Monday, September 28, 2015

Qual a causa da força do Bloco em Portimão? (revisitado)

Há 6 anos, interrogava-me sobre qual a causa da força do Bloco de Esquerda em Portimão.

Há muito que planeava escrever mais um post (com um estudo mais sólido) sobre o assunto - como em poucos dias tudo pode ficar desatualizado, vou postá-lo agora, com dados de 2011 (ou seja, tudo isto é antes de lideranças bicéfalas, Livres, Agires, e, já agora, antes de o Bloco ter apresentado um cabeça-de-lista de Portimão).

Poderá argumentar-se que os bons resultados do Bloco de Esquerda em Portimão, em particular, e no Algarve em geral, serão em grande parte resultado do papel desempenhado pelo bloquista portimonense João Vasconcelos (o cabeça-de-lista em 2015) no movimento contra as portagens na Via do Infante; provavelmente é o caso, mas se for isso continua por explicar o porquê de, pelos vistos, no Algarve elementos ligados ao BE terem tido mais influência nos movimentos sociais locais do que noutras regiões do país; ou seja, acho que mesmo assim se mantêm (por vias travessas) a questão "onde vem a força do BE em Portimão e no Algarve".

Uma regressão econométrica tentando explicar as votações concelhias (2011) do Bloco de Esquerda:

Modelo 31: Mínimos Quadrados (OLS), usando as observações 1-308
Variável dependente: BE

                 coeficiente    erro padrão    rácio-t    valor p
  ----------------------------------------------------------------
  const          -3,87600        0,409201      -9,472    8,84e-019 ***
  escolaridade    0,0925719      0,00909473    10,18     4,43e-021 ***
  Litoral         1,15293        0,142350       8,099    1,43e-014 ***
  PS1995          6,66949        0,677741       9,841    5,71e-020 ***
  CDU1995         3,58233        0,658800       5,438    1,13e-07  ***
  UDP1995        68,2910        16,8607         4,050    6,53e-05  ***
  id0_14         12,1584         2,59345        4,688    4,20e-06  ***
  densidade      -0,000357814    8,13896e-05   -4,396    1,53e-05  ***
  Ilhas          -1,20755        0,241932      -4,991    1,02e-06  ***
  Salvaterra      3,35424        0,978159       3,429    0,0007    ***

Média var. dependente   4,194935   D.P. var. dependente    1,964762
Soma resíd. quadrados   281,1634   E.P. da regressão       0,971340
R-quadrado              0,762753   R-quadrado ajustado     0,755588
F(9, 298)               106,4528   valor P(F)              1,15e-87
Log. da verosimilhança -422,9938   Critério de Akaike      865,9877
Critério de Schwarz     903,2887   Critério Hannan-Quinn   880,9023

escolaridade - percentagem da população com pelo menos a escolaridade obrigatória em 2001 (fonte)
Litoral - se o concelho fica num distrito do litoral ao do interior (atenção que todos os concelhos de, p.ex., Faro ou Beja estão contados como "litoral")
PS1995 - votação do PS nas eleições legislativas de 1995 (fonte)
CDU1995 - votação da CDU nas eleições legislativas de 1995
UDP1995 - votação da CDU nas eleições legislativas de 1995
id0_14 - percentagem da população até aos 14 anos em 2011 (fonte)
densidade - densidade populacional em 2011 (fonte)
Ilhas - variável dummy indicando Madeira ou Açores
Salvaterra - variável dummy indicando o concelho de Salvaterra de Magos

Em primeiro lugar, alguns resultados fáceis de esperar - a votação do BE está positivamente associada com a escolarização, com o litoral e com a proporção de menores de 15 anos (que é provavelmente uma proxy para "muitos casais jovens com filhos nessas idades"); poderia-se pensar que essas variáveis estariam fortemente associadas e no fundo medissem a mesma coisa, mas penso que não: qualquer uma destas 3 variáveis tem com cada uma das outras correlações da ordem dos 0,42.

Em termos partidários, também há uma associação positiva às votações em 1995 do PS, da CDU e da UDP (não há associação significativa com os resultados do PSR); o principal efeito é com a votação do PS, provavelmente devido ao seu maior peso absoluto (e talvez a uma maior disponibilidade - dos próprios eleitores ou dos seus filhos - para "desertar" do que na CDU); o efeito não significativo do PSR talvez seja o resultado, por um lado da sua baixa votação global, de forma que mesmo que todos os antigo eleitores do PSR tenham passado para o BE isso afeta pouco a votação final (o inverso do PS?), e por outro de o PSR quase não ter implantação fora de Lisboa e algumas localidades dispersas (ao contrário da UDP, em que altas votações num dado concelho provavelmente significavam a existência num núcleo ativo nesse concelho, o que daria logo uma vantagem para a implantação original do BE nessa localidade).

O efeito negativo da variável "Ilhas" e positivo da variável "Salvaterra" era o de esperar.

O grande mistério aqui é mesmo a associação negativa entre a densidade populacional e a votação do BE; antes que alguém diga "impossível; as contas têm que estar mal feitas; o BE sempre teve os seus melhores resultados nas grandes cidades!", lembro que o modelo já capta a associação positiva entre escolaridade/juventude/litoralidade (tudo coisas comuns nas grandes cidades) e a votação no Bloco; o que pelos vistos acontece é que o BE tem ainda melhores resultados nas pequenas localidades que se parecem socialmente com grandes cidades do que nas grandes cidades propriamente ditas (fazendo lembrar o que o Jorge Candeias escrevia acerca de Portimão ser  "uma grande cidade de pequenas dimensões, isto é, uma cidade pequena... com espírito, mentalidade e ambiente de grande cidade").

Mas que motivo poderá haver para isso? Uma hipótese seria de que pessoas cujas habilitações escolares sejam mais elevadas que o seu rendimento e posição social possam ser particularmente inclinadas à "esquerda radical" (o estereótipo da "intelligentsia revolucionária" sempre andou muito a volta disso - um mundo de professores de província, economistas em funções obscuras, tradutores free-lancers que não sabem bem de onde virá o próximo trabalho, etc.), e de que essas pessoas se encontrem mais nas pequenas cidades e nos subúrbios do que nas grandes cidades (onde viverão as pessoas de altos rendimentos e/ou alta posição social, como altos quadros dirigentes). No entanto, juntando uma variável referente ao poder de compra concelhio não se verifica efeito nenhum nos resultados, logo não deve ser por aí.

Outra possível explicação seria eu estar a inverter a relação causal - a associação entre boas votações no BE e baixa densidade populacional seja simplesmente o resultado da boa votação do BE no Algarve, e como o Algarve tem um densidade populacional relativamente baixa, isso crie uma ligação ilusória; mas repetindo a regressão excluindo os 16 concelhos algarvios os resultados são mais ou menos os mesmos, logo também não é por aí.

Uma terceira hipótese é de haver aqui um efeito não-linear e a partir de certa ponto maior escolaridade e/ou uma população mais jovem deixem de significar maior força adicional para o BE, e que a relação negativa "densidade populacional - votação no BE" seja uma ilusão matemática provocada por essa não-linearidade; talvez seja essa a explicação, mas talvez seja difícil de testar.

Assim, vamos ver até que ponto as diferenças de resultados entre Portimão (9,63% para o BE em 2011) e Lisboa (5,58%) podem ser explicadas por este modelo:

Tuesday, September 22, 2015

Um imposto sobre as bebidas más para saúde não funciona?

Why a Soda Tax Is Unlikely to Work: Yours Truly in the Washington Post, por Marc Bellemare (via Tyler Cowen):

The fact that those taxes have no (economically and, often, statistically) significant effect is unsurprising. One, even in the US–which consumes way, way more soda than Europe in per capita terms according to the Euromonitor data–soda represents a minuscule share of the average consumer’s budget. Two, from casual empiricism, the demand for soda strikes me as relatively inelastic; there are few substitutes for sweet, fizzy drinks: club soda does not contain any sugar, fruit juices aren’t fizzy, and many people cannot stand the taste of diet sodas.

(Tamar spoke to a number of other economists for her article. In his post on the topic, Jayson generously referred to those of us quoted in the article as “a slew of top food and agricultural economists,” which I imagine is what it feels like if George Clooney tells you that you’re handsome.)

So, notwithstanding what some people in the public health community seem to to take as an article of faith, taxing soda is unlikely to help with this country’s (or any other country’s, for that matter, given my European estimates) love affair with obesity, though it is certainly likely to contribute to the revenues of governments that levy a tax on soda.

Esta raciocíno tem um erro de raiz, que é assumir que o objetivo de um imposto sobre o consumo de "soda" (palavra que não sei bem a tradução exata, mas na prática parece incluir a generalidade das bebidas açucaradas) é reduzir o seu consumo; não é - o objetivo de um imposto desses é reduzir os custos sociais do consumo de "soda" (em termos de políticas públicas, os custos diretos para o indíviduo do consumo não interessam para nada; a única coisa que deve ser relevante para o Estado são os custos que o individuo que bebe "soda" possa eventualmente impor ao resto da sociedade; p.ex., uma subida generalizada dos prémios dos seguros de saúde); para esse efeito, à partida tanto faz que um imposto reduza o consumo de "soda" ou que o consumo se mantenha, originando o imposto simplesmente um aumento de receita:

- se o consumo diminuir, os custos sociais diminuem pelas razões óbvias

- se o consumo se mantiver, os custos sociais também diminuem, já que os custos sociais que o consumo implica são compensadas pelo aumento da receita pública (seja esse aumento de receita canalizado para mais despesa pública ou para uma redução dos outros impostos, em ambos os casos significa um benefício para os não-consumidores de "soda")

Claro que se poderá argumentar que o valor dos impostos poderá não ser suficiente para compensar os custos sociais criados pelo consumo de "soda", mas mesmo que seja o caso a solução é simplesmente subir o valor do imposto - continua a ser completamente irrelevante que os consumidores reduzam ou não o consumo por causa do imposto.

Na verdade, o que Bellemare está a dizer é que o benefício que os consumidores derivam do consumo de "soda" é mais que o imposto (e mais o preço) que pagam (no fundo, é isto que significa os impostos não levaram a uma redução do consumo), mas o que interessa, em termos de maximização do bem-estar social, é se os impostos são maiores ou menores que o prejuízo para a sociedade do consumo de "soda".

Friday, September 18, 2015

"Como" ou "apesar"?

A respeito da possibilidade de o PSD/CDS ter menos votos mas mais deputados que o PS, no Expresso escreve-se "[e]m Portugal, o método matemático utilizado para converter votos em mandatos é o método de Hondt. Contudo, como se segue o sistema de representação proporcional, existem sempre votos nos círculos eleitorais que não chegam para eleger deputados".

Quem leia essa conversa até poderia ficar a pensar que é por causa do sistema ser proporcional que há votos que não elegem deputados - na verdade há muitos mais votos desperdiçados num sistema maioritário (estou convecido que no Reino Unido a maior parte dos votos não contam para eleger deputado nenhum e que a maioria dos eleitores acabam por não ter verdadeiramente nenhum deputado que os represente), sendo muito mais prováveis os casos de "maiorias invertidas" (se o Expresso escrevesse "apesar de se seguir o sistema de representação proporcional" em vez de "como se segue..." já faria algum sentido).

Já há umas semanas tinham uma notícia sobre a Catalunha, em que diziam que a coligação separatista não tinha a maioria absoluta dos votos, mas que devido ao sistema proporcional poderia eleger a maioria dos deputados - como se num sistema maioritário não fosse acontecer a mesma coisa (na verdade, suspeito que se num sistema maioritário o partido mais votado tiver 40% dos votos e o segundo mais votado 15%, o resultado será o partido mais votado eleger os deputados quase todos).

Monday, September 14, 2015

A bússola eleitoral do Expresso

O Expresso e a SIC lançaram uma ferramenta, a "bússola eleitoral", que pretende ver qual é o partido político de que estamos mais próximos:


Muitas críticas têm sido levantadas a esse quadro, como a CDU ser mais "libertária-cosmopolita" que o Bloco de Esquerda, ou o PNR (de extrema-direita) estar ao centro.

Estive a tentar perceber porque é que a CDU aparece como mais "libertária-cosmopolita" que o BE; nas perguntas de "Sociedade", a única que poderia explicar essa diferença era a CDU "discordar" no ponto "Independentemente dos seus recursos, as famílias numerosas devem receber benefícios sociais e fiscais" e o BE "concordar totalmente"; mas porque é que os autores dizem que a CDU "discorda" e o BE concorda "totalmente"? Segundo eles a CDU discorda porque votou contra uma alteração ao código do Imposto sobre Veículos criando isenções para famílias numerosas (o BE votou contra na primeira votação e absteve-se na votação final) e as alterações ao IMI criando bonificações para as famílias numerosas (por mais voltas que dê ao site da Assembleia da República, não consigo descobrir quem votou contra e a favor disso, mas em muitas Assembleias Municipais o BE tem votado contra).


Ou seja, não me parece que a diferença de posição entre o PCP/PEV e o BE na questão das famílias numerosas seja tão grande que faça sentido um "discordar completamente" e outro "concordar" (e mesmo a posição do BE sobre o abono de família parece-me mais uma defesa da universalidade dos serviços públicos - na linha "programas para pobres tendem a ser programas pobres" - do que propriamente uma defesa das famílias numerosas).

Também me parece discutível que o BE "discorde completamente" de que "Deve haver um alargamento das áreas em que a União Europeia define as políticas" - sim, realmente o BE no seu manifesto eleitoral para as europeias [pdf] fala em "desobediencia democrática à EU e suas imposições, recusando de forma intransigente, quaisquer perdas de soberania"; mas no mesmo documento também diz que "a UE deve passar a ter instrumentos próprios de gestão de dívida que representem um recurso dos Estados-membros, mas beneficiem dos custos de financiamento que um espaço como a União Europeia pode proporcionar" e que "[a] definição de mínimos europeus para a tributação de todos os rendimentos do capital (lucros, dividendos, etc.) é a única forma de travar a dinâmica da concorrência fiscal no espaço europeu".

De qualquer maneira tenho dúvidas que faça sentido juntar (como parece ter sido feito) juntar a atitude face à UE com a atitude em questões sociais numa única dimensão ("tradicionalista-nacionalista vs. libertária-cosmopolita"); em países como o Reino Unido e  nalguns da Europa de Leste há efetivamente uma forte ligação entre conservadorismo social e euroceticismo, que justifica juntar esses pontos numa única dimensão; mas em Portugal não sei se será o caso (talvez um gráfico tridimensional - com "europeísmo vs. euroceticismo" como a 3º dimensão - fizesse mais sentido; aliás, num inquérito semelhante acercas das eleições europeias foi esse o sistema usado).


Ora, o problema desse arranjo gráfico (que divide a esquerda da direita pela economia e considera as questões sociais como transversais à divisão esquerda-direita) é que no mundo real das ideologias, tanto as questões económicas como as questões sociais são questões esquerda vs. direita; afinal, o que creio ser a questão esquerda-direita original (direita - o rei deve poder vetar definitivamente as leis aprovadas pelo parlamento; esquerda - o veto real apenas pode adiar a aprovação da lei) hoje em dia seria de certeza considerada uma questão social. Nesse aspeto, gráficos similares norte-americanos, como o de On the Issues ou o dos Advocates for Self-Government parecem-me melhores: os eixos do gráfico são basicamente os mesmos, mas o gráfico tem uma inclinação de uns 45º, de forma que tanto liberalismo económico como conservadorismo social vão para a direita. Aplicando isso ao gráfico do Expresso, teríamos:


É verdade que, mesmo assim, o gráfico continuaria a ter coisas talvez contra-intuitivas, como o Livre ficando o partido mais à esquerda (provavelmente devido ao seu europeísmo, que reforça a componente libertária-cosmopolita) - mas mesmo no gráfico anterior o Livre aparecia como um dos dois partidos/coligações mais à esquerda, junto com a CDU; mais estranho seria o MRPP ficar à direita do PS, mas de qualquer forma já era algo de estranho no gráfico original estar à direita da CDU, do Bloco e do Livre (os autores da "bússola" têm mesmo certeza que o MRPP "discorda totalmente" da reestruturação da dívida?? Só se for "discordar totalmente" no sentido de não quererem reestruturação mas repúdio puro e simples da dívida - mas essa posição é mais defender uma forma extrema de reestruturação do que verdadeiramente ser contra).

Wednesday, September 09, 2015

O apocalipse cultural que não aconteceu

The Creative Apocalypse That Wasn’t, por Steven Johnson (New York Times), via Tyler Cowen:

On July 11, 2000, in one of the more unlikely moments in the history of the Senate Judiciary Committee, Senator Orrin Hatch handed the microphone to Metallica’s drummer, Lars Ulrich, to hear his thoughts on art in the age of digital reproduction. Ulrich’s primary concern was a new online service called Napster, which had debuted a little more than a year before. (...)

But in retrospect, we can also see Ulrich’s appearance as an intellectual milestone of sorts, in that he articulated a critique of the Internet-­era creative economy that became increasingly commonplace over time. ‘‘We typically employ a record producer, recording engineers, programmers, assistants and, occasionally, other musicians,’’ Ulrich told the Senate committee. ‘‘We rent time for months at recording studios, which are owned by small-­business men who have risked their own capital to buy, maintain and constantly upgrade very expensive equipment and facilities. Our record releases are supported by hundreds of record companies’ employees and provide programming for numerous radio and television stations. ... It’s clear, then, that if music is free for downloading, the music industry is not viable. All the jobs I just talked about will be lost, and the diverse voices of the artists will disappear.’’ (...)

The intersection between commerce, technology and culture has long been a place of anxiety and foreboding. Marxist critics in the 1940s denounced the assembly-line approach to filmmaking that Hollywood had pioneered; (...) in the ’90s, critics accused bookstore chains and Walmart of undermining the subtle curations of independent bookshops and record stores.

But starting with Ulrich’s testimony, a new complaint has taken center stage, one that flips those older objections on their heads. The problem with the culture industry is no longer its rapacious pursuit of consumer dollars. The problem with the culture industry is that it’s not profitable enough.(...) In the 15 years since, many artists and commentators have come to believe that Ulrich’s promised apocalypse is now upon us — that the digital economy, in which information not only wants to be free but for all practical purposes is free, ultimately means that ‘‘the diverse voices of the artists will disappear,’’ because musicians and writers and filmmakers can no longer make a living. (...)

The trouble with this argument is that it has been based largely on anecdote, on depressing stories about moderately successful bands that are still sharing an apartment or filmmakers who can’t get their pictures made because they refuse to pander to a teenage sensibility. (...)

What do these data sets have to tell us about musicians in particular? According to the O.E.S., in 1999 there were nearly 53,000 Americans who considered their primary occupation to be that of a musician, a music director or a composer; in 2014, more than 60,000 people were employed writing, singing or playing music. That’s a rise of 15 percent, compared with overall job-­market growth during that period of about 6 percent. The number of self-­employed musicians grew at an even faster rate: There were 45 percent more independent musicians in 2014 than in 2001. (Self-­employed writers, by contrast, grew by 20 percent over that period.)

Of course, Baudelaire would have filed his tax forms as self-­employed, too; that doesn’t mean he wasn’t also destitute. Could the surge in musicians be accompanied by a parallel expansion in the number of broke musicians? The income data suggests that this just isn’t true. According to the O.E.S., songwriters and music directors saw their average income rise by nearly 60 percent since 1999. The census version of the story, which includes self-­employed musicians, is less stellar: In 2012, musical groups and artists reported only 25 percent more in revenue than they did in 2002, which is basically treading water when you factor in inflation. And yet collectively, the figures seem to suggest that music, the creative field that has been most threatened by technological change, has become more
profitable in the post-­Napster era — not for the music industry, of course, but for musicians themselves. Somehow the turbulence of the last 15 years seems to have created an economy in which more people than ever are writing and performing songs for a living.

Tuesday, September 08, 2015

Porque a democracia egípcia não resultou?

Agora é politicamente correto zombar da "primavera árabe" (e das pessoas que em 2011 estavam entusiasmadas com a referida "primavera"), e dizer que era evidente que a democratização daqueles países iria abrir caminho aos islamitas e aos jihadistas.

Mas seria assim tão evidente?

Olhemos para os resultados das eleições presidenciais egípcias de 2012:

Primeira volta -

Mohamed Morsi (apoiado pela Irmandade Muçulmana) - 24,78%

Ahmed Shafik (conotado com o anterior regime) - 23,66%

Hamdeen Sabahi ("nasserista", apoiado pela oposição secular) - 20,72%

Segunda volta -

Morsi - 51,73%

Shafik - 48,27%

Olhando para estes resultados, não me parece que a vitória de Morsi fosse assim tão inevitável; em primeiro lugar, a sua margem de vitória na 2ª volta foi tão estreita que me parece que era perfeitamente possivel que ele tivesse perdido se a campanha tivesse corrida de forma ligeiramente diferente; em segundo lugar, mesmo na primeira volta não me parece que fosse impossível que tivesse sido Sabahi a passar à segunda volta, e Sabahi tinha condições para ser como Mário Soares em Portugal em 1986 (o candidato que se dizia que só tinha que passar à 2º volta para ganhar, com o apoio da esquerda contra Freitas, ou com o apoio do PS e da direita contra Zenha ou Pintassilgo) - se concorrese contra Morsi, poderia ter mais votos dos que Shafik teve (possivelmente teria à mesma os votos dos que votaram em Shafik, e mais de uns quantos que não votaram Shafik por o associarem a Mubarak), e contra Shafik, também poderia ter mais votos que Morsi (o mesmo raciocinio - teria à mesma o votos dos que votaram Morsi, e mais de alguns que não votaram Morsi por o associarem ao fundamentalismo islâmico).

Ou seja, bastava algumas coisas terem corrida de forma ligeiramente diferente para não ter sido eleito um presidente islamita, com o que isso implicou.

Mas suspeito que o grande problema foi mesmo terem optado pelo presidencialismo (o tal sistema que está mais que visto que só funciona nos EUA) - numa sociedade dividida em três blocos (islamitas, "mubarakistas" e oposição secular) ter um sistema que dá o poder supremo a uma (seja ela qual for) não é boa ideia.

A democracia norte-americana em crise?

American democracy is doomed, por Matthew Yglesias:

America's constitutional democracy is going to collapse.

Some day — not tomorrow, not next year, but probably sometime before runaway climate change forces us to seek a new life in outer-space colonies (...).

Very few people agree with me about this, of course. When I say it, people generally think that I'm kidding. America is the richest, most successful country on earth. The basic structure of its government has survived contested elections and Great Depressions and civil rights movements and world wars and terrorist attacks and global pandemics. (...)

But voiced in another register, my outlandish thesis is actually the conventional wisdom in the United States. Back when George W. Bush was president and I was working at a liberal magazine, there was a very serious discussion in an editorial meeting about the fact that the United States was now exhibiting 11 of the 13 telltale signs of a fascist dictatorship. The idea that Bush was shredding the Constitution and trampling on congressional prerogatives was commonplace. When Obama took office, the partisan valence of the complaints shifted, but their basic tenor didn't. Conservative pundits — not the craziest, zaniest ones on talk radio, but the most serious and well-regarded — compare Obama's immigration moves to the actions of a Latin-American military dictator. (...)

To understand the looming crisis in American politics, it's useful to think about Germany, Japan, Italy, and Austria. These are countries that were defeated by American military forces during the Second World War and given constitutions written by local leaders operating in close collaboration with occupation authorities. It's striking that even though the US Constitution is treated as a sacred text in America's political culture, we did not push any of these countries to adopt our basic framework of government.

This wasn't an oversight.

In a 1990 essay, the late Yale political scientist Juan Linz observed that "aside from the United States, only Chile has managed a century and a half of relatively undisturbed constitutional continuity under presidential government — but Chilean democracy broke down in the 1970s." (...)

Still, Linz offered several reasons why presidential systems are so prone to crisis. (...)

In a parliamentary system, deadlocks get resolved. A prime minister who lacks the backing of a parliamentary majority is replaced by a new one who has it. If no such majority can be found, a new election is held and the new parliament picks a leader. It can get a little messy for a period of weeks, but there's simply no possibility of a years-long spell in which the legislative and executive branches glare at each other unproductively.

But within a presidential system, gridlock leads to a constitutional trainwreck with no resolution. The United States's recent government shutdowns and executive action on immigration are small examples of the kind of dynamic that's led to coups and putsches abroad.

There was, of course, the American exception to the problems of the checks-and-balances system. Linz observed on this score: "The uniquely diffuse character of American political parties — which, ironically, exasperates many American political scientists and leads them to call for responsible, ideologically disciplined parties — has something to do with it."

For much of American history, in other words, US political parties have been relatively un-ideological and un-disciplined. They are named after vague ideas rather than specific ideologies, and neither presidents nor legislative leaders can compel back-bench members to vote with them. This has often been bemoaned (famously, a 1950 report by the American Political Science Association called for a more rigorous party system) as the source of problems. It's also, according to Linz, helped avert the kind of zero-sum conflicts that have torn other structurally similar democracies apart. But that diffuse party structure is also a thing of the past.

Monday, September 07, 2015

Uma crítica "liberal" à legalização judicial do "casamento gay" nos EUA

The Supreme Court made the right call on marriage equality — but they did it the wrong way, por Andrew Koppelman:

The Supreme Court’s ruling Friday that the Constitution protects same-sex marriage was great news. The party pooper was the remarkably weak reasoning by which the Court got there. Reading the four dissents poke holes in Justice Anthony Kennedy’s opinion for the Court, I kept thinking, “Yeah, that’s fair,” even though on the bottom line the Court clearly got it right. All of Kennedy’s worst traits — the ponderous self-importance, the leaps of logic, the worship of state power — were on display. For a decision this important, the Court should have been able to do better.

The decision relied on the doctrine of “substantive due process” — the idea that some liberties, not enumerated in the Constitution, are so important that government can’t take them away. “The Constitution promises liberty to all within its reach,” Kennedy’s first sentence declared, “a liberty that includes certain specific rights that allow persons, within a lawful realm, to define and express their identity.” Justice Antonin Scalia complains that this sentence resembles “the mystical aphorisms of the fortune cookie.” Questions immediately arise. All laws restrict liberty. How does a court decide which “specific rights” are thereby protected? What are the boundaries of the “lawful realm”? Courts, Kennedy responds, must “exercise reasoned judgment in identifying inter­ests of the person so fundamental that the State must accord them its respect.” He goes on to explain at length why marriage is so important.

Substantive due process, however, invites courts to invent new law out of nothing — to declare as constitutionally protected any conduct that they think is important. Opponents of the decision are already claiming that the Court was just making it up, on the basis of the judges’ personal preferences. This opinion supports that charge. Chief Justice John Roberts observed that Kennedy’s “driving themes are that marriage is desirable and [same-sex couples] desire it.” Scalia argues that the doctrine protects “those freedoms and entitlements that this Court really likes.”

[Via Reason]

Friday, September 04, 2015

O porquê das "professional partnerships"

Profit Sharing and the Role of Professional Partnerships, por Jonathan Levin and Steven Tadelis (versão aberta em PDF).

Modern economies exhibit a wide diversity of organizational forms: from closely held private firms to profit-sharing partnerships and cooperatives to investor-owned corporations. A fundamental economic problem is to understand the forces that lead to these different forms of organization and hence determine the structure of productive enterprise in the economy. One striking puzzle in this regard is the distribution of partnerships relative to corporations across industries. While the corporate form dominates across manufacturing, technology and many service industries, partnerships have been prominent in human-capital intensive professional services such as law, accounting, investment banking, management consulting, advertising, and medicine.

In this paper, we investigate an economic rationale for profit-sharing partnerships and their presence in the professional services. We take the defining feature of a partnership to be re-distribution of profits among the partners. Profit-sharing leads individuals to be particularly selective as to whom they take on as partners. This feature of partnerships assures clients of quality service. We show that as a result, if clients are concerned about quality and are in a relatively poor position to assess quality, then partnerships tend to be a preferable mode of organization relative to a profit-maximizing corporation.

Our model suggests that partnerships will emerge under some market conditions but
not others. In particular, the theory predicts that partnerships will emerge when human capital plays a central role in determining product quality and when clients are at a disadvantage relative to firms in assessing the ability of employees. In our view, these conditions aptly characterize the professional services, but are a much worse description of manufacturing or technology industries where partnerships are quite unusual.

Resumindo, a teoria dos autores é que certas empresas organizam-se como "professional partnerships" (isto é empresas em que em vez de uma distinção clássica entre "donos" e "empregados", os "donos" - partners - são também trabalhadores e o topo da carreira é ser aceite como partner; já agora, há alguma expressão portuguesa para esse tipo de empresas?), porque, supostamenete, uma "partnership" tenderá a ser mais exigente a recrutar partners do que uma empresa clássica a recrutar empregados (uma partnership só irá admitir um partner adicional se a sua produtivade marginal for superior ou no mínimo igual à produtividade média da empresa, enquanto uma empresa clássica contratará qualquer pessoa que tenha uma produtividade marginal maior que o salário), logo isso dará a esses empresas uma maior reputação de "qualidade" perante os clientes (assim, essas empresas tenderiam a dominar em sectores em que é dificil aos clientes avaliarem diretamente a qualidade do produto que a empresa fornece e portanto ligam muito à reputação da empresa).

Confesso que não me inclino muito para essa hipótese, mas é possível.

Já agora, será que além deste há mais algum paper sobre economia/gestão em que consigam falar ao mesmo tempo da evolução das formas de organização empresarial da Goldman Sachs e de um artigo dos anos 50 tentando formalizar o funcionamento de uma economia baseada na autogestão jugoslava?

Wednesday, September 02, 2015

Christopher Lasch, conservador e radical?

Why Read Christopher Lasch?, por Matthew Harwood, em The American Conservative:

Over the course of his life and work, Lasch, who was the son of progressive parents and was himself initially drawn to Marxism, grew more culturally conservative as he grew more and more tired with American society’s tendency to equate the good life with mere consumption and consumer choice. Both Democrats and Republicans, he believed, adhered to the “ideology of progress,” a belief system whereby, either through redistribution of wealth or economic growth, “economic abundance would eventually give everyone access to leisure, cultivation, refinement—advantages formerly restricted to the wealthy.” (...)

But Lasch’s conservatism was always idiosyncratic, fusing respect for the conservative traditions of working-class life also celebrated by Charles Murray—such as faith, family, and neighborhood—with a genuine desire for egalitarian democracy based on broad-based proprietorship. As a former Marxist, his analysis always held labor, particularly when self-directed or done voluntarily in cooperation with others, in high esteem because of the ethic of responsibility it produced. Work wasn’t, or shouldn’t be, just a means to put food on the table or a roof over your head. Rather it provided meaning, dignity, and moral instruction, something not found by repeating mind-numbing tasks over and over at someone else’s direction. (...)

Lasch understood the paradox that much of the modern American left and right find contradictory: property could be theft, particularly under capitalist property relations and wage labor, but it also meant freedom for small producers—such as farmers, artisans, and shopkeepers in the 19th century or what today have become small business owners and sole proprietorships—who were able to control the conditions under which they made their living. The rise of mass production for ever-expanding markets and with it the shift to salaried labor destroyed this radical yet deeply conservative outlook on life, turning skilled craftsmen who worked for themselves into interchangeable cogs in somebody else’s machine, both literally and figuratively. Workers understood this, noted Lasch, and reacted by “defending not just their economic interests but their crafts, families, and neighborhoods.” (...)

Revolting against the dehumanizing conditions of deskilled wage labor, yet understanding that large-scale factory production was here to stay, skilled craftsmen and owners of productive land exemplified by organization like the Knights of Labor and the Farmers’ Alliance envisioned a new society that resisted both state capitalism and state socialism. (...) With no sense of how history could have gone any other way, any pursuit of worker control today has been lost to history, smeared as communist rather than authentically American. (...)

[B]oth parties cling to different branches of what Lasch called the ideology of progress, redistribution on the left and “a rising tide lifts all boats” on the right. By contrast, Lasch’s vision of the good life is truly radical yet profoundly conservative; it harkens back to traditions now largely dormant in American life where those who worked for a living wanted to build local communities, in the words of 19th-century labor leader Robert MacFarlane, based upon the now forgotten American ideal of “small but universal ownership” of property, which was the “true foundation of a stable and firm republic.” In other words, independence rooted in both liberty and equality.

This producerist ideology, according to Lasch, “deserves a more attentive hearing, on its own terms, than it has usually received.” It holds the answer to the questions critics like Charles Murray raise—and reveals that too many libertarians and conventional conservatives are confused apologists for a system that produces everything they despise: authoritarianism, centralization, and widespread dependence.

Uma questão que me ocorre é se a "classe trabalhadora" defenderia tanto os valores da "faith, family, and neighborhood" como tudo isso - é dificil a um europeu dar opinião sobre autores norte-americanos, mas dá-me a ideia que na Europa tanto a "fé" como a "família" são valores mais de classe média do que da classe trabalhadora (nem que seja porque os filhos da classe média demoram mais a se tornarem independentes - os filhos da classe média assalariada porque demoram anos a tirar cursos superiores; os filhos da classe média de pequenos empresários porque acabam frequentemente a trabalhar com os pais); já a "vizinhança" sim, parece-me um valor tipico da classe trabalhadora (mas é capaz de haver aqui também uma questão de definição - muito provavelmente os autores em questão quando falam em "working class" estão a incluir também os pequenos empresários, que dá-me a ideia que tendem a ser mais socialmente conservadores do que os assalariados).

Tuesday, September 01, 2015

A substituição do trabalho por máquinas, de Marx a Stiglitz

The rule of robots in Stiglitz and Marx, por Branko Milanovic:

It is always instructive to speak to Joe Stiglitz. In a conversation in Paris which we had after his talk at the INET conference, he pointed out that the elasticity of substitution between capital and labor greater than 1 (which is often assumed by Piketty in his “Capital in the 21st century”), combined with technological progress which does not fall like manna from heaven but develops in response to the existing factor prices, would lead to an explosive process that would end only with capital owning the entire net income of a country. How?

Suppose that we have a given r (...) and a given wage (w). Suppose also that at this ratio of factor prices, it is profitable to invest in more capital-intensive processes (that is, they reduce unit cost of output). So capitalists will replace labor by capital and K/L and K/output ratios will both increase. Since elasticity of substitution between K and L is greater than 1, r will only slightly decrease while wage will only slightly increase. Although factor prices, being sticky, will not have budged much they would have moved ever slightly further in making capital intensive processes even more attractive. So there would be another round of increased capital investment, and again K/L and K/output will go up with only minimal effects on prices.


This will continue round after round until the entire output is produced practically only by using capital and perhaps just an infinitesimal quantity of labor. Both r and w will remain almost as they were at the beginning, but instead of (say) 100 machines and 100 workers, we will, at the end, have 100 robots and 1 worker. Almost all output will belong to the owners of capital. (...)


But, (...) I thought of something else. Isn’t this in some ways almost the reverse, and in some ways, very similar, to Marx’s process of increased “organic composition of capital” eventually leading to the euthanasia of a capitalist (to use Keynes’ term in a Marxist framework)? In Marx, the assumption is that more capital intensive processes are always more productive. So capitalists just tend to pile more and more capital and replace labor (very similarly to what we have seen they do in the Stiglitz example). This in Marxist framework means that there are fewer and fewer workers who obviously produce less (absolute) surplus value and this smaller surplus value over an increased mass of capital means that the rate of profit goes down.

The result is identical if we set this Marxist process in a neoclassical framework and assume that the elasticity of substitution is less than 1. Then, simply, r shoots down in every successive round of capital-intensive investments until it practically reaches zero. As Marx writes, every individual capitalist has an interest to invest in more capital-intensive processes in order to undersell other capitalists, but when they all do that, the rate of profits decreases for all. They thus work ultimately to drive themselves “out of business” (more exactly they drive themselves to a zero rate of profit).

What are the similarities and differences between the two outcomes? In both cases, labor will be replaced by capital to an extreme degree, so in both cases, production will be conducted mostly by robots. Employment will be negligible. In Marx, the ultimate equilibrium would be with r at almost zero, and wage (by assumption in Marx) at the subsistence—with of course a huge “reserve army of the unemployed”. In the Stiglitz case, capitalists will end up with an unchanged r and with pocketing the entire net product. In the Stiglitz equilibrium, that sole remaining worker will have a higher wage, but again, no one else would be employed.

Ainda sobre este tema - Revisitando a "quebra tendencial da taxa de lucro"