Monday, June 11, 2007

Tecnologia e Totalitarismo


A mim, parece-me que, se há movimento que nunca poderia ser "totalitário" mesmo que quisesse é exactamente o "anti-tecnológico" (e o ecologismo radical, que descende desse) - o "totalitarismo" requer um Estado centralizado, e tal é impossível sem a tecnologia moderna.

Aliás, historicamente, o reforço do poder do Estado desenvolveu-se em associação com o progresso tecnológico (embora penso que as tecnologias da "3ª revolução industrial", sendo mais descentralizadas - PC, telemóvel, etc. - devem estar a inverter a tendência): a invenção da artilharia foi o principal instrumento que permitiu aos reis do pós-Idade Média dominar as revoltas locais contra o seu poder (já que a artilharia, ao contrário de setas ou espadas, não é coisa que muita gente tenha em casa). E os grandes totalitarismo do século XX, a URSS e Alemanha nazi eram do mais entusiastas da tecnologia moderna que havia - a URSS de uma forma mais coerente, o nazismo com uma estranha combinação de desprezo pelo pensamento racional e lógico e entusiasmo pela tecnologia que este produziu.

Poder-se-á contestar a minha afirmação de que "o totalitarismo requer um Estado centralizado" - afinal, mesmo que a tecnologia moderna desaparecesse, e com ela o Estado moderno e a sociedade de massas, o resultado poderia ser uma colecção de "micro-totalitarismos": um conjunto de pequenas comunidades isoladas umas das outras, cada qual massacrando os seus "dissidentes" da forma mais em acordo com as tradições locais. Talvez, mas penso que um "totalitarismo" do qual se pode facilmente fugir não merece essa designação.

Claro que há muitas boas razões para defender a tecnologia moderna - sem ela, a maior parte da população mundial morreria e os sobreviventes iriam ter uma vida bastante difícil (chamar a isto "boas razões" é eufemismo - "excelentes razões" é mais correcto); mas, em termos de "liberdade", se calhar até haveria mais sem ela.

Quanto ao argumento de Florman, de que "pity and disdain for the individual citizen is an essential feature of antitechnology", a mim parece-me exactamente o contrário - acho que os críticos da tecnologia até costumavam argumentar que esta aumentava o poder do Homem enquanto membro da sociedade, mas diminuía o poder do homem enquanto individuo (p.ex., a maquinização fazia com que o "Homem" - i.e., a Humanidade - fosse capaz de fazer mais coisas, produzir mais, etc. que antigamente, mas, ao mesmo tempo, reduzia o poder e a autonomia de cada homem concreto, em comparação com os sistemas artesanais).

Finalmente, quanto à tese de que "each new mass movement carries within itself the seeds of a new totalitarianism", é das tais teses que é impossível de refutação (mesmo que eu apresentasse aqui uma lista de "movimentos de massas" - e não falo necessariamente no sentido politico - que não deram origem a nenhum totalitarismo, poderiam sempre retorquir "o potencial - the seeds - para o totalitarismo estava lá, só que não se concretizou!"), logo também é impossível de discutir.

5 comments:

Anonymous said...

Miguel,

O movimento anti-tecnológico traz a semente do totalitarismo. Ninguém diz que existe uma associação natural entre totalitarismo e anti-tecnologia. No fundo, é o problema de "sair o tiro pela culatra". Quem defende o regresso à natureza acaba envolvida numa teia de controlo que hoje poderá ser fortemente tecnológica. Também é interessante olhar para o mundo actual: os sistema totalitários são anti-tecnoclógicos? Não necessariamente. Mas também é verdade que bloqueiam o youtube enquanto ao lado vão enriquecendo urânio.

A tese de que o progresso tecnológico pode estar associado ao crescimento do potencial da tirania também não é muito forte. A História não nos revela nenhuma correlação entre progresso e tirania. Pelo contrário, vivemos hoje no mais livre dos mundos. (O que não significa que daqui cinquenta não esteja tudo invertido; a História, ao contrário do que o outro dizia, não tem fim).

"Quanto ao argumento de Florman, de que "pity and disdain for the individual citizen is an essential feature of antitechnology""
Bem, quanto ao argumento de Florman podemos lembrar os discursos contra o consumismo, contra o turismo de massas, contra a utilização do transporte individual, contra a suposta "alienação" das comunidades modernas. Isso é desprezo pelas opções dos homens, parece-me. (E já agora, Miguel, pergunto se existe maior alienação do que aquela que se vê nas comunidades neo-hippies das serras algarvias.)

A tese "each new mass movement carries within itself the seeds of a new totalitarianism" é irrefutável, sim senhor, mas pode e deve ser discutida. Um movimento de massas afoga necessariamente o indivíduo, e isso pode trazer consequências desagradáveis. E não é por disfarçarmos o colectivismo de holismo, ou outro ismo qualquer, que lhe apagamos a essência totalitária (não espero que concorde comigo neste ponto – que o colectivismo é necessariamente castrador da liberdade – mas não abdico desta posição e tenho fortes argumentos que a sustentam; no entanto, é lateral na conversa.).

Resumindo: o movimento anti-tecnológico (ou anti-capitalista, ou anti-globalização) é terreno fértil para o crescimento de utopias totalitárias (eufemismo). Se depois essas utopias tiram proveito daquilo que os seus incautos mentores atacavam, é outra história...

Anonymous said...

Enganei-me, os anti não têm hífen...

Miguel Madeira said...

“Bem, quanto ao argumento de Florman podemos lembrar os discursos contra o consumismo, contra o turismo de massas, contra a utilização do transporte individual, contra a suposta "alienação" das comunidades modernas. Isso é desprezo pelas opções dos homens, parece-me.”

Os discursos contra o consumismo, o turismo de massas e a “alienação” (mas já não os contra o transporte individual), frequentemente, até me parecem bastante individualistas (a conversa habitual costuma ser lamentar uma suposta destruição da originalidade pessoal pelo “consumo de massas”, “turismo de massas”, “cultura de massas”, etc – p.ex., no caso do turismo, é frequente o discurso de apologia do “viajante” individual contra o “turista” das agências.), ainda que talvez caindo no paradoxo de criticar as opções individuais dos outros por não serem suficientemente individuais.


“ (E já agora, Miguel, pergunto se existe maior alienação do que aquela que se vê nas comunidades neo-hippies das serras algarvias.)”

Depende do que entendermos por “alienação” – a palavra costuma ser utilizada em pelo menos 3 sentidos:

a) Desligamento do indivíduo face à sociedade

b) Impotência do indivíduo face à sociedade (ou face às instituições, organizações, etc.)

c) Conformismo social

Já agora, os sentidos a) e c) parecem-me quase antagónicos, embora ambos possam ser ligados ao sentido b).

Agora, quanto aos neo-hippies, poderão ser alienados no sentido a) mas muito pouco alienados no sentido b); quanto ao sentido c), é dificil dizer – por um lado, eles parecem ser não-conformistas, mas por outro, esse não-conformismo, para alguns, talvez não seja mais que um conformismo em pequena escala.

Anonymous said...

"Os discursos contra o consumismo, o turismo de massas e a “alienação” (mas já não os contra o transporte individual), frequentemente, até me parecem bastante individualistas"
Não são discursos individualistas, Miguel. O individualismo pode ser resumido assim: vive e deixa viver. Estes senhores não querem deixar viver. Estes senhores idealizaram um mundo onde todos fazem escolhas "sensatas", pessoais, culturalmente evoluídas; mas os homens afinal querem outra coisa. Por paradoxal que possa parecer, o discurso "sejam indivíduos, destaquem-se dos outros", é um discurso profundamente anti-individualista.

(Quanto ao ponto c) dos neo-hippies: na minha opinião é conformismo. Mas é uma questão muito discutível e dá pano para mangas. Talvez um dia, no Porta Velha ;) )

Fer said...

Olá,
Foi lançado recentemente um PABX capaz de integrar-se ao SKYPE, permitindo que telefones comuns possam fazer chamadas para contatos SKYPE ou para outros telefones através da rede SKYPE. As chamadas podem ser realizadas, atendidas, colocadas em espera, transferidas de forma extamente igual as da rede de telefonia convencional. O custo é muito baixo e se pega rápido, rápido.
Veja: www.safesoft.com.br/pabx/