Wednesday, February 28, 2007

Venezuela: a esquerda crítica

No site da Comissão de Relações Anarquistas da Venezuela, um conjunto de entrevistas com vários intelectuais de esquerda anti-Chavez.

Esse textos (todos em formato .doc) são de há 4 anos - é curioso compara-los com o que aconteceu depois (p. ex., quase todos eles previam o derrube iminente de Chavez). Apesar desse defeito, transmitem um conjunto de visões alternativas sobre a situação nesse país (fora dos chavões "Chavez ditador comunista" e "Chavez salvador dos pobres").

[Mas será que os anarquistas venezuelanos, em principio inimigos do poder das multinacionais, não sabem por os seus documentos em HTML, em vez de num "formato proprietário", como é o "doc"?]

Tuesday, February 27, 2007

Comentários ao aniversário d'O Insurgente

Hoje o blogue "O Insurgente" (não confundir com este) faz dois anos de actividade (pelo que os parabenizei aqui). Não sei se alguma vez concordei com algum post deles*, mas alguns apontamentos:

- Durante muito tempo, foi o meu blogue "adversário" preferido (agora já não tanto, porque, como têm muitos "posts por hora", dá mais trabalho para discutir com eles)

- Possivelmente, deve ter sido o blogue que mais links fez para este (e, se não fosse o A.A.Alves, se calhar quase ninguém saberia que este blogue existia); em termos de "visitas por link", é mais rentável um link do Arrastão (provavelmente porque é actualizado menos vezes) mas acho que em termos de número total de visitantes, devem ter vindo mais de links do Insurgente.

- Finalmente, tanto o novo logotipo como a T-Shirt do blogue confirmam a minha refutação das teses ocidentalocêntricas sobre o conceito de "liberdade"

* pensando melhor, parece que sim

Monday, February 26, 2007

Diários de um assassino?


Henrique Raposo está com a cronologia trocada. Quando muito, poderíamos falar de como um "jovem sonhador" se transforma num "assassino". Ou seja, não poderemos admitir que, em 1952, Guevara era efectivamente um "gajo porreiro"?

A respeito da questão de "como é que um gajo porreiro se torna um gajo não-porreiro?", a resposta é simples - dando-lhe poder (o Henrique Raposo terá dúvidas que, se o Hamilton que ele tanto admira tivesse triunfado nos seus planos de criar um presidente vitalício, George Washington ou John Adams teriam sido ditadores brutais, mesmo que não tivessem intenção?).

Da Autoridade à Liberdade?

Friday, February 23, 2007

O "Che" outra vez

Já que está na moda (sobretudo à direita) escrever textos sobre o Che Guevara, vou eu transcrever um texto de esquerda, publicado pelo International Viewpoint (revista/site "trotskista-mandelista").

Note-se que a minha transcrição deste texto não significa necessariamente aprovação ou concordância.

Cuba
After a long wait..."Critical Notes" from Che

Critical Notes on Political Economy
Michael Löwy

We have been waiting a long time, a very long time, for this book to be published... It consists of critical notes on the Manual of Political Economy of the USSR (the Spanish language edition of 1963), notes which Che Guevara edited during his stay in Tanzania and in Prague in 1965-66, after the failure of his mission to the Congo and before leaving for Bolivia.

For decades, this document remained “out of circulation”; after the collapse of the USSR some Cuban researchers were allowed to consult it, but without being allowed to take notes. It is only now, forty years after they were written, that it has been decided to publish these notes in Cuba, in an enlarged edition which contains other unpublished materials: a letter from Che to Fidel Castro in April 1965, which constitutes the prologue to the book, notes on the writings of Marx and Lenin, a selection of notes of conversations between Guevara and his colleagues in the Ministry of Industry (1963 to 1965) - which were already published in part in France and Italy in the 1970s - letters to various personalities (Paul Sweezy, Charles Bettelheim) and extracts from an interview with the Egyptian periodical El-Taliah (April 1965).

Why were these notes of Guevara not published sooner? From the outside, we can understand that before the end of the USSR, there were (bad) “diplomatic” reasons for keeping them confidential. But after 1991? What “danger” did these notes represent? This concealment is really strange... Who decided that they should be kept in a drawer? Who finally give the “green light” for their publication? The preface to the book, by Maria del Carmen Ariet Garcia, of the Centre of Che Guevara Studies in Havana, explains nothing and confines itself to observing that “this document has for years been one of the most awaited ones” by Che.

Finally this material is now at the disposal of interested readers, and it is really very interesting. It bears witness to Guevara’s independent spirit, to the critical distance that he had taken towards the Soviet model of “really existing socialism” and to his search for a radical alternative. But it also shows the limits of his thinking.

Let us begin by these limits: Che, at this time - we do not know whether his thinking had moved forward in 1966-67 - did not understand the question of Stalinism. He attributed the impasses of the USSR in the 1960s to ...the NEP of Lenin! Certainly, he thought that if Lenin had lived longer - he made the mistake of dying, he noted ironically - he would have corrected the most retrograde effects of this policy. But he was convinced that the introduction of elements of capitalism by the NEP led to the nefarious tendencies that could be observed in the USSR in 1963, which were going in the direction of the restoration of capitalism. All of Guevara’s criticisms of the NEP are not without interest, and they sometimes coincide with those of the Left Opposition in 1925-27: for example, when he remarks that “the cadres allied themselves to the system, constituting a privileged caste”. We are left wondering whether he hadn’t read Trotsky, who is nowhere mentioned in these notes... But the historic hypothesis which made the NEP responsible for the pro-capitalist tendencies in the USSR of Brezhnev is quite clearly not very applicable. It quite simply ignores Stalinism and the monstrous deformations that it introduced into the economic, social, and political system of the USSR. We find few references to Stalin in these notes; one of the rare ones is quite critical: “the terrible historical crime of Stalin: to have treated communist education with contempt and instituted the unlimited cult of authority”. That is accurate, but it’s a little bit insufficient as an analysis...

(...)

Guevara correctly defends planning as a central axis of the process of building socialism, because it “frees the human being from the condition of an economic thing”. And he recognizes - in the letter to Fidel! - that in Cuba “the workers do not participate in the working out of the plan”. Who should plan? The debate in 1963-64 did not reply to this question. It is on this subject that we find the most interesting steps forward in the critical notes of 1965-66. The masses, he writes, must participate in the formulation of the plan, whereas its execution is a purely technical question. In the USSR, in his opinion, they had replaced the conception of the plan as “an economic decision of the masses, conscious of their role”, by a placebo, where the economic levers determine everything. The masses, he insists, “must have the possibility of directing their destiny, of deciding how much goes for accumulation and how much for consumption”; economic technique must operate with these figures - decided by the people - and “the consciousness of the masses must ensure its accomplishment”. This theme returns on several occasions: the workers, he writes, the people in general “will decide on the big problems of the country (rate of growth, accumulation/consumption)”, even though the plan itself will be the work of specialists. We can criticize this too mechanical separation between economic decisions and their execution, but with these formulations Guevara came considerably closer to the idea of democratic socialist planning, such as - for example - Ernest Mandel formulated it. He did not draw all the political conclusions from that - democratization of power, political pluralism, freedom of organization - but we cannot deny the importance of this new vision of economic democracy.

We can consider these notes as an important stage in Guevara’s path towards a communist/democratic alternative to the Stalinist Soviet model;

A respeito de "Afonsos Costas"...

Agora é que eu estou a ver - a importância que o blogue da Atlantico (incluindo o suplemento) muitas vezes dá a um individuo que foi primeiro-ministro durante dois anos (ainda por cima repartidos no tempo).

Afonsos Costas, Mateus 22:21 e a "especificidade ocidental"




























(Como este nasceu em Tessalonica, Grécia, deve ser por isso que é "ocidental"...)

Thursday, February 22, 2007

Orwell's "Catalonia" Revisited - conclusão

Em face do escrito (I, II, III, IV, V, VI, VII e VIII), o que concluo? Não só que não há nenhuma contradição entre a "Homenagem à Catalunha" e os outros livros de Orwell, nomeadamente O Triunfo dos Porcos e 1984, como esses livros são uma conclusão lógica da "Homenagem".

A essencia da "Homenagem" é, em larga medida, a mensagem que os comunistas comportaram-se da mesma forma que os fascistas, usando o terror totalitário para defender a burguesia e esmagar a revolução da classe trabalhadora. Ora, a mensagem dos dois outros livros é muito semelhante:

A história do "Triunfo dos Porcos" consiste no processo pelo qual, após a "revolução", os porcos se vão tornando parecidos com os humanos (nomeadamente passando a dormir em camas...), em que o antigo hino revolucionário é banido, etc., e no final acabam com uma reunião de reconciliação entre porcos e humanos (He would end his remarks, he said, by emphasising once again the friendly feelings that subsisted, and ought to subsist, between Animal Farm and its neighbours. Between pigs and human beings there was not, and there need not be, any clash of interests whatever. Their struggles and their difficulties were one. Was not the labour problem the same everywhere? Here it became apparent that Mr. Pilkington was about to spring some carefully prepared witticism on the company, but for a moment he was too overcome by amusement to be able to utter it. After much choking, during which his various chins turned purple, he managed to get it out: "If you have your lower animals to contend with," he said, "we have our lower classes!" This bon mot set the table in a roar; and Mr. Pilkington once again congratulated the pigs on the low rations, the long working hours, and the general absence of pampering which he had observed on Animal Farm) em que Napoleão anuncia que a quinta vai deixar de se chamar "Quinta dos Animais" para voltar ao antigo nome (Quinta Manor) e que a bandeira da quinta vai deixar de ter o simbolo revolucionário (um casco e um chifre).

Quanto a 1984, com o seu cenário de três regimes totalitários, idênticos mas proclamando serem o inimigo uns dos outros, também parece um sucedâneo dessa conjugação entre fascistas e comunistas (tanto nos métodos como nos objectivos) em Espanha.

Finalmente, creio que há um tom semi-trostskista nas 3 obras: em Espanha, Orwell combateu numa milicia "trotskizante" (o POUM); no Triunfo dos Porcos e em 1984, Snowball e Emmanuel Goldestein (inspirados em Trotsky) são apresentados como o mais parecido com os "bons" (o "semi" é importante - nem Orwell poupa o POUM de criticas, nem Snowball ou Goldstein são vistos de uma forma 100% positiva - nunca se chega a perceber, aliás, se Goldstein existe ou é uma fabricação do regime).

Wednesday, February 21, 2007

Orwell's "Catalonia" Revisited (VIII)

Agora, talvez a parte mais disparatada do texto de Daniels:

But by far the worst aspect of Homage to Catalonia is its strong advocacy of totalitarianism. It is the literary equivalent of an urban myth that the book argues against the Stalinist deformation of socialism, when the very opposite is much nearer the truth. Of course, Orwell does indeed object to the Stalinist resort to lying on an industrial scale, but that is only a minor part of his objection to Stalin’s policy in Spain. His real objection is that Stalin did not want the radical revolution—as exemplified by the destruction of the church, the collectivization of the land, the nationalization of all major industry, the elimination of the bourgeoisie, the prohibition of prostitution and the legal profession, and the complete equalization of wages—to proceed, because he thought that a popular front, in which liberal democrats would be taken into temporary partnership, would be more effective in stopping Franco.

Orwell objected to Stalin’s policy because Stalin maintained that “we can’t afford to alienate the peasants [in Spain] by forcing collectivization upon them,” whereas Orwell thought that the war was lost unless it was turned into a true revolutionary war, which included such forced collectivization. “It was easy,” he lamented, “to rally the wealthier peasants against the collectivization policy.” There are no prizes for guessing, then, on whose side he would have been on in the struggle against the so-called kulaks in the Soviet Union, and necessarily so: for kulaks are money-grubbers, the air they breathe is money-tainted, and so forth.

(...)

Orwell objected to Stalin—who, as supplier of arms to the loyalist side, was in a position to dictate policy—telling the Spanish (according to Orwell) “Prevent revolution or you get no weapons.” He, Orwell, wanted the totalitarian society that he had glimpsed in Barcelona. Therefore, in Spain at least, Stalin was a freedom fighter by comparison with Orwell.(bold meu)

Pois, Orwell critica Estaline por este ter travado a revolução em Espanha (e também os métodos policiais usados por Estaline para esmagar a revolução). A partir daí, como é que Daniels chega à conclusão que o livro é pró-totalitário, ou que seria mesmo o oposto de uma critica ao totalitarismo estalinista? Daniels raciocina como se a única oposição ao totalitarismo estalinista fosse "pela direita", em nome da social-democracia ou do capitalismo liberal, esquecendo-se que também havia uma (ou melhor, várias) oposição "pela esquerda", que combatia o estalinismo em nome de uma economia socialista democraticamente gerida pelos trabalhadores (era o caso dos anarquistas, dos "comunistas de conselhos", dos trotskistas, etc.) e era com esse anti-totalitarismo "de esquerda" que Orwell se identificava.

Para além das passagens que citei lá atrás acerca da posição de Orwell sobre a disciplina militar, a descrição bastante elogiosa que dá dos anarquistas e dos seus métodos evidencia que não havia nada de "totalitário" em Orwell:

"The Anarchist viewpoint is less easily defined. In any case the loose term 'Anarchists' is used to cover a multitude of people of very varying opinions. The huge block of unions making up the C.N.T. (Confederacion Nacional de Trabajadores), with round about two million members in all, had for its political organ the F.A.I. (Federacion Anarquista Iberica), an actual Anarchist organization. But even the members of the F.A.I., though always tinged, as perhaps most Spaniards are, with the Anarchist philosophy, were not necessarily Anarchists in the purest sense. Especially since the beginning of the war they had moved more in the direction of ordinary Socialism, because circumstances had forced them to take part in centralized administration and even to break all their principles by entering the Government. Nevertheless they differed fundamentally from the Communists in so much that, like the P.O.U.M., they aimed at workers' control and not a parliamentary democracy. They accepted the P.O.U.M. slogan: 'The war and the revolution are inseparable', though they were less dogmatic about it. Roughly speaking, the C.N.T.-F.A.I. stood for: (i) Direct control over industry by the workers engaged in each industry, e.g. transport, the textile factories, etc.; (2) Government by local committees and resistance to all forms of centralized authoritarianism; (3) Uncompromising hostility to the bourgeoisie and the Church. The last point, though the least precise, was the most important. The Anarchists were the opposite of the majority of so-called revolutionaries in so much that though their principles were rather vague their hatred of privilege and injustice was perfectly genuine. Philosophically, Communism and Anarchism are poles apart. Practically--i.e. in the form of society aimed at--the difference is mainly one of emphasis, but it is quite irreconcilable. The Communist's emphasis is always on centralism and efficiency, the Anarchist's on liberty and equality. Anarchism is deeply rooted in Spain and is likely to outlive Communism when the Russian influence is withdrawn. During the first two months of the war it was the Anarchists more than anyone else who had saved the situation, and much later than this the Anarchist militia, in spite of their indiscipline, were notoriously the best fighters among the purely Spanish forces. From about February 1937 onwards the Anarchists and the P.O.U.M. could to some extent be lumped together. If the Anarchists, the P.O.U.M., and the Left wing of the Socialists had had the sense to combine at the start and press a realistic policy, the history of the war might have been different. But in the early period, when the revolutionary parties seemed to have the game in their hands, this was impossible. Between the Anarchists and the Socialists there were ancient jealousies, the P.O.U.M., as Marxists, were sceptical of Anarchism, while from the pure Anarchist standpoint the 'Trotskyism' of the P.O.U.M. was not much preferable to the 'Stalinism' of the Communists. Nevertheless the Communist tactics tended to drive the two parties together. When the P.O.U.M. joined in the disastrous fighting in Barcelona in May, it was mainly from an instinct to stand by the C.N.T., and later, when the P.O.U.M. was suppressed, the Anarchists were the only people who dared to raise a voice in its defence." (bolds meus)

Também a descrição que Daniels dá da revolução radical que Orwell defenderia é um bocado mal-informada:

"the nationalization of all major industry" - o que os revolucionários espanhóis defendiam era a "colectivização" da indústria, não a sua "nacionalização": as empresas colectivisadas não tinham sido estatizadas - haviam passado a ser propriedade dos sindicatos do sector e geridas pelos próprios trabalhadores da empresa.

"the collectivization of the land" (...) "Orwell thought that the war was lost unless it was turned into a true revolutionary war, which included such forced collectivization" - aqui há duas coisas distintas: uma é a expropriação das terras dos latifundiários; outra é se a terra expropriada deveria ser colectivizado ou distribuida por pequenos agricultores. Orwell era claramente a favor da expropriação dos latifundios; quanto à questão da colectivização vs. minifundio, sinceramente, das vezes que li o livro, não me pareceu que ele tivesse posição definida nessa questão. Seja como for, é sabido que a maior parte das expropriações de terras na Espanha republicana foram feitas sob incentivo das milicias anarquistas, que, por regra, não impuseram a "colectivização forçada" - quem preferisse cultivar um pequeno pedaço de terra em vez de se juntar às comunidades era livre de o fazer (pelo contrário, os comunistas - nomeadamente o "batalhão Lister" - especializaram-se na "descolectivização forçada": chegar a uma colectividade, executarem alguns elementos e obrigarem os outros a dividir a terra colectivizada)

"the prohibition of prostitution" - os revolucionários espanhóis, efectivamente, faziam cartazes apelando às prostitutas para que deixassem de se prostituir (Orwell testemunha isso); dai à "proibição da prostituição" vai uma grande diferença

"complete equalization of wages" - a igualização completa de salários que várias vezes é falada no livro como uma reivindicação revolucionária era a igualdade de salários no exército, não na sociedade em geral

[Para uma descrição - completamente parcial, é verdade - da "revolução espanhola", "Does revolutionary Spain show that libertarian socialism can work in practice?", no Anarchist FAQ]

Orwell's "Catalonia" Revisited (VII)

Continuamos com Anthony Daniels:

At the same time, Orwell recognizes the superiority of the Fascists (he never calls them nationalists) in almost everything practical, and their equivalence in much that is moral, or rather immoral. It is not just that Orwell, being a fundamentally decent man blinded by abstract ideas, expresses sympathy for the Fascist soldier whom his unit has injured with a grenade and who screams in pain. “Poor wretch, poor wretch!” exclaims Orwell with feeling that does him credit. No; he excoriates the filth on his own side and contrasts it with the order on the other side.

(...)

Orwell tells us about things the Fascists did better. He learnt the bugle calls from the Fascists because they did them properly. Then he tells us about bullfights: “in Barcelona there were hardly any bullfights nowadays; for some reason all the best matadors were Fascists.” Then the treatment of buildings: “Sometimes it gave you a sneaking sympathy with the Fascist ex-owners to see the way the militia treated the buildings they had seized.”

Tirando referencias algo folclóricas aos toureiros e aos toques de corneta (áreas aonde é natural que o lado "conservador" esteja mais à vontade) Orwell quase não faz comparações entre a forma como as coisas funcionavam no lado republicano e no lado fascista (até porque ele só conhecia um dos lados); no entanto, o que Daniels diz desta passagem (num dos poucos momentos em que a milicia do POUM capturou uma trincheira inimiga):

We poked here and there but did not find anything of much value. There were quantities of Fascist bombs lying about--a rather inferior type of bomb, which you touched off by pulling a string--and I put a couple of them in my pocket as souvenirs. It was impossible not to be struck by the bare misery of the Fascist dug-outs. The litter of spare clothes, books, food, petty personal belongings that you saw in our own dug-outs was completely absent; these poor unpaid conscripts seemed to own nothing except blankets and a few soggy hunks of bread.

Orwell's "Catalonia" Revisited (VI)

Orwell sometimes gives the impression of not remembering what he himself had written only a few pages before. Thus we learn that Fascism “forces [an alliance] upon the bourgeois and the worker,” and only a little later that “It is nonsense to talk of opposing Fascism by bourgeois ‘democracy.’ Bourgeois democracy is only another name for capitalism, and so is Fascism.”

Anthony Daniels é que dá a impressão que não se lembra do que leu há umas poucas linhas atrás:

The P.O.U.M. 'line' differed from this on every point except, of course, the importance of winning the war. The P.O.U.M. (Partido Obrero de Unificacion Marxista) was one of those dissident Communist parties which have appeared in many countries in the last few years as a result of the opposition to 'Stalinism'; i.e. to the change, real or apparent, in Communist policy. It was made up partly of ex-Communists and partly of an earlier party, the Workers' and Peasants' Bloc. Numerically it was a small party, [Note 6, below] with not much influence outside Catalonia, and chiefly important because it contained an unusually high proportion of politically conscious members. In Catalonia its chief stronghold was Lerida. It did not represent any block of trade unions. The P.O.U.M. militiamen were mostly C.N.T. members, but the actual party-members generally belonged to the U.G.T. It was, however, only in the C.N.T. that the P.O.U.M. had any influence. The P.O.U.M. 'line' was approximately this:

'It is nonsense to talk of opposing Fascism by bourgeois "democracy". Bourgeois "democracy" is only another name for capitalism, and so is Fascism; to fight against Fascism on behalf of "democracy" is to fight against one form of capitalism on behalf of a second which is liable to turn into the first at any moment. The only real alternative to Fascism is workers' control. If you set up any less goal than this, you will either hand the victory to Franco, or, at best, let in Fascism by the back door. Meanwhile the workers must cling to every scrap of what they have won; if they yield anything to the semi--bourgeois Government they can depend upon being cheated. The workers' militias and police-forces must be preserved in their present form and every effort to "bourgeoisify" them must be resisted. If the workers do not control the armed forces, the armed forces will control the workers. The war and the revolution are inseparable.'


Quando Orwell escreve «It is nonsense to talk of opposing Fascism by bourgeois "democracy". Bourgeois "democracy" is only another name for capitalism, and so is Fascism» não estava a expor a opinião dele - estava a expor (e de forma simplificada, ainda por cima) a posição do POUM (e ele próprio escreve, várias vezes, que na polémica entre comunistas e poumasistas, não sabia bem quem teria razão). E bastaria se lembrar do que estava escrito na linha anterior para Daniels perceber isso.

Actually, one might have supposed that, in the circumstances, Orwell saw some virtues in what he calls “bourgeois ‘democracy,’” for he recognizes that in England, unlike in Spain even on the government side, one is safe from arbitrary arrest, no inconsiderable advantage to the average person. “It was no use [in Spain] hanging on to the English notion that you are safe so long as you keep the law,” and “I had the ineradicable English belief that ‘they’ cannot arrest you unless you have broken the law.”

Are English notions and the order that produced them worth defending, then? Not really: for he has earlier contrasted the revolutionary atmosphere (which “had attracted me deeply, but I made no attempt to understand it”) with “the hard-boiled cynical civilization of the English-speaking races.” Intellectual and moral frivolity could hardly go further.


Nesta, a mistura de alhos com bugalhos atinge o máximo: a referência ao perigo das prisões arbitrárias ocorre na parte final do livro, quando o Partido Comunista controla a situação. Pelo contrário, quando Orwell fala da atmosfera revolucionária que o atraia, é logo no principio do livro, quando a força dominante eram os anarquistas (grande parte do livro assenta em expor a contradição entre a Barcelona de 36, controlada pelos anarquistas, e a de 37, controlada pelos comunistas).

Orwell's "Catalonia" Revisited (V)

Anthony Daniels:

We learn, for example, that “the working class believed in a revolution that had begun” and “if I [Orwell] had to use my rifle at all … I would use it on the side of the working class and not against them,” as if the working class were simply and indubitably a solid bloc of like-minded people and its interests self-evident. And Orwell says this despite the fact that he took part in the violence in Barcelona between three political groups, all of which claimed equally to represent (in the sole legitimate representative sense of the word) the working class, and all of which did, in fact, have working-class members.

Mais uma passagem do Orwell original:

All I could gather was that the Civil Guards had attacked the Telephone Exchange and seized various strategic spots that commanded other buildings belonging to the workers. There was a general impression that the Civil Guards were 'after' the C.N.T. and the working class generally. It was noticeable that, at this stage, no one seemed to put the blame on the Government. The poorer classes in Barcelona looked upon the Civil Guards as something rather resembling the Black and Tans, and it seemed to be taken for granted that they had started this attack on their own initiative. Once I heard how things stood I felt easier in my mind. The issue was clear enough. On one side the C.N.T., on the other side the police. I have no particular love for the idealized 'worker' as he appears in the bourgeois Communist's mind, but when I see an actual flesh-and-blood worker in conflict with his natural enemy, the policeman, I do not have to ask myself which side I am on.

Como Orwell escreve, num conflito em que de um lado está a principal central sindical e do outro a policia, não é preciso pensar muito para concluir de que lado está a "classe trabalhadora".

Quanto a ele, por vezes, falar da classe trabalhadora como se fosse um corpo único é o que nós fazemos em quase todas as situações - quanto vezes não dizemos "as pessoas da cidade Y estão muito descontentes com isto ou aquilo", mesmo quando haverá algumas que não estão descontentes? Em qualquer raciocínio, acabamos sempre por fazer generalizações. Assim falar em "classe trabalhadora" não significa que todos os membros da classe trabalhadora tenham interesses idênticos - apenas que a generalidade dos membros dessa classe têm interesses semelhantes.

“There is already the beginning of a dangerous split in the world working-class movement,” a statement that takes it for granted that the workers of the world are, and ought to be, unifiable within a single organization.

Não, da mesma maneira que, quando alguêm fala na Cristandade não está a implicar que todos os cristãos do mundo são e devem ser unificáveis numa única organização (e falar das divisões da Cristandade - que, mutatis mutandis, seria o equivalente à conversa de Orwell - ainda menos implica tal coisa)

Orwell's "Catalonia" Revisited (IV)

De seguida Daniels refere o uso de adolscentes pelo exército republicano e as opiniões de Orwell a esse respeito. Independentemente do que se poderia dizer sobre isso, penso que é irrelevante para a apreciação de Orwell como totalitário ou não.

No entanto, vou analisar este pedaço:

Far from questioning the worth of a cause that could accept such a soldiery, Orwell says:

I defy anyone to be thrown as I was among the Spanish working class … and not be struck by their essential decency; above all, their straightforwardness and generosity.
It should be borne in mind that at this stage Orwell appeared to believe the power in the land to be wielded in an unmediated fashion, directly as it were, by the working class, and therefore what was done in its name was the same as what it did. So Orwell believes that accepting young peasant boys as mercenaries recruited by their parents is a manifestation of decency, straightforwardness, and generosity.

De novo, vamos ver isto no contexto:

All this time I was having the usual struggles with the Spanish language. Apart from myself there was only one Englishman at the barracks, and nobody even among the officers spoke a word of French. Things were not made easier for me by the fact that when my companions spoke to one another they generally spoke in Catalan. The only way I could get along was to carry everywhere a small dictionary which I whipped out of my pocket in moments of crisis. But I would sooner be a foreigner in Spain than in most countries. How easy it is to make friends in Spain I Within a day or two there was a score of militiamen who called me by my Christian name, showed me the ropes, and overwhelmed me with hospitality. I am not writing a book of propaganda and I do not want to idealize the P.O.U.M. militia. The whole militia--system had serious faults, and the men themselves were a mixed lot, for by this time voluntary recruitment was falling off and many of the best men were already at the front or dead. There was always among us a certain percentage who were completely useless. Boys of fifteen were being brought up for enlistment by their parents, quite openly for the sake of the ten pesetas a day which was the militiaman's wage; also for the sake of the bread which the militia received in plenty and could smuggle home to their parents. But I defy anyone to be thrown as I was among the Spanish working class --I ought perhaps to say the Catalan working class, for apart from a few Aragonese and Andalusians I mixed only with Catalans--and not be struck by their essential decency; above all, their straightforwardness and generosity. A Spaniard's generosity, in the ordinary sense of the word, is at times almost embarrassing. If you ask him for a cigarette he will force the whole packet upon you. And beyond this there is generosity in a deeper sense, a real largeness of spirit, which I have met with again and again in the most unpromising circumstances. Some of the journalists and other foreigners who travelled in Spain during the war have declared that in secret the Spaniards were bitterly jealous of foreign aid. All I can say is that I never observed anything of the kind. I remember that a few days before I left the barracks a group of men returned on leave from the front. They were talking excitedly about their experiences and were full of enthusiasm for some French troops who had been next to them at Huesca. The French were very brave, they said; adding enthusiastically: 'Mas valientes que nosotros'--'Braver than we are!' Of course I demurred, whereupon they explained that the French knew more of the art of war --were more expert with bombs, machine-guns, and so forth. Yet the remark was significant. An Englishman would cut his hand off sooner than say a thing like that.

Ou seja, Orwell não está a dizer que aceitar crianças como soldados é uma "manifestação de decência e generosidade". Ele está a falar da sua impressão das milícias e das coisas boas e más que tinham; uma das coisas más eram os rapazes sem jeito para a guerra que lá estavam para sustentar os pais; e uma das coisas boas era a "decência e generosidade" dos espanhóis (ou da classe trabalhadora espanhola). E, quando ele fala desse "decência e generosidade" está a falar de actos de espanhóis concreto (como partilharem o tabaco com ele) não de actos feitos "em nome da classe trabalhadora".

And the rest, as far as Orwell is concerned, is silence, apart from anger that the foreign Stalinists who support the Partido Socialista Unificado de Cataluña (PSUC) at a distance should designate the child-soldiers of the anarcho-Trotskyite Partido Obrero de Unificación Marxista (POUM) as fascist

Esta passagem não é muito relevante para a questão, mas o POUM não era "anarco-trotskista". Quem era anarquista era a CNT. O POUM era, efectivamente, mais ou menos trotskista, i.e., concordava com a doutrina trotskista mas tinha rompido com Trotsky devido a divergências de como pôr a teoria em prática (se essa ruptura com a "IV Internacional" tivesse ocorrido após a morte de Trotsky de certeza que o POUM seria considerado uma das múltiplas facções do trotskismo). No entanto, como a CNT e o POUM foram sempre aliados durante a guerra, essa confusão é desculpável.

Orwell's "Catalonia" Revisited (III)

Continuando com o texto de Daniels:

Orwell goes on to describe Barcelona as it struck him when he first arrived there.
It was the first time that I had ever been in a town where the working class was in the saddle. Practically every building of any size had been seized by the workers and was draped with red flags or with the red and black flag of the Anarchists; every wall was scrawled with the hammer and sickle and with the initials of the revolutionary parties; almost every church had been gutted and its images burnt. Churches were here and there being systematically demolished by gangs of workmen. Every shop and every café had an inscription saying it had been collectivised; even the bootblacks had been collectivised and their boxes painted red and black… . The revolutionary posters were everywhere, flaming from the walls in clean reds and blues that made the few remaining advertisements look like daubs of mud.
Orwell also described the appearance of the people in the street:
In outward appearance it was a town in which the wealthy classes had practically ceased to exist. Except for a small number of women and foreigners there were no “well-dressed” people at all. Practically everyone wore rough working-class clothes, or blue overalls or some variant of the militia uniform.
What had happened, you might ask, to the “wealthy classes”?
I believed that things were as they appeared, that this really was a workers’ State and that the entire bourgeoisie had either fled, been killed, or voluntarily come over to the workers’ side.
What Orwell is describing is a totalitarian, completely politicized society, of which a Kim Il Sung might have approved. And so does Orwell:

Para mim, uma sociedade totalitária é uma sociedade completamente dirigida centralmente pelo Estado. Ora, todas essas pinturas, slogans, ocupações, etc. não eram dirigidas pelo Estado - era um processo dinamizado pelos vários partidos, sindicatos, etc. P.ex., a "disciplina revolucionária" que Orwell descreve parece-me tudo menos totalitária.

In other words, he thought that this totalitarian society was an improvement on the messy compromises of liberal democracy.

Esta passagem, obviamente, só faria sentido se considerássemos a Barcelona da altura como "totalitária". Ora, como Orwell considerava essa sociedade como o "socialismo democrático" e não como "totalitarismo" (e com razão - que raio de totalitarismo é esse, com vários partidos rivais e com um governo central fraquissimo?), a passagem não faz sentido.

Daniels também refere o apoio de Orwell à destruição e pilhagem de igrejas. Independentemente da opinião que se possa ter acerca disso, a Igreja era uma instituição rica e poderosa na Espanha de então. Essas destruições e pilhagens são perfeitamente compreensíveis a essa luz - quando um sistema considerado opressivo é derrubado, nada mais natural que as instiuições "priviligiadas" (ou consideradas como tal) verem os seus bens pilhados em massa. Penso que os bens do PC também foram confiscados na Roménia, os da União Nacional em Portugal, etc.

“Churches were wrecked and the priests driven out or killed”: the only regret that Orwell expresses is that it allowed Franco to represent himself to readers of the Daily Mail as “a patriot delivering his country from hordes of fiendish ‘Reds.’” But why the quotation marks? If it was not the Reds who drove out or killed the priests, who was it? The People, one and indivisible?

Não sei porque Orwell usou as aspas, mas imagino que seja porque "vermelhos" não quer dizer nada - no campo republicano havia anarquistas, trotskistas, comunistas, socialistas, liberais, etc. cada qual com a sua agenda.

Orwell's "Catalonia" Revisited (II)

Anthony Daniels, no seu Orwell's "Catalonia" Revisited argumenta que a "Homenagem à Catalunha" desmente o que Orwell escreveu em 1946 ("Every line of serious work that I have written since 1936 has been written, directly or indirectly, against totalitarianism and for democratic socialism, as I understand it.”) - ou seja, parece-me que Daniels está a dizer que a "Homenagem" não foi escrita a favor do socialismo democrático e contra a totalitarismo.

Vamos lá analisar as suas alegações:

Indeed, the very opening passage is distinctly unpleasant. The first sentence reads:
In the Lenin Barracks in Barcelona, the day before I joined the militia, I saw an Italian militiaman standing in front of the officers’ table.
Orwell took an immediate shine to the Italian:
He was a tough-looking youth… . His peaked leather cap was pulled fiercely over one eye… . Something in his face deeply moved me.
What was it about it that so moved Orwell?
It was the face of a man who would commit murder and throw away his life for a friend… . There was both candour and ferocity in it; also the pathetic reverence that illiterate people have for their supposed superiors.
Do illiterate people reverence their supposed superiors, pathetically or otherwise? I have never noticed it, and I have had dealings with a lot of illiterates, but perhaps the nature of illiteracy has changed since Orwell’s day. In any case, one might have supposed that the type that Orwell describes, ready to commit murder and with a reverence for his superiors, was a rather dangerous type. But Orwell says, “I have seldom seen anyone—any man, I mean—to whom I have taken such an immediate liking… . Queer, the affection you can feel for a stranger!”

(...)

Having extolled ferocity and potential murderousness, presumably at the service of a pathetic reverence of superiors, Orwell goes on to describe Barcelona as it struck him when he first arrived there.


Agora, vamos comparar com o texto de Orwell:

In the Lenin Barracks in Barcelona, the day before I joined the militia, I saw an Italian militiaman standing in front of the officers' table.

He was a tough-looking youth of twenty-five or six, with reddish-yellow hair and powerful shoulders. His peaked leather cap was pulled fiercely over one eye. He was standing in profile to me, his chin on his breast, gazing with a puzzled frown at a map which one of the officers had open on the table. Something in his facedeeply moved me. It was the face of a man who would commit murder and throw away his life for a friend--the kind efface you would expect in an Anarchist, though as likely as not he was a Communist. There were both candour and ferocity in it; also the pathetic reverence that illiterate people have for their supposed superiors. Obviously he could not make head or tail of the map; obviously he regarded map-reading as a stupendous intellectual feat. I hardly know why, but I have seldom seen anyone--any man, I mean--to whom I have taken such an immediate liking.

Para começar Daniels oculta a parte em que Orwell diz que o miliciano tinha "cara de anarquista (embora provavelmente fosse comunista)" - esta omissão poderia ser um mero detalhe, não fosse o caso de Daniels insinuar que Orwell admiraria o miliciano por achá-lo com ar de quem estaria disposto a matar "por reverencia pelos seus supostos superiores" - algo pouco provável para um anarquista. E seja como for, Orwell escreve claramente "um homem disposto a matar ou a dar a vida por um amigo" - não em obediência a "superiores". Além disso, ao truncar grande parte do texto, dá a impressão que "a reverência pelos seus supostos superiores" foi um aspecto decisivo na admiração de Orwell (pode ter sido ou não, não sabemos).

Orwell's "Catalonia" Revisited (I)

Através d'O Insurgente, cheguei a este texto, «Orwell's "Catalonia" Revisited», sobre as ideias de George Orwell e, nomeadamente, sobre o seu livro "Homenagem à Catalunha" (livro que já recomendei e citei aqui neste blogue).

Antony Daniels (o autor do texto) até escreve algumas coisas de jeito, nomeadamente logo na abertura:

"In any political argument of philosophical significance, everyone wants George Orwell as an ally. To be able to claim that he is so, however, you must first place him on an ideological map and then discover that, by happy coincidence, you occupy precisely the same position yourself. Hey presto, Orwell is on your side, and your opponents are thereby reduced to persons of ill-will or bad faith!"
[Eu cá suspeito que a sorte de George Orwell foi ter morrido logo pouco depois de chegar à fama, de forma que tanto podemos imaginar que, se tivesse vivido, teria permanecido na extrema-esquerda como, pelo contrário, se teria tornado um neo-conservador avantt la lettre; como alguem disse "Se fosse vivo, Orwell seria muito velho"]

E o artigo de Daniels em larga medida refuta as tentativas de apresentar Orwell como um "direitista":

Of course, his reputation beyond the purlieus of the Left now rests mainly on his two last books, Animal Farm and Nineteen Eighty-Four. They made him an honorary conservative, though in fact he was a conscript rather than a volunteer.

Esta referência a Orwell ser um "soldado à força" e não um "voluntário" do "exército conservador" faz-me lembrar a discussão que tive com o Lidador nos comentários do Arrastão...

No entanto, o essencial da tese de Daniels, a sua crítica à afirmação de Orwell que “Every line of serious work that I have written since 1936 has been written, directly or indirectly, against totalitarianism and for democratic socialism, as I understand it” e o uso da "Homenagem" para a refutar parece-me um disparate (e o uso abundante de passagem truncadas e/ou descontextualizadas do livro leva-me a suspeitar de alguma desonestidade intelectual).

A refutação dos argumentos de Daniels ficará para próximo post.

Monday, February 19, 2007

Venezuela: é repetível o "Caracazo"?

Um artigo de Margarita Lopez Maya sobre as possibilidades (ou não) de uma repetição, na Venezuela, do "Caracazo" (a revolta popular contras as medidas de austeridade em 1989).

Sunday, February 18, 2007

Até 2007

Pedro Arroja, nos comentários, escreve "inclua 2006 e 2007 porque a minha comparação estendia-se até ao presente e, se houver erro estatístico nas previsões, é de presumir que ele seja igual para todos os países.Já vai concluir agora, como eu, que Portugal cresceu à média europeia desde 1974".

Em rigor, a tese de Arroja era de que "[d]ividindo a história portuguesa do século XX em três períodos, (...) o Estado Novo foi (..) de maior crescimento económico no país.", ou seja até faria algum sentido eu ter feito a análise só até 1999. No entanto, e usando as previsões para 2006 e 2007, as taxas de crescimento económico da 1974 até ao final deste ano serão


1974-2001 2002-2007 1974-2007
Irlanda 4,65% 5,25% 4,76%
Luxemburgo 4,52% 3,60% 4,36%
Espanha 2,64% 3,10% 2,72%
Grécia 2,38% 4,03% 2,67%
Portugal 2,97% 0,66% 2,56%
Bélgica 2,58% 1,85% 2,45%
Paises Baixos 2,53% 1,61% 2,37%
França 2,31% 1,68% 2,20%
Reino Unido 2,08% 2,57% 2,17%
Itália 2,36% 0,70% 2,07%
Dinamarca 1,93% 1,88% 1,92%
Alemanha 2,14% 0,86% 1,91%

Portugal descerá mais um bocadinho na "classificação" (terá crescido também menos do que a Grécia), mas continua a ter crescido mais do França, Alemanha, Reino Unido. Agora, efectivamente, a questão era se a economia portuguesa tinha progredido ou não face à media europeia. De facto, só com estes dados, não posso dizer nem que sim nem que não, porque só tenho a taxa de crescimento de cada pais. No entanto, assumindo que a taxa de crescimento da UE andará próxima da taxa de crescimento das suas maiores economias, parece-me que Portugal, desde 1974 para cá, terá tido um crescimento acima dessa média (embora desde cerca do ano 2000 que tenha passado a crescer menos que os outros).

Nova música

Atendendo à época, pus aqui uma nova música - "Cachorro Vira-Lata", de Ney Matogrosso.

Então, até 2005

Em comentário ao meu post anterior, Pedro Arroja (para quem o Estado Novo terá começado em 1959) lamentou que, para mim, o mundo tivesse acabado em 2001.

Assim, arranjei maneira de adiar o Apocalipse e lá encontrei mais umas estatísticas do FMI de 2002 a 2007 (mas ignorei os 2 últimos anos por serem previsões).

Resultados finais:


1974-2001 2002-2005 1974-2005
Irlanda 4,65% 5,02% 4,70%
Luxemburgo 4,52% 3,45% 4,39%
Espanha 2,64% 3,05% 2,69%
Portugal 2,97% 0,32% 2,64%
Grécia 2,38% 4,25% 2,62%
Bélgica 2,58% 1,57% 2,45%
Países Baixos 2,53% 0,97% 2,33%
França 2,31% 1,35% 2,19%
Reino Unido 2,08% 2,50% 2,13%
Itália 2,36% 0,35% 2,11%
Alemanha 2,14% 0,47% 1,93%
Dinamarca 1,93% 1,57% 1,88%

É verdade que a vantagem de Portugal fica diminuída, mas continua a, no período 1974/2005, a ter crescido mais que as principais economias da UE.

Saturday, February 17, 2007

Portugal e a Europa, desde o 25 de Abril

No Blasfémias, Pedro Arroja escreve: "Tomando como refererência a União Europeia a 12 países tal como existia em 1986, aquando da nossa adesão, o rendimento per capita em Portugal subiu de 39% da média comunitária em 1959 para 56% em 1973. Desde então, não fez qualquer progresso".

Indo a esta página do FMI e abrindo este ficheiro (.csv) podemos facilmente calcular a taxa anual de crescimento do PIB desses 12 países, de 1974 a 2001:

Irlanda 4,65%
Luxemburgo 4,52%
Portugal 2,97%
Espanha 2,64%
Bélgica 2,58%
Paises Baixos 2,53%
Grécia 2,38%
Itália 2,36%
França 2,31%
Alemanha 2,14%
Reino Unido 2,08%
Dinamarca 1,93%

Portugal, comparado com os outros países europeus, não teve qualquer progresso desde 1974, não há dúvida (só os irlandeses e os luxemburgueses têm tido menor crescimento económico que nós).

Friday, February 16, 2007

Ainda a respeito da "falha de mercado" na TV

Ainda a respeito do meu post aonde argumentava das "falhas de mercado" que podem ocorrer na TV privada de canal aberto, vou tentar ilustrá-lo com um exemplo:

Imagine-se uma TV com 2 canais, ambos procurando maximizar audiências.

Imagine-se que temos 12 potenciais espectadores (ou um milhão e duzentos mil, se acharem mais realista).

Temos também 3 tipos possíveis de programas - series de acção com enredo fantasista, estilo Buffy, a Caçadora de Vampiros; documentários sobre a natureza, estilo A Vida na Terra; e telenovelas.

Vamos supor que os telespectadores têm a seguinte ordem de preferências:

1º Buffy; 2º Vida na Terra; 3º Telenovela - 1 espectador
1º Vida na Terra; 2º Buffy; 3º Telenovela - 1 espectador
1º Buffy; 2º Telenovela; 3º Vida na Terra - 3 espectadores
1º Vida na Terra; 2º Telenovela; 3º Buffy - 3 espectadores
1º Telenovela; 2º Buffy; 3º Vida na Terra - 2 espectadores
1º Telenovela; 2º Vida na Terra; 3º Buffy - 2 espectadores

Há aqui um padrão neste modelo simulado: tanto a "Buffy" como a "Vida na Terra" têm relativamente poucas segundas preferências, ou seja, alguns espectadores gostam muito, enquanto os outros gostam pouco; pelo contrário, as telenovelas terão uma vasta gama de espectadores que não são "fãs", mas também não desgostam.

Agora, supondo que todos os potenciais espectadores vão ver televisão (suposição irrealista, mas não afecta muito o raciocínio - só afectará se houver muitos espectadores que só vejam a 1ª preferência), quais serão as audiências para cada canal, conforme as programações?

Se um canal emitisse a "Buffy" e outro uma telenovela, o primeiro teria 5 espectadores e o outro 7.

Se um canal emitisse a "Vida na Terra" e outro uma telenovela, de novo, 5 para um e 7 para o outro.

Se um canal emitisse a "Vida na Terra" e outro a Buffy, teriam cada qual 6 espectadores.

Se ambos os canais emitissem programas do mesmo tipo (estilo 2 telenovelas, ou a "Vida na Terra" vs. "National Geographic", ou a "Buffy" vs. "O Homem Invísivel"), possivelmente teriam 6 espectadores cada.

Conclusão - em principio, a melhor maneira de as televisões maximizarem as audiências é ambas passarem telenovelas, mesmo que não seja o programa favorito de 2/3 da audiência (ou seja, o objectivo acaba por ser, não passar os programas que os espectadores mais gostam, mas os programas que menos espectadores desgostam)!

[Pode haver excepções - p.ex., um programa pode ser tão "esmagador" no seu segmento de mercado que leve a concorrência a desistir de conquistar o "grande público" e concentrar-se em pequenos nichos de público fiel - tanto a SIC como a TVI fizeram isso nos primeiros tempos de actividade, passando séries juvenis no "horário nobre"; no entanto, são exactamente isso - excepções]

Nova versão do Blogger

Esta tarde tinha pensado em mudar para a nova versão do Blogger. Agora (22:20, 16/02/2006), acho que fui mesmo obrigado: há minutos, tentei aceder ao blogue e não o consegui sem antes fazer o upgrade. Ainda pensei em fazer um post expressando o meu protesto por estar a ser obrigado a mudar, mas logo tomei consciência que, para fazer o post, teria à mesma que mudar para a nova versão.

Seja como fôr, fica aqui o meu protesto.

[Ou será que isto é mesmo nabice minha e havia maneira de continuar a trabalhar com a versão antiga?]

Thursday, February 15, 2007

A TV pública

A forma como os documentários do programa "Grandes Portugueses" estão a ser feitos até é um exemplo aproximando da forma como, durante muito tempo, achei que deveria funcionar a televisão pública.

Ou seja, a televisão pública não deveria ser "do Estado", mas "do povo", e deveria ser usada para difundir programas feitos (ou escolhidos) pelos cidadãos. Com 2 canais, a emitir 24 horas durante 365 dias por ano, cada um dos 10 milhões de portugueses teria direito a 5 segundos de emissão anual. Parece minúsculo, mas, através da criação de associações de pessoas que quisessem ver emitido determinado programa, já daria para os cidadãos terem uma influência real na programação.

Isso, em principio, solucionaria o que acho que é a grande "falha de mercado" da TV privada (e que a TV pública convencional só por acaso conseguiria solucionar): para uma estação de TV em sinal aberto (ou melhor, para os seus anunciantes), o que interessa é o número de pessoas que assistem a um programa, não o grau de entusiasmo que têm pelo programa. Assim, as televisões preferem passar programas de que muita gente gosta medianamente do que programas que pouca gente gosta muito. Poder-se-à argumentar "Mas não é melhor que a televisão passe programas que muita gente gosta do que programas que só poucos vêm?"; contudo, a questão é que a "muita gente" é composta por muitas "poucas gentes", e até é possível que muitas dessas "poucas gentes" até preferissem terem menos programas que gostassem, mas que gostassem mais desses programas.

No entanto, não sei se no mundo actual esse problema será importante: afinal, com a Internet (que pode facilmente funcionar como um televisão alternativa) e com televisão a cabo com dezenas (e potencialmente centenas) de canais, essa tendência da televisão hertziana para se dedicar ao "mínimo denominador comum" tenderá a se tornar irrelevante.

O documentário sobre Salazar

Avisos prévios - não vi nenhum dos documentários do programa "Grandes Portugueses"; votei no Infante D. Henrique.

Normalmente concordo com o que Daniel Oliveira escreve, mas não na questão do documentário sobre Salazar. Se percebo bem, a opinião de DO era que o documentário sobre Salazar não deveria ter sido feito por um claro simpatizante, como Jaime Nogueira Pinto, mas sim por um historiador que não fizesse um documentário propagandistico (e, a respeito de Álvaro Cunhal, também afirma que acharia ainda melhor que tivesse sido Pacheco Pereira, e não Odete Santos, a fazer o programa).

O problema de se seguir esse rumo (fazer documentários a sério e não "tempos de antena") é que haveria sempre quem achasse que eram documentários manipuladores sob a capa de objectividade. Se fosse Pacheco Pereira a fazer o documentário sobre Cunhal, o que é que os comunistas diriam? "É mais uma prova da campanha anticomunista da comunicação social - escolheram um historiador reaccionário-burguês para denegir Cunhal!". E os salazaristas diriam "Só passaram a versão politicamente correcta do que foi Estado Novo". E nunca se iria perceber se os documentários eram objectivos ou manipuladores (e em que sentido eram manipuladores - se contra. se a favor).

Desta maneira, em que são simpatizantes a fazer os documentários, e isso é assumido por todos, não há problema, porque "sabemos aonde vamos" - o público já sabe que o documentário pretende ser manipulador a favor da personagem e pode dar o devido desconto.

Por outro lado, concordo a 100% com DO quando este escreve "É curioso que sejam exactamente os mesmos que, há uns meses, se mostraram indignados com a transmissão de "Loose Change" na RTP que agora me acusem de censura por ser a minha vez de me indignar com a produção, por parte do mesmo canal, de um documentário panegírico sobre Salazar".

Alguém me prove, racionalmente, que Jeová existe

Num comentário ao post de João Miranda sobre o "efeito Roe", escrevi "Dentro de cada pessoa educada na cultura religiosa há duas forças internas que o podem levar para o secularismo - os "instintos animais" (que podem entrar em choque com a moral religiosa) e a razão (que o pode fazer duvidar da religião)".

Maria Marques respondeu "Não vejo em que é a razão se opõe à religião. Em primeiro lugar, de facto há argumentos lógicos e racionais que apontam para a existência de um Criador. Parece-me bastante mais irracional o ateísmo, i.e., ACREDITAR que Deus não existe".

Assim, agradecia que alguêm tentasse demonstrar-me, por argumentos racionais, que Jeová (ou o "Deus de Abraão", ou o que lhe queiram chamar) existe.

Poderão contra-argumentar:

a) E o Miguel, consegue provar que Jeová/Deus não existe?

b) Porque é que temos que provar que é Jeová que existe? Não basta provar que existe um deus qualquer, seja ele Jeová, Júpiter, Tengri, Krishna ou Thor?

A questão é que a minha tese era de que, tudo o resto mantendo-se constante, a razão leva as pessoas a, de geração para geração, abandonarem os valores religiosos (mesmo que, formalmente, se mantenham crentes - p.ex., os famosos "católicos não-praticantes") e passarem para o "humanismo secular".

Ora, para a razão enfraquecer a prática religiosa não precisa de provar que Deus existe, basta lançar a dúvida que ele existe (e, em termos de valores e comportamentos, os ateus - que acreditam que Deus não existe - não diferem muito dos agnósticos - que não sabem se Deus existe ou não). Além disso, se a razão poder provar que existe um deus, mas não poder provar que é o "Deus de Abrãao", os efeitos em termos de enfraquecimento da moral e da cultura judaico-cristã-islãmica são os mesmos: afinal, porque é que, assim, o individuo haveria de seguir a moral judaico-cristã-islãmica e não a greco-romana, a vinking ou a hindu?

Wednesday, February 14, 2007

O regresso das caricaturas de Maomet

Aquando dos protestos dos islamitas radicais devido à publicação das caricaturas de Maomet, houve quem argumentasse "Se estão ofendidos, recorram aos tribunais, não à violência de rua". Inclusivamente, quando um grupo judaico holandês apresentou queixa nos tribunais contra as caricaturas anti-semitas da "Liga Árabe Europeia" e Daniel Oliveira escreveu «espero que todos se indignem com mais esta inaceitável tentativa de limitação à liberdade de expressão tentada por “fanáticos” judeus», a resposta geral foi "É completamente diferente! Recorrer aos tribunais é uma coisa, tumultos são outra!".

Entretanto, o jornal satírico francês Charlie-Hebdo também publicou uma série de caricaturas anti-fundamentalistas, e algumas organizações muçulmanas fizeram queixa. Bem, e não é que agora está também tudo indignado - "como é que isto chegou a tribunal? Como é que isto não foi logo arquivado perante o óbvio (liberdade de expressão)? Como é que, em 2007, um sistema de justiça de uma democracia europeia se deixa enredar nisto, não sendo capaz de dizer, de imediato, que o jornal actuou no seu direito de liberdade de imprensa/opinião? Como é que isto chega ao tribunal?". Mas não era isso que tinha sido sugerido aos fundamentalistas há um ano - recorrer aos tribunais? E não era essa a "grande diferença" entre a reacção muçulmana às caricaturas de Maomet e a reacção de alguns judeus face às caricaturas anti-semitas (o recurso à lei e aos tribunais)?

Antes que me interpretem mal, esclareço que considero, tanto o processo contra o Charlie Hebdo, como o processo contra a "Liga Árabe Europeia" como ataques à liberdade de expressão (e relembro o que escrevi há um ano).

Tuesday, February 13, 2007

As nacionalizações de Chavez (I)

O governo venezuelano assinou com a Verizon um acordo para adquirir 28,51% da companhia telefónica a 17,85 dólares cada acção. Pelas minhas contas, antes do anúncio da nacionalização, as acções deviam estar a 16,84 dólares por acção (já que, quando esta foi anunciada, "caíram US$ 4,80 para US$ 12,04"); ou seja, uma valorização de 5,99% em pouco mais de um mês.

A primeira parte do que escrevi sobre as exigências da "Corrente de Classe, Unitária, Revolucionária e Autónoma" parece confirmar-se; vamos lá ver o que acontece à segunda ("Quanto ao "controlo democrático das empresas nacionalizadas pelos trabalhadores", também não me parece que Chavez, com as suas tendências para a concentração de poder pessoal, seja a pessoa mais indicada para o pôr em prática...")

Pagamento por nascimentos?

Alguém do campo "pró-vida" defendeu que o Estado passasse a dar a cada mulher que tivesse o filho o valor equivalente ao que se gastaria num aborto.

Façamos as contas: actualmente, o penúltimo escalão do subsidio familiar (para familias com rendimento per capita entre 2,5 e 5 salários mínimos) é de 31,46 euros/mês até 1 ano de idade e 10,49 a partir daí.

Multiplicando por 12 meses, temos 377,52 euros no primeiro ano e 125,88 nos anos seguintes. Vamos assumir que os filhos recebem subsidio até aos 16 anos e que a taxa de juro é de 5% - assim, temos que uma familia no penúltimo escalão recebe, por um filho, um valor actual equivalente a 1.600 euros (=377,52/1.05 + 125,88/1.05^2 + ...+125,88/1.05^16). O custo para o SNS de fazer um aborto nem deve chegar a metade disso...

É verdade que as familias com um per capita superior a 5 SMNs não recebem subsidio familiar, mas, em compoensação, as que recebem menos que 2,5 SMNs recebem um valor mais elevado do que eu calculei (pelo que a média deve andar por aí).

Eu até acho que o abono de familia deveria ser mais elevado, mas usar a comparação com o aborto como argumento parece-me um perfeito disparate.

Monday, February 12, 2007

Dois séculos?

Henrique Raposo: "Uma vulgata marxista, com dois séculos de fracassos, continua a julgar-se senhora da modernidade."

Karl Marx - "Karl Heinrich Marx (Tréveris, 5 de maio de 1818 — Londres, 14 de março de 1883) foi um intelectual alemão considerado um dos fundadores da Sociologia"

Se Henrique Raposo falasse em "vulgata jacobina", ainda vá lá (e, seja como for, a dicotomia de "urbano e moderno" vs. "obscuridade e religiosidade" é mais "jacobina" - e também "tradicionalista" - do que marxista).

E, já agora, convem recordar quem começou com a conversa do "Bom Portugal vs. Mau Portugal", em versão "eixo Lisboa-Porto" contra "um país inteiro, a que tantas vezes se chama real, que pensa de forma diferente e onde pasionarias e iluminados não têm grande saída" (pista: não foram "marxistas").

A titulo de curiosidade...

... os resultados nas circunscrições sobre que fiz posts no rescaldo das presidenciais:


Sim Não Abst.
Algarve 73,64% 23,36% 61,19%
Portimão (concelho) 72,03% 27,97% 58,12%
Aljezur (concelho) 80,53% 19,47% 61,59%
Budens, Vila do Bispo 82,55% 17,45% 61,96%
Barão de S. Miguel, Vila do Bispo 66,67% 33,33% 50,79%

Logo um detalhe intrigante - Barão de S. Miguel, um dos bastiões da esquerda no Algarve (olhe-se para os resultados nas presidenciais), aonde, nas autárquicas, a direita nem apresenta lista, teve um dos "piores" (i.e, menos melhores) resultados do SIM. Será um indicio de que nas "questões fracturantes", por vezes, o alinhamento partidário clássico nem sempre funciona?

Saturday, February 10, 2007

Venezuela - manifestação a favor das nacionalizações

En las calles de Caracas resonó el grito de nacionalización y control obrero sobre las empresas

Diversos uniformes con logos de distintas empresas exhibían los cerca de 6.000 trabajadores que ayer dominaron las calles céntricas de Caracas, reclamando la Nacionalización sin indemnización y bajo control de los trabajadores de las empresas Cantv, Sidor, las de electricidad, del sector petrolero de la Faja del Orinoco, Aeropostal y de Sanitarios Maracay, entre otras.

(...)

Ellos le dieron el contenido revolucionario a la lucha por la nacionalización, entendiendo que ésta política no puede ser entendida como recompra e indemnización a los empresarios y sobre todo, comprensión que las nuevas empresas, incluida Sanitarios Maracay, deben pasar a ser administradas directamente y controladas su producción por parte de los trabajadores y sus organizaciones democráticamente constituidas.

Essa manifestação foi convocada pela "Corrente de Classe, Unitária, Revolucionária e Autónoma", a principal facção da UNT, a central sindical pró-Chavez (aparentemente, a principal diferença é que as outras facções defendem o apoio incondicional a Chavez, enquanto a C-CURA, que controlará 3/4 da UNT, apenas dá "apoio condicional").

Agora, a respeito das exigências dos manifestantes:

Independentemente dos juizos de valor que se possam fazer acerca de uma "nacionalização sem indemnização", parece-me duvidoso que Chavez vá por esse caminho: isso seria abrir um conflito real com os EUA (e não apenas conflitos puramente simbólico-folclóricos, estilo chamar Bush de "diabo"), e a Venezuela precisa mais dos EUA para vender o seu petróleo do que os EUA precisam da Venezuela.

Quanto ao "controlo democrático das empresas nacionalizadas pelos trabalhadores", também não me parece que Chavez (com as suas tendências para a concentração de poder pessoal) seja a pessoa mais indicada para o pôr em prática...

Friday, February 09, 2007

Aos abstencionistas

Não sei se ainda alguêm vai ligar a isto (até porque quase ninguêm lê este blogue, e os que lêm já devem estar decididos).

Parece-me que há (pelo menos) quatro tipos de abstencionistas:

a) Os que se abstêm porque não têm certeza se o aborto deve ser crime ou não. Ora, se não se sentem capazes de dizer que é crime, como podem aceitar que alguém seja criminalizado por isso? Afinal, na justiça deve aplicar-se o principio "na dúvida, a favor do réu".

b) Os que se abstêm porque acham "que não têm nada a ver como isso". Ora, se acham que não têm nada a ver com os abortos que os outro(a)s fazem ou deixam de fazer, o mais coerente é votar "Sim"

c) Os que acham que "isto não vai resolver nada, porque os médicos dos hospitais vão continuar a recusar-se a fazer abortos e quem precise e tenha pouco dinheiro vai continuar a ter que ir às parteiras". Mesmo que isso seja verdade, a despenalização do aborto vai melhorar a situação das pessoas que actualmente recorreriam ao aborto clandestino, já que haverá melhor "controlo de qualidade" nos "abortadeiros privados" e o seu custo tenderá a ser mais baixo (ver este artigo de Tiago Mendes).

d) Os que são a favor da legalização, mas acham que o aborto não devia ser fornecido pelo SNS. É verdade que não é isso que está a ser referendado, mas muito provavelmente o que vai ser legislado será, realmente, o aborto no SNS. Esta é capaz de ser a posição abstencionista que tem mais razão de ser (da perspectiva dos valores desses abstencionistas, não da minha). A menos, claro, que os abstencionistas do grupo c) tenham razão (quando dizem que, na prática, poucos abortos irão ser feitos no SNS), o que desvalorizaria bastante a objecção do grupo d).