Sunday, July 13, 2014

A saída do "Fórum Manifesto" do BE

O "Forum Manifesto" decidiu desvincular-se do Bloco de Esquerda; não implicando isto uma desvinculação automática dos seus membros, as notícias que correm é que Ana Drago provavelmente irá abandonar o BE.

Para começar, caso alguns leitores não saibam bem o que é o Fórum Manifesto, uma pequena súmula histórica: nos últimos meses de 1991, após o falhado golpe contra Gorbachov e o comunicado do PCP apoiando os golpistas, o essencial dos militantes "renovadores" do PCP abandonaram o partido (confesso que não sei exatamente se foram sobretudo saídas voluntárias ou se também houve muitas expulsões), que de qualquer forma já estava num processo de abandono de militantes críticos; desse processo nasceu a Plataforma de Esquerda, que em breve começou a colaborar com o PS. A facção da PE (incluindo figuras como Miguel Portas ou Daniel Oliveira) que recusou essa linha de aliança com o PS organizou-se em torno de um jornal, o "Manifesto" (suspeito que o nome foi escolhido para imitar il manifesto) - lembro-me de, nas manifestações anti-propinas, esse jornal ser distribuído (não sei se ainda terei guardado algum lá por casa). Nas eleições europeias de 1994, falou-se numa coligação entre o PSR, o MDP/CDE e o grupo do Manifesto, mas o PSR acabou por concorrer sozinho, e o MDP/CDE mudou o nome para Politica XXI, passando a integrar o "antigo" MDP/CDE + o Manifesto (penso não estar em erro se disser que a criação da Politica XXI foi uma espécie de OPA amigável ao MDP/CDE por parte do Manifesto, que passou a ser largamente dominante na nova encarnação do partido). Em 1999, a Politica XXI, junto com o PSR e a UDP, criou o Bloco de Esquerda; mais tarde (creio que até por imposição da lei dos partidos), PSR, UDP e Politica XXI dissolveram-se como partidos, sendo substituídos respetivamente pela Associação Política Socialista Revolucionária, pela Associação União Democrática Popular (creio que esta manteve a sigla) e pelo Fórum Manifesto. Dentro do Bloco, a Política XXI / Fórum Manifesto é (ou era...) conotada como a ala mais moderada e mais aberta a acordos com o PS; a impressão que tenho é que, a partir de certa altura, passou a ser também a facção mais abertamente eurocética e mais dada a admitir a hipótese da saída do euro (mas admito que esta minha caracterização da evolução recente do Fórum Manifesto seja bastante discutível). Até à ultima convenção, o Fórum Manifesto era parte integrante da "maioria governante" do Bloco (e até era acusado pela Ruptura/FER - a "oposição de esquerda", que veio a dar origem ao MAS - de estar sobre-representada nos orgãos dirigentes), mas em 2012, se alguns dos seus membros continuaram a integrar ou a apoiar a "moção A", muitos outros participaram na "moção B".

Bem, e após esta longa introdução, o que tenho eu a dizer da nova cisão? Pelo menos uma coisa - que no caso da Ana Drago, se ela realmente sair do Bloco, não percebo muito bem como, em seis meses, alguém passa de membro da direção de um partido a ex-aderente do partido (sem sequer passar pela posição intermédia, de se candidatar contra a atual direção); isto é, se alguém se manteve anos na direcção e a apoiar a lista maioritária, parte-se do principio que não tinha diferenças significativas com a direção e as que tinha achava possivel tentar mudar as coisas a partir de dentro, em vez de apoiar uma candidatura alternativa; de repente (ou em seis meses) chega à conclusão que, não só as suas divergências com a direção são muito grandes, como até as divergências com o conjunto do aderentes do partido serão tão grandes que nem sequer vale a pena apresentar uma moção e listas oposicionistas (ainda mais que vai haver uma convenção daqui a quatro meses)? Sinceramente, parece-me a atitude de alguém que está à espera que as coisas lhe caiam no colo já feitas ("Se os órgãos dirigentes não concordam com as minhas ideias, não tento mudar as coisas, vou-me embora"), ou de quem vê a política mais como acordos e negociações de bastidores de que como uma luta aberta pelas suas ideias (o que, confesso, não era nada a ideia que eu tinha da Ana Drago), e portanto acha que, se não consegue convencer a "elite" do partido, então não há nada a fazer... (para falar a verdade, até ontem eu estava convencido que muito provavelmente a Ana Drago iria derrotar a atual direção na próxima convenção do BE).

Em tempos, Albert Hirschman escreveu que os descontentes com uma organização tinham 3 caminhos possíveis: "exit", abandonar a organização; "voice", fazer oposição interna; e "loyalty", permanecer esperando que as coisas melhorem. Dá-me ideia que grande parte do Fórum Manifesto passou diretamente da "loyalty" ao "exit" sem passar pela "voice" (isto é, podem ter feito "voice" nos órgãos dirigentes, mas junto dos militantes de base portaram-se quase sempre como membros leais da maioria).

Para um contraste (e mantendo-nos na área do FM), veja-se o caso de Daniel Oliveira - há muitos anos que expressou posições criticas da direção do Bloco; apoiou uma lista oposicionista; e, finalmente, chegou à conclusão que o melhor era sair. Concorde-se ou não com as posições de DO, é um percurso lógico e coerente. Já a Ana Drago, se realmente sair do Bloco (ainda tenho alguma esperança que ela venha desmentir a notícia), irá ser um percurso sem lógica nenhuma.

Adenda: confirma-se a saída de Ana Drago

4 comments:

Luís Lavoura said...

Constraste-se com a posição da Joana Amaral Dias, que de dirigente caiu em desgraça/desacordo com a direção do BE, mas manteve-se aderente.

Anonymous said...

A questão da saída do euro é cada vez mais relevante. E o BE em não perceber que esse é instrumento mais vil para a construção de um Europa que é exatamente o que não se quer de todo que possa acontecer. As posições de Louçã têm nesse aspeto sido profundamente hipócritas.
Vemos a esquerda europeia convergir quanto à necessidade de acabar com o euro.

Anonymous said...

Este artigo omite, por completo, a eleição para a concelhia de lx do be que Ana Drago perdeu copiosamente para um Mamadou Ba, que exceptuando a meia dúzia de militantes do SOS Racismo ninguém sabe quem é. Essa foi a pedra de toque que levou AD a sair.

Anonymous said...

A questão do euro é, de facto, cada vez mais relevante, mas nunca se viu, da parte dos que abandonaram o BE qualquer insistência nesse debate. Pelo contrário. A única posição que se conhece é, precisamente, a que é defendida pelo Louçã.