Tuesday, December 29, 2015

Ainda o Rendimento Básico Incondicional (II)

Agora vamos à outra questão - se é possível um RBI financiado por algo que não "especulação financeira"; realmente suspeito que é muito mais fácil implementar um RBI quando este é financiado por rendimentos gerados a partir de bens/recursos propriedade do Estado/município/tribo/etc. (como no citado caso do Alasca, ou então das tribos índias norte-americanas que também têm uma espécie de RBI, financiado, nuns caso também por petróleo, e noutros por lucros de casinos) do que por impostos, por duas razões:

- por um lado, o RBI é mais fácil de "vender" assim; é difícil convencer as pessoas a pagarem impostos para "dar dinheiro a quem não faz nenhum", mas, pelo contrário, a ideia de os lucros dos bens que são "de todos" serem divididos igualitariamente por todos já é mais intuitiva

- por outro, mesmo economicamente faz mais sentido: lançar impostos para financiar um RBI (ou outra coisa qualquer, já agora) tem o problema de desincentivar a atividade económica (a exceção serão impostos sobre atividades nocivas, como a poluição, em que "desincentivar" é mesmo a ideia; mas, por outro lado, impostos sobre a poluição também podem ser vistos como uma forma peculiar de "rendimentos gerados a partir de bens propriedade pública"); esse problema já não existe quando se trata de rendimentos não-fiscais que, de qualquer maneira, o Estado já está a receber e o que é preciso é apenas decidir onde os gastar

É verdade que um RBI financiado por rendimentos gerados a partir de bens propriedade pública não implica forçosamente investimentos especulativos, mas há uma grande proximidade entre as duas coisas; sobretudo, nos casos de rendimentos derivados de recursos naturais finitos (como o petróleo), os tais investimentos especulativos são quase inevitáveis - desde o principio que é sabido que essa fonte de receita vai acabar um dia, logo é necessário re-investir os lucros noutras coisas e viver, não com os lucros iniciais, mas com os lucros dos lucros. Mas eu diria que isso não é tanto um problema do RBI, mas um problema geral de uma economia petrolifera e/ou  mineira, tenha ou não RBI (poderá quando muito parecer um problema do RBI por uma espécie de ilusão derivada de se calhar ser mais provável uma economia mineira/petrolífera vir a ter RBI) - já agora, um exemplo do que pode acontecer a uma economia mineira quando as reservas se acabam e os investimentos correram mal.

Ainda a respeito da ideia de um RBI financiado por impostos sobre a poluição (ou, mais exatamente, pela venda de quotas para poluir), eu em tempos fiz umas contas, e cheguei à conclusão que daria 800 euros/ano por pessoa; mas entretanto conclui que deveria haver algum erro nesses cálculos, porque vi contas parecidas para os EUA dando valores muito menores (mais exatamente, dando uma receita total de 80 mil milhões de dólares, o que daria uns 250 dólares/ano - cerca de 225 euros - por pessoa).

[Post publicado no Vias de Facto; podem comentar lá]

Ainda o Rendimento Básico Incondicional

Numa discussão no Facebook sobre o RBI, um amigo dizia que simpatizava com a ideia, mas só a defenderia quando lhe demonstrassem que era viável com um valor que não fosse miserável nem financiado por "especulação financeira".

Um pouco de contexto - a referência ao valor miserável tinha a ver com a ideia que eu tinha sugerido de um RBI de 200 euros por adulto e 100 por menor; a referência à especulação financeira tinha a ver com o exemplo do Alasca, cujo RBI é financiado pelos rendimentos dos investimentos feitos com os direitos de exploração petrolífera.

Vou tentar responder a essas questões aqui, quer porque comentários do Facebook não são o meio mais adequado para exposições aprofundadas, quer porque isto pode ser de interesse para mais gente do que apenas para quem estava a ler a conversa (penso que o meu amigo não se vai importar).

Primeiro, a questão do "valor miserável" - o valor de 200 euros (um pouco mais que os 178,15 euros do RSI, um pouco menos que os 201,53 euros da pensão não contributiva) será assim tão pouco? Imagine-se uma família com um pai, uma mãe (ambos com um ordenado de 600 euros) e um filho; 200 euros por adulto mais 100 euros por criança levaria a que o rendimento mensal desta família passasse de 1200 para 1700 euros - não me parece um salto assim tão pequeno (se calhar é quase a diferença entre estar na "classe baixa" ou na "classe média"). Bem, a minha ideia era a implantação do RBI ser acompanhada pela abolição do RSI, das pensões não contributivas, do abono de família e talvez do valor mínimo da dedução especifica do IRS, pelo que o aumento do rendimento desta família não iria ser bem 500 euros (iriam perder 26,5 euros do abono de família, e talvez pagar mais - em conjunto - 88 euros de IRS por mês).

Eu suponho que a referência a "valor miserável" resulta do que eu penso ser um equívoco à volta do RBI - que a ideia seria dar a cada pessoa um rendimento que lhe permitisse deixar de trabalhar se assim o entendesse (e o "incondicional" tem vindo a ser interpretado sobretudo como "mesmo que não faça nada" - e a crescente tendência para apresentar o RBI como solução para o problema imaginário do desemprego supostamente causado pela automatização imaginária vai nesse linha), e efetivamente seria difícil alguém viver só com 200 euros por mês (ou uma família de 3 pessoas com 500 euros); mas a ideia não é (ou, pelo menos, não era) essa - de certa maneira, é (era?) quase a oposta: criar uma prestação social que abranja também quem trabalha e não apenas os desempregados e "excluídos" (como, seja por decisão explícita - como no subsídio de desemprego - ou por resultado implícito - como no RSI - acaba por acontecer com os subsídios atualmente existentes), e sem os desincentivos a procurar trabalho que tendem a ocorrer nos sistemas atuais (ou seja, a ideia implícita no "incondicional" até era mais "recebes sempre, mesmo que até tenha um bom emprego com um bom ordenado" e não tanto "recebes sempre, mesmo que a única coisa que faças na vida seja tocar guitarra na Rua do Comércio").

[Post publicado no Vias de Facto; podem comentar lá]

Monday, December 28, 2015

Um argumento a evitar na defesa do Rendimento Básico Incondicional

Com sabem, eu simpatizo com a ideia de um rendimento básico incondicional (RBI); no entanto, cada vez mais tenho visto ser usado em defesa do RBI um argumento que não acho muito forte: a de que o RBI seria a melhor solução para o problema da falta de empregos causada pela automatização (ver, p.ex., este post do João Vasco Gama).

Já à partida, noto que outro argumento que costuma ser usado para defender o RBI é que desincentiva menos o trabalho que outros mecanismos de proteção social; logo o facto de umas pessoas serem a favor do RBI por estimular mais as pessoas a trabalhar (comparando com sistemas alternativos) e outras acharem que é a melhor solução para o problema de não haver empregos disponíveis leva-me a pensar que alguém deve estar enganado aqui (as duas posição não são propriamente contraditórias, mas penso que há uma clara tensão entre elas).

E qual é a meu principal problema com o argumento "destruição dos empregos por causa da automatização"? É que, se formos, não ler os artigos de opinião sobre o futuro da economia e/ou da tecnologia (onde a conversa da destruição de empregos por via da nova revolução tecnológica tem vindo a ganhar popularidade), mas ver as estatísticas, essa revolução-tecnológica-que-vai-destruir-montes-de-empregos-por-causa-da-automatização, simplesmente... não existe!

A melhor maneira de medir a automatização talvez seja pela evolução da produtividade do trabalho - a produtividade é calculada dividindo a produção total pelo número de trabalhadores (ou pelo número de horas trabalhadas - mas as duas metodologias não costumam dar resultados muito diferentes), logo quanto maior a automatização, maior a produtividade.

Um gráfico do Bureau of Labor Statistics norte-americano com a evolução da produtividade nos EUA nas últimas décadas:



Atualmente o crescimento da produtividade até é substancialmente menor ao que foi no período de 47-73 (que até foi talvez a época em que o mundo ocidental esteve mais próximo do pleno emprego). Logo, se a automatização maciça que as estatísticas indicam que terá ocorrido nos anos 50/60 não provocou nenhum desemprego por aí além, não há de ser a automatização insignificante (mesmo o período recente de maior crescimento da produtividade, de 2000 a 2007, não chegou ao ritmo de 47/73) que está a ocorrer hoje em dia que o vai provocar. É verdade que a crise económica pode ter contribuído para esse baixo crescimento da produtividade (porque muitas vezes as empresas, mesmo com menos encomendas, não despedem trabalhadores, ficando à espera que as coisas melhores, o que diminui a produção por trabalhador), mas duvido que seja só por causa disso.

[Já agora, uma nota sobre o conceito de "produtividade do trabalho" - ou, mais exatamente, de "produtividade aparente do trabalho": como disse, trata-se apenas de um rácio matemático, sem nenhuma ligação necessário com se trabalhar "bem" ou "mal", "muito" ou "pouco"; digo isto porque por vezes parece-me que este aspeto se perde nalgumas discussões, nomeadamente no clássico "os trabalhadores portugueses têm baixa produtividade; mas quando vão para fora toda a gente diz que são muito bons", como se a produtividade do trabalho fosse, não o tal rácio matemático, mas uma característica do trabalhador]

Claro que se poderá dizer que, mesmo com uma taxa de crescimento menor, a produtividade hoje em dia é maior do que era há 40 anos (e ainda maior do que há 300 anos...), logo temos a tal automatização, mas parece-me que para isto é mais relevante o nível de variação do que propriamente o valor absoluto (senão em cada ano teríamos uma revolução tecnológica sem precedentes, com um nível de produtividade nunca visto até então na história).

E, se olharmos em volta, nomeadamente para o trabalho mais "físico" e/ou menos qualificado, vemos alguma automatização por aí além comparando com, digamos, os anos 90? Olhe-se para uma loja, um restaurante, um estaleiro de construção civil, uma exploração agrícola, um hotel, uma traineira de pesca, etc; será que usam significativamente mais máquinas e menos pessoas do que há 20 anos? Pelo que vejo (e admito que é mais fácil "ver" nuns sectores do que noutros), não me parece - por exemplo, o barbeiro onde eu vou desde os 6 anos cortar o cabelo parece-me igualzinho. Ok, no caso das lojas, admito que haja uma automatização "invisível" - uma loja "física" (seja de que produto for) tem mais ou menos o mesmo pessoal e tecnologia que uma loja de há 20 anos, mas agora há também as lojas virtuais, que suponho tenham muito menos pessoal (mas até que ponto o menos pessoal no atendimento ao cliente não é compensado por mais pessoal a entregar encomendas é discutível). De qualquer maneira, parece-me que nesses sectores as grandes inovações tecnológicas poupadoras de trabalho ocorreram nos anos 50, 60, 70, um pouco nos 80 (sobretudo em Portugal, em que demoramos um bocado a adotar tecnologias que já estavam generalizadas noutras países), e que hoje em dia o que há é inovações aqui e ali, mas nenhuma revolução tecnológica digna desse nome (e muitas das inovações poupadoras de trabalho parecem-me ser, não via automatização, mas simplesmente pôr os clientes a fazer o trabalho que antes era feito pelos empregados).

Veja-se, aliás, a popularidade que, na banda desenhada e/ou na ficção cientifica, o robot antropomórfico (ou pelo menos com braços e algo similar a pernas) tinha nos anos 50-60-70, desde o "Lampadinha" (um personagem criado em 1956) até aos robots da Guerra da Estrelas (1977) ou os cylons da Gallactica (1978), enquanto hoje em dia parece-me que quase só aparece em obras que são continuações de obras anteriores (como as séries Guerra das Estrelas/Star Wars ou Exterminador Implacável) - provavelmente o sinal de uma época em que a expetativa era de que o trabalho físico fosse ser quase todo feito por máquinas.

Nos dias de hoje, o grande progresso tecnológico parece-me sobretudo centrado num sector especifico - o trabalho mental não-criativo, como empregos "de escritório" e afins, que é o género de trabalho que é facilmente feito por computadores (nem o trabalho físico nem o trabalho criativo parecem-me muito adequados a serem feitos por computadores) - e, voltando ao tema da cultura popular, parece-me que nas últimas décadas o computador tem ganhado grande terrenos ao robot como protagonista de filmes e livros (um indicio que ultimamente a automatização tem sido sobretudo ao nível do trabalho mental e vez do físico?). Mas talvez seja por isso que entre as classes intelectuais é popular a ideia que está a haver uma grande destruição de empregos por causa da automatização: a automatização até não é muita no conjunto da economia, mas está a ocorrer ao pé deles (não tanto nos seus trabalhos, mas nos trabalhos de pessoas muitas vezes nos mesmos edifícios).

Leituras recomendadas, que podem parecer não ter nada a ver com o assunto, mas acho que até têm:
America, the Boastful, por Paul Krugman (1998)
- The Skill Content of Recent Technological Change: An Empirical Exploration [PDF], por David H. Autor, Frank Levy e Richard J. Murnane

[Post publicado no Vias de Facto; podem comentar lá]

Ainda sobre a dominação ideológica da classe dominante

Ainda acerca disto, noto que, se substituirmos o Pai Natal pelo distribuidor de presentes da minha infância (o "menino Jesus", que por sua vez acaba por ser um semi-sinónimo de Deus), temos simplesmente as críticas tradicionais à religião; sobretudo os pontos 1 e 2 são equivalente às críticas de que a ideia de Deus é usada para legitimar como justas a desigualdade económica e a autoridade dos governantes.

Friday, December 25, 2015

Pai Natal - agente da burguesia?

5 Signs That Santa Claus Is Actually a Puppet for the 1%:

[U]pon closer examination, I began recognizing Santa for what he is: a tool for the 1%.

It’s time to pull back his beard and expose Santa for who he really is; here are 5 clues that Mr. Claus is in lockstep with the elite

Tuesday, December 22, 2015

Uma nota sobre bancos

Será que a melhor coisa que pode acontecer aos paises da "periferia" europeia não é exatamente os "seus" bancos ficarem nas mãos de grandes grupos bancários internacionais?

Veja-se o caso da Grécia - se a Grécia não tivesse bancos próprios, se calhar tinha conseguido encostar "as instituições" à parede no Verão passado, já que o BCE já não teria a arma de cortar (ou, em rigor, não aumentar) o financiamento à banca grega para os obrigar a aceitar o acordo com os credores; no fundo, uma das razões porque as cidades dos EUA podem ir à falência (por outras palavras, reestruturar a dívida) sem haver risco de sairem do dólar é exatamente porque os balcões bancários abertos nessas cidades são agências de bancos pan-norte-americanos, não são bancos locais.

Sugestão de leitura: Do the Greeks need Greek banks?, por Nick Rowe (Worthwhile Canadian Initiative)

A minha visão da situação política em Star Wars - Episódio 7

[Possíveis spoilers]

Thursday, December 17, 2015

A dieta vegetariana é a que mais prejudica o meio ambiente?

Parece que sim, mas tenho dificuldade em perceber a lógica - afinal, comer carne implica que antes esses animais comam vegetais, e ainda por cima para produzir uma caloria animal, esse animal vai ter que ingerir mais que uma caloria vegetal (se fossêmos pelo que é ensinado nas aulas de biologia do 8º ano, seria necessário 10 calorias vegetais para produzir uma caloria animal, mas no caso do gado doméstico o rácio é menor do que os 10:1, já que as espécies foram selecionadas durante milénios para maximizarem a rentabilidade); ou seja, comer carne não implicaria ter tudos os custos ambientais associados à produção inicial dos vegetais que vai ser comidos pelos animais, e depois ainda os custos associados à criação dos animais? A menos que produção de vegetais para serem comidos por animais tenha custos ambientais muito inferiores à produção de vegetais para consumo humano direto (afinal, normalmente não são os mesmos vegetais - nós nem conseguimos digerir erva, e "fibras" em geral).

Este parece ser o estudo original, Energy use, blue water footprint, and greenhouse gas emissions for current food consumption patterns and dietary recommendations in the US.

já agora, uma coisa que acho irritante é quando na comunicação social portuguesa (incluindo na online) se faz referência a "estudos" sem indicar quase nenhuma pista (como um link, ou o nome do estudo, ou o jornal acadêmico que o publicou) que permita chegar ao estudo; aqui, a notícia do SAPO Lifestyle nem sequer linkava para o artigo de The Independent que referiam (suponho que fosse este). Se na imprensa escrita ainda se percebe (mas mesmo aí poderiam publicar os títulos dos estudos), na on-line não têm grande sentido não terem links para o estudo original (ou nem sequer para o artigo jornalístico onde foram buscar a notícia).

Wednesday, December 16, 2015

A extinção progressiva da sobretaxa (alterado)

Versão original:

Se foi isto[pdf] que foi aprovado na reunião de hoje da Comissão Parlamentar do Orçamento[pdf], não parece ter nada a ver com o que tem sido anunciado - basicamente, parece-me uma redução para metade para toda a gente (sem os tais escalões e progressividades que se falava).

Mas talvez a proposta tenha sido entretanto alterada (talvez só nos próximos dias se saiba exatamente o que foi aprovado).

Alterado:

Afinal, é uma versão diferente, já com a tal progressividade[pdf]

Adenda 2:

O ponto 5 do artº 2º-A da proposta aprovada ("Da aplicação das taxa da tabela constante do nº 1 não pode resultar, em caso algum, a obtenção pelo sujeito passivo de um resultado líquido de imposto inferior ao que obteria se o seu rendimento coletável correspondesse ao limite superior do escalão imediatamente inferior") não anulará este suposto problema?

"Não representa o tradicional professor de matemática"

Nesta entrevista a Cédric Villani, o Expresso diz pelo menos 3 vezes que não corresponde ao estereótipo do matemático; pois a mim a impressão que fiquei (sem nunca ter ouvido falar dele antes) é que corresponde exatamente ao estereótipo de "excêntrico" associado aos matemáticos.

Sunday, December 13, 2015

Politica franco-portuguesa

O partido A fica em primeiro lugar, o B em segundo e o C em terceiro.

O partido B está à esquerda do partido A e à direita do partido C.

Os partidos B e C têm, em conjunto, mais votos que o partido A.

O partido C "dá" os seus votos ao B, e a aparente vitória do partido A transforma-se numa derrota em toda a linha.

Tuesday, December 08, 2015

restituição versus retribuição

Stephen Kinsella, um jurista anarch-libertarian faz a defesa interessante que a retribuição é prioritária em relação à restituição (numa sociedade, digamos, anarquista).

O problema de pré-fixar níveis de indemnização monetárias por morte como espécie de restituição (indemnização civil) é os ricos... poderem pagar.

Eu penso que esse problema talvez não exista - eu tenho a ideia que um sistema de restituição (em que os crimes são punidos com o pagamento de indemnização à vítima - ou aos seus herdeiros) pode sempre ser convertido num sistema de retribuição "olho por olho, dente por dente", se a vitima (ou os herdeiros) assim o entender.

Explicando o meu raciocínio: imaginemos que o castigo por matar alguém é pagar, digamos, 22.800 euros aos herdeiros da vítima; à primeira vista pode pensar-se que assim quem tenha muito dinheiro pode assassinar impunemente - afinal, o que são menos 22.800 euros? Mas a partir do momento em que ele paga os 22.800 euros aos herdeiros da vítima, estes podem sempre matá-lo também, e pagar o "preço de sangue" usando os 22.800 euros novinhos em folha que acabaram de receber (por outro lado, se ele não pagar, ainda mais fácil é - matam-no e dizem "ele devia-nos 22.800 euros, temos que pagar 22.800 euros aos herdeiros - é só fazer o acerto de contas e ninguém deve nada a ninguém").

Generalizando, num sistema em que o crime X é punido pagando à vitima/herdeiros a indemnização Y, a vítima/herdeiros tem sempre a possibilidade de cometer ele o crime X e usar o Y recebido para pagar o indemnização compensatória; e assim, na pratica um sistema restituitivo pode sempre se tornar num retributivo se a vítima/herdeiros assim o entender.

Estou assumindo um sistema sem "custos de transação" ou intermediação (comissões, taxas, honorários de advogados, etc.) - se esses custos existirem, afeta um pouco o raciocínio exposto (já que o que se paga para cometer um crime passa a ser um valor mais elevado do que o que se recebe por se ser vítima de um crime) mas penso que não no essencial (só se os tais custos de intermediação fossem muito elevados).

direito penal, restituição, retribuição e o ricos

Stephen Kinsella, um jurista anarch-libertarian faz a defesa interessante que a retribuição é prioritária em relação à restituição (numa sociedade, digamos, anarquista).

O problema de pré-fixar níveis de indemnização monetárias por morte como espécie de restituição (indemnização civil) é os ricos... poderem pagar.

Mas se a prioridade fosse a retribuição (sim, um olho por olho), um rico culpado por uma morte premeditada, estaria sujeito à retribuição de ser morto (pelas vítimas-herdeiros). Se pudesse negociar com as vítimas-herdeiros a não aplicação da retribuição (morte) iria em princípio pagar algo proporcional à sua riqueza, ou quem sabe, toda, ou sujeito a ser morto.

PS: A pena de morte seria pouco reivindicada mesmo no caso de pessoas com menos posses, se as vítimas-herdeiros tiverem a capacidade de negociar com o criminoso, o pagamento de indemnização futura, fruto do seu trabalho e rendimento futuro, teriam interesse que o pudesse fazer em boas condições. Instituições especializadas com espaços próprio (em vez das prisões actuais com os problemas que sabemos...) iriam oferecer a proporcionar essas condições. E ainda prévio a tudo isso, existiria a possibilidade de seguros de responsabilidade (do criminoso) sobre terceiros serem accionados. Seguros que seriam exigidos como norma standard para poder residir, trabalhar, circular.

Sunday, December 06, 2015

A democracia de Atenas: tentado evitar os problemas... da democracia



 * Demosthenes offers an example of the latter from Locri, a Greek colony in Italy, where the introduction of hasty or frivolous bills in the legislature was discouraged as follows:
In that country the people are so strongly of opinion that it is right to observe old-established laws, to preserve the institutions of their forefathers, and never to legislate for the gratification of whims, or for a compromise with transgression, that if a man wishes to propose a new law, he legislates with a halter round his neck. If the law is accepted as good and beneficial, the proposer departs with his life, but, if not, the halter is drawn tight, and he is a dead man.2
We’ve seen that the Athenians sought to avoid devices of representation wherever possible.  But when representation was necessary, Athenians preferred to select representatives by lot, via the method of “sortition.”  This is how we pick juries today, but the Athenians filled most other offices by the same means. They reasoned that elections tend to be won by those who are wealthy and prominent – in other words, by members of the upper classes. Sortition, by contrast, ensures that those selected will be a representative cross-sample of the population. 

*Democratic worries about the ability of the rich to translate their wealth into political power were likewise embodied in the institution of ostracism, whereby an individual could be voted into temporary exile with no charges or opportunity for defense.

*Juries, as I noted in the previous installment of this series, were extremely large by our standards, ranging from hundreds to thousands of members. This was partly to ensure proportional representation, and partly to prevent jurors from being bribed or intimidated.

* The Athenian solution, in the event of a guilty verdict, was for the prosecutor and the defendant each to propose a penalty, and the jury would then choose between the two penalties. This policy gave the litigants an incentive to avoid proposing excessively harsh or lax penalties; while the defendant would of course propose a laxer penalty than would the prosecutor, too lax a proposed penalty would risk leading the jury to pick the prosecutor’s harsher penalty, while too harsh a  penalty from the prosecutor would risk the reverse.

* A wealthy person chosen for the “honor” of funding a public festival was allowed to shift the burden to someone even wealthier; the means of determining comparative wealth was for me, say, to challenge you to exchange all of your wealth for all of mine, on the assumption that if you refused, you thereby acknowledge that you’re wealthier.

Even slaves benefited to some extent (though of course not terribly greatly) from the incentive structure of Athenian law. A slave could escape abusive treatment by resorting to a special place of sanctuary – but could then leave the sanctuary only if he found a new buyer. That’s admittedly not much as checks and balances go, but the option does introduce a slightcompetitive element into the slave system and thus a slight incentive for masters to treat their slaves less cruelly.

Saturday, December 05, 2015

10 anos do Vento Sueste

Faz hoje 10 anos que comecei este blogue; assim vou relembrar alguns posts (ou séries de posts) que escrevi desde então:

- Democracia Participativa vs. Representativa A Democracia Participativa na América, Democracia Participativa e Representativa (II), A "Segunda República de Vermont", Democracia Directa na Revolução Francesa?, Democracia Directa na Revolução Francesa (II)?, Democracia Directa na Revolução Francesa (III)?, Democracia Directa na Revolução Francesa (IV)?, Democracia Directa na Revolução Francesa (conclusão)?, Afinal não foi a conclusão, Guérin e o "socialismo real", de dezembro de 2005 (parte dos posts são em debate com "Joana" do blogue Semiramis; o blogue foi entretanto apagado após o desaparecimento ou morte da autora, pelo que reencaminhei alguns links nesses posts para um arquivo com a cópia do blogue original, para se perceber o contexto da conversa)

- Linux, Wikipedia, etc. - capitalistas, comunistas ou o quê?, O anarco-comunismo é absurdo?,Re: Re: O anarco-comunismo é absurdo?, Re: Re: O anarco-comunismo é absurdo? - II, Re: Re: O anarco-comunismo é absurdo? - III, Re: Re: O anarco-comunismo é absurdo? - Um aparte final, Afinal ainda vou escrever mais qualquer coisa, Anarquismos - 3º Round - Parte I, Anarquismos - 3º Round - Parte II, Anarquismos - 3º Round - Parte III, Anarquismos - 3º Round - Parte IV, Anarquismos - 3º Round - Parte V, Anarquismos - 3º Round - Parte VI, Anarquismos - 3º Round - Parte VII, Anarquismos - 3º Round - Parte VIII, Ainda a questão de quem decide do uso da propriedade comunitária, Continuando com a discussão sobre o anarquismo, Acerca de Ayn Rand, Continuando..., Espero que ainda tenham paciência para me aturarem com este assunto..., A polémica Carson-Reisman, A propriedade "natural" e Re: Comentários Finais, de  junho de 2006; a maior parte da conversa consiste num debate com Dos Santos do blogue My Guide to your Galaxy

-  A minha análise aos rankings das escolas públicas e privadas, de outubro e novembro de 2007; atenção que são 25 posts, pelo que quando chegarem ao fim da página, vão ter que clicar algumas vezes em "Older Posts" até os conseguirem ler todos (o primeiro a ser publicado - e portanto o mais abaixo - foi este e o último - ou seja, o primeiro que vão ver - foi este)

- Kika, gestora de activos financeiros Mercados financeiros - informação intercalar, Balanço dos investimentos da Kika, de fevereiro e março de 2008, onde se compara a capacidade de gestão de investimentos da equipa de gestão de um fundo de investimento bolsista com as de uma gata siamesa (esses posts podem ser conjugados com este, A "hipótese da eficiência dos mercados" e as suas implicações, de dezembro de 2011)

- Porque o liberalismo está condenado ao fracasso (I), (II), (III), (IV), (V) e (VI), de outubro de 2009

- Há benefícios sociais na educação?, Há benefícios sociais na educação? (II), (III),  Há prejuizos sociais na educação? e Há prejuizos sociais na educação (II)?, de setembro de 2010

- A vontade indómita e a sociedade "industrial-burguesa", de maio de 2011, acerca, entre outras coisas, da obra de Ayn Rand "Vontade Indómita"/"The Fountainhead" (que nunca li)

- Quando é que começa a vida de um zangão?, de março de 2012

- Re: Impossibity of Anarcho-Capitalism, Re: Impossibity of Anarcho-Capitalism (II) e Re: Impossibity of Anarcho-Capitalism (III), de maio de 2013, uma análise ao artigo Impossibility of anarcho-capitalism [pdf], de Tony Hollick

- Keynes contra Hayek? e Keynesianismo e Estatismo, de maio de 2014

- Razão e emoção (I), (II), (III), (IV), (V), (VI) e (VII), de outubro de 2015

10 anos

Parabéns ao Miguel Madeira pelo muito que aqui tem escrito. Em vez de listar aqui alguns dos meus posts passados prefiro deixar a intenção de aqui voltar a escrever. Acho que por ter revisitado uma pequena pérola-americanada. Enquanto existirem anarquistas pacifistas-armados um pouco por todo mundo, há esperança.


Uma análise "oposicionista de esquerda" às eleições venezuelanas

El derrumbe del gobierno y el rol de la izquierda, por Simón Rodríguez Porras, candidato do Partido Socialismo e Liberdade (o PSL é um partido "trotskista-morenista", mas de uma sub-corrente do "morenismo" diferente da que em Portugal é representada pelo MAS).

Friday, December 04, 2015

A posse de armas e os direitos cívis nos EUA

How Guns Helped Secure Civil Rights and Expand Liberty, por Damon Root, no blogue da Reason:

Yesterday's brutal shootings in San Bernardino, California, have reignited America's long-running debate over guns. Much of that debate is currently focused on violent criminal acts committed with the help of firearms. That focus is understandable in the aftermath of this horrific event. But it's important to remember that firearms routinely serve noble purposes as well. For example, guns played a key role in the Civil Rights Movement and its long campaign to achieve racial equality. To illustrate that point, here are three stories from the Reason archives that discuss the ways in which privately owned guns helped to expand freedom and secure civil rights for countless numbers of black Americans.

Wednesday, December 02, 2015

A decadência ideológica de "Arrow"?

Na primeira época, o herói dedicava-se sobretudo a lutar contra criminosos de colarinho branco e enfrentava uma conspiração das pessoas mais ricas da cidade.

Na quarta, a série parece ir pelo caminho de achar que "anarquia" (e o género de anarquia que usa o símbolo do A dentro do círculo) significa caos e violência.