins nos bairros pobres são os EUA (já agora, que tal um salto ao post californiano do "Renegade"?)

Debates presidenciais

Quando vi o primeiro debate, pensei o que toda a gente pensou: "Isto não é um debate. São duas entrevistas".

No entanto, o debate de ontem entre Soares e Jerónimo já quase que foi um debate a sério (e até tinha condições para ser uma seca total...). Qual terá sido a diferença? Talvez os jornalistas da RTP tenham sido melhores a gerar um debate que os da SIC (este modelo de debate depende muito dos jornalistas). Ou talvez, para um debate deste gênero funcionar, é preciso que os "debatentes" o queiram efectivamente, já que o que é suposto é responderem aos jornalistas, e só respondem ao que o adversário disse antes se quiserem.

Ora, como Cavaco adoptou um estilo "solene", de quem já é presidente (e com grandes tiques de "união nacional"), é natural que não se envolva em "debate a sério", preferindo apenas debitar as suas respostas às preguntas dos jornalistas. Se os próximos debates com Cavaco forem "secas" como o primeiro, é sinal que o mal está mesmo nele.

Quanto ao debate, acho que Soares ganhou e perdeu: por um lado, demonstrou (como se fosse necessário) continuar a ter uma grande vitalidade e vivacidade a discutir; mas, por outro, os sinais de declinio físico já se começam a notar, e a tosse não ajudou nada nesse ponto (pior ainda foram as imagens dos debates antigos, que acabaram por realçar o envelhecimento).

Thursday, December 08, 2005

Re: Salários, Capital, etc.

Continuando o debate com a Causa Liberal:

Se as sociedades progredissem, fundamentalmente, pela acumulação de capital, isso significaria que, com o tempo, a quantidade de trabalho utilizada para produzir uma unidade produto (p.ex, um quilo de maçãs) iria baixar, e a quantidade de capital utilizada iria subir.

Fazendo a conta ao contrário, isso significa que a produtividade aparente do trabalho (i.e., a produção total a dividir pelo trabalho total) iria aumentar, e a produtividade aparente do capital (a produção total a dividir pelo capital total) iria diminuir.

Bem, as estatísticas (de novo, segundo a 12ª edição do "Samuelson") parecem não confirmar este ponto: parece que tanto a produtividade do trabalho como a do capital têm vindo a subir com o tempo (embora mais a primeira do que a segunda). No entanto, se, já de si, as estatisticas são de duvidar, ainda mais neste campo, já que é muito dificil medir a quantidade realmente existente de capital (e, sobretudo, normalmente essas estatísticas não contam com o investimento "imaterial", como o dinheiro aplicado em Investigação&Desenvolvimento). Todavia, parece fazer sentido: é natural, que, com o tempo, se vão inventando/descoberto maneiras mais eficientes de aproveitar, tanto o trabalho como o capital.

Mas, vamos supor que o CN tem razão, que realmente a chave do progresso consiste em utilizar cada vez mais capital. Então, isso significa que o racio (produção/capital) tenderá a descer. Como (produção/capital) = (lucros/capital)/(lucros/produção), então a taxa de lucro tenderia a diminuir, a proporção dos lucros no rendimento total a aumentar, ou, provavelmente, as duas coisas simultaneamente (a tal previsão marxista).

Quanto a serem os capitalistas que financiam o desenvolvimento técnico: realmente, são os accionistas da VW que, ao receberem menos dividendos, "pagam" os ordenados dos engenheiros da VW que criam novos modelos de carros; mas, se não houvessem os tais engenheiros, os novos modelos também não seriam inventados; e, se 90% dos operários da VW fossem raptados por extra-terrestres, a produção e os lucros também cairiam e, logo, também haveria muito menos dinheiro para investir em I&D. Assim, não se pode dizer que os capitalistas são "o" grupo que faz a sociedade progredir.

Quanto à questão de as grandes empresas serem as que pagam salários melhores, produzem melhores produtos, etc., lembro que uma coisa é a empresa, outra são os seus gestores. O facto de uma empresa ser grande traz beneficios intrinsecos: pode comprar matérias-primas a preços mais baixos, obtém empréstimos em melhores condições (já que representa menos risco), tem mais dinheiro para investir em I&D, etc. Logo, o facto de uma grande empresa ter melhores resultados do que uma pequena não é necessariamente mérito dos seus gestores.

Uma analogia: imagine-se uma batalha entre o exército A, de 10.000 soldados, e o exército B, de 100. O exército A ganha. Quer isso dizer que o comandante do exército A fez um melhor trabalho que o do B?