Wednesday, March 31, 2010

Criminalizar o bullying?

Fala-se em tipificar o "bullying" como crime - bem, em primeiro lugar, espero que na lei não apareça a palavra "bullying", porque senão irá ser uma trabalheira para em cada caso concreto decidir o que é isso (e o facto do PGR falar em "school bullying" em vez de em "bullying escolar" já é mau sinal).

Mas será que isso é boa ideia?

Receio que não - no caso da violência física, ela já é um crime por si só, e não é por isso que deixa de existir (criar um novo artigo na lei para isso já vai criar confusão).

E o caso da "violência psicológica" (provavelmente o bullying psicológico até será muito mais frequente que o físico)? É possível que a "violência psicológica" (sobretudo na pré-adolescência/adolescência, em que a nossa personalidade e estabilidade emocional são mais frágeis) até seja mais traumatizante do que a física, até porque é muito mais fácil defendermo-nos da violência física (em ultima análise, o compasso das aulas de Educação Visual ou o x-acto das de Trabalhos Oficinais podem dar uma ajuda) do que da psicológica; mas a criminalização servirá para combater a violência psicológica?

Duvido, porque:

- em primeiro lugar, é muito dificil a um observador externo distinguir entre violência psicológica prolongada e simples brincadeiras de mau gosto, logo o bullying psicológico seria quase impossível de provar num tribunal (com as implicações em termos de ónus da prova que um processo criminal tem)

- em segundo lugar, duvido que, confrontados com um caso de bullying psicológico, as autoridades judiciais o levassem a sério; p.ex., se naquele caso da rapariga dos EUA que se suicidou (e que agora originou um enorme escândalo, uma carrada de processos crime, etc.),  ela, em vez de se ter enforcado, tivesse ido à polícia ou a um tribunal queixar-se que as colegas chamavam-na de "vaca" (tentativa de traduzir "slut"), suspeito que lhe teriam-lhe respondido algo como "mas achas que não temos mais nada que fazer??".

- em terceiro lugar, se existir mesmo uma politica de ser duro com o bullying psicológico, ela pode degenerar facilmente em excessos de zelo, em que as pessoas fiquem com medo de dizer seja o que for uns aos outros, não vá alguém acusá-los de bullying

Re: Continuando a conversa

Ainda a respeito da aquisição original, Rui Botelho Rodrigues escreve mais algumas coisas, entre as quais:

Primeiro, gostava de salientar a distinção entre «uso» e «transformação». É que o processo de apropriação, como eu o entendo, não é apenas o simples uso, mas a transformação de um recurso natural de forma a acrescentar-lhe valor – um pedaço de terra coberto de vegetação selvagem não é o mesmo que uma plantação. Um ser humano pode utilizar a vegetação selvagem (por exemplo, colher frutos ou vegetais) sem o transformar: na verdade, o que acontece é que subtrai recursos, não acrescenta. Outro ser humano que transforme o terreno selvagem em propriedade produtiva fez o contrário: acrescentou recursos através do seu trabalho.
Eu ainda estou trabalhando em mais uns posts sobre a questão da ética argumentativa (uma combinação de muito trabalho no mundo real, desdobramento blogosférico e, sobretudo, procrastinação aguda estão a atrasá-los).

O ponto do uso vs. transformação até me parece bastante pertinente; no entanto, tinha uma questão acerca dele  - um agricultor itinerante (daquele modelo "queimar mata » plantar durante uns anos » mudar-se para outra zona"); considera-se "uso" ou "transformação"?

[E, já agora, volto a citar o meu post  Aquisição de propriedade sobre bens em “estado de natureza, que acho que gira muito à volta dessa questão e também algum outro material a montante e jusante]

Tuesday, March 30, 2010

Para o Alberto Gonçalves


Uma colectânea de ensaios organizada por Gerd Bayer, professor de Inglês da Universidade de Erlangen.

["Sucede que, ao contrário do hip hop, nem a "criatividade" do heavy metal beneficia de adulação externa ao culto (não conheço académicos empenhados em dissecar o lirismo da banda Nuclear Assault), ..."]

Bem, imagino que os textos sejam mais sobre a NWOBHM dos 80 e não sobre os norte-americanos Nuclear Assault, mas penso que isso não afecta o essencial do argumento.

Monday, March 29, 2010

Eurábia?

Muita gente especula que em poucos anos a Europa se tornará numa "Eurábia", devido ao crescimento da população de origem árabe e/ou islâmica.

O que se esquecem de referir é que já há vários anos que os EUA e vários países europeus, a começar pela França, são na prática teocracias católicas.

Ou pelo menos, eram suposto ser:

In the United States the lower birth rate of the Anglo-Saxons has lessened their economic and political power; and the higher birth rate of Roman Catholic families suggest that by the year 2000 the Roman Catholic Church will be the dominant force in national as well as in municipal or state governments.  A similar process is helping restore Catholicism in France, Switzerland, and Germany; the lands of Voltaire, Calvin, and Luther may soon return to the papal fold. [artigo publicado em 1968]
[Via Bryan Caplan e Razib Khan]

Friday, March 26, 2010

As contradições no seio da burguesia

Hoje o partido que é o representante por excelência dos interesses da burguesia portuguesa (o PS também representa interesses burgueses mas têm peculariedades especificas) vai a votos.

Actualmente, e nos próximos anos, penso que a maior contradição dentro da burguesia é/será entre os secotres virados para a produção de bens (sobretudo) e serviços que podem ser produzidos num sitio e consumidos noutro (como a agricultura e a indústria), e sectores que produzem bens e (sobretudo) serviços que têm que ser produzidos no sítio onde são consumidos (comércio, construção civil, e a maior parte do sector dos serviços) - a titulo simplificativo, vou chamar ao primeiro grupo "burguesia nacional" e ao segundo "burguesia compradora". Creio que a contradição entre estas facções da classe dominante irá se agravar à medida que questões como a permanência de Portugal no euro comecem a ser discutidas (ver este meu comentário em The Portuguese Economy).

Bem, e como isto se repurcute nos alinhamentos politico-partidários? A minha teoria - a direcção do PS e a "facção Passos Coelho" do PSD representam a burguesia compradora, enquanto o CDS/PP e a "facção Paulo Rangel" do PSD representam a burguesia nacional.

Gestores ameacam levar Estado a tribunal por congelar premios

"Várias fontes contactadas pelo Diário Económico salientaram que, ao abrigo da lei, o Estado não pode deixar de pagar a remuneração variável aos gestores com quem celebra os acordos em questão. Se o fizer, estes responsáveis poderão levar o Estado a tribunal, com quem assinaram individualmente os contratos em questão, para exigir o pagamento dos seus salários variáveis."

E se o Estado decidir pagar um salário variável de 1 euro? Afinal, se é um valor variável, ao menos "os accionistas" (i.e., o Estado) devem ter o poder de decidir o seu valor, imagino.

E sou só eu que acho estranho a ideia dos salários variáveis / prémios de desempenho, pelos vistos, serem quase um direito adquirido? Por defenição, não deveriam ser algo excepcional?

Wednesday, March 24, 2010

A organização social nos romances de fantasia / ficção cientifica

Ken MacLeod escreve sobre a aparente falta de imaginação dos autores de FC e de "fantasia" na descrição das sociedades e regimes politicos nas suas obras:

Earth has many states. Most of these have different systems of government. Some of them have different social systems. Earth is in this respect almost unique. Everywhere else the default is one government, and one social system, per planet - if not, indeed, per galaxy. At least, that's the rule in SF.

When we look at the ancient and mediaeval worlds, we see if anything a greater diversity of forms of rule than we see today. In fantasy, where we might expect a wide play of fancy, we see nothing of the kind. There are good monarchies, legitimised by prophecy or ancient artifact. There are evil empires, usually in the east. There are barbarian tribes. Here and there, if we're lucky, there are city states ruled by merchant princes. There are plenty of exceptions (...) but that's the rule.

(...)

Let's start with SF. There, it's easy. All we have to do is junk the rule of one government per world. If you have a one-world government for a reason, that's fine. But let's stop making it the default. Even if a human settlement is derived from one colony ship (and why assume that, by the way?), there's no reason to assume that it'll stay united. In fact, there's every reason why it shouldn't, as the population expands and moves into new territories. The European settlements in North America existed for centuries as separate colonies before they became, with much upheaval, the United States.


If it's an alien planet, of course, there's even more scope for differentiation, yet here the one-government-per-world rule is more rigorously kept. All the more kudos to you if you break it.

If the social system or government isn't just background but central to the plot - to illustrate your pet political theory, say - there's a different rule to junk. That rule is that all foregrounded political systems work the way they're supposed to. This is true even if the way they're supposed to work is to not work (crush the human spirit etc etc). Just for a change, I'd like to see a libertarian writer depict a laissez-faire society with persistent social problems. I'd like to see a left-wing writer show a socialist society that isn't a utopia, but has real, nigh-intractable difficulties and internal contradictions (and not just, say, radio-borne viruses beamed at it by malevolent posthumans).

(...)

With fantasy it's a little more complicated. So many plots, after all, turn on claiming rightful thrones or toppling dark lords that kingdoms and dominions can't be easily dispensed with. But there's no reason why these have to be simple. When your hidden princess at last ascends to her rightful throne, can she get away with relying on one or a few wise advisers? Mightn't she have to persuade a fractious parliament to come up with the money for the Defeat of the Dark Lord (Miscellaneous Provisions) Bill?

(...)

Can the Dark Lord, meanwhile, run his vast domain with a handful of henchmen, terrified minions and lickspittle courtiers? Doesn't he need, at the very least, some plodding but reliable bureaucrats? To say nothing of an arms industry and scientific - or magic - research, all of which will need some genuine enthusiasts. And all of this complication doesn't just add depth and colour to the background - it opens up plot possibilities. Does the Dark Lord's armourer never think of expanding his export markets? Might he not stoop to taking money even from the Forces of Good?


If you compare the map at the front of the standard fantasy trilogy with the maps in The Penguin Atlas of World History (for the Middle Ages, say) the contrast is striking. The almost fractal depth of mediaeval geographic complexity makes most fantasy maps look decidedly thin and unimaginative. A glance at the diagrams of state and social structures (for the various stages of the Roman Empire, for instance, or the mercantilist system) is likewise an eye-opener.
Eu até acho que MacLeod está a exagerar um bocado - sobretudo os romances de fantasia em que aparecem várias espécies (humanos, anões, gnomos, elfos, etc.) muitas vezes até apresentam uma grande diversidade de sistemas sociais e politicos - veja-se o Senhor dos Anéis (o filme, o livro não sei), em que os humanos têm uma espécie de monarquia (ou monarquias?), enquanto os hobbits parecem-me uma anarquia; ou em Eragon, em que os anões são uma espécie de aliança de clãs, e os elfos, acho, uma monarquia democrática.

Ainda sobre o mesmo assunto, temos Law and Institutions in the Shire, por William Stoddard, no qual o autor analisa a sociedade hobbit, considerando esta como estando na transição entre uma "chefia" e um "estado" (embora a definição que ele dá de "chefia" - "a group of settlements unified by personal allegiance to a single leader who has few coercive powers but gains influence from wealth and prestige" - não me pareça a definição clássica; o que Stoddard fala parece-me mais um sistema de "big men").

Tuesday, March 23, 2010

Efeitos dos computadores - um estudo empírico

A respeito do Magalhães, uma observação frequente é que foi lançado sem qualquer estudo sobre o impacto pedagógico de dar conputadores a crianças.

Recentemente saiu um estudo feito na Roménia (pdf) que pode lançar alguma luz sobre o assunto.

A maior parte dos estudos acerca dos efeitos dos computadores sobre as crianças têm um problema - mesmo que o estudo diga que as crianças que têm computador em casa apresenta, determonadas caracteristicas distintas das que não tê,, é díficl saber se essas diferenças são causadas pelos computadores ou por outras razões (p.ex., as familias terem maiores rendimentos).

No caso do estudo romeno, comparou-se as crianças de familias de baixos rendimentos que receberam um voucher no ambito de um programa estatal de divulgação dos computadores (ou seja, uma espécie de versão transcárpatia do e-escolinhas) com familias do mesmo nivel socio-económico que não o receberam, pelo que em principio não há terceiros factores (como rendimento ou educação) a poluir a análise.

As conclusões: o lado positivo - as crianças que têm um computador em casa sabem melhor como mexer em computadores (surpresa!) e têm melhores resultados num teste de inteligência (deste gênero); o lado negativo - as crianças que têm um computador têm piores resutados a Matemática, Inglês e Romeno.

O estudo também chegou a algumas conclusões curiosas sobre o efeitos das normas parentais - nos casos em que os pais impõem normas do género "tens que estudar 'X' horas por dia", os efeitos positivos de ter um computador mantêm-se, mas os negativos reduzem-se; pelo contrário, quando as regras são do tipo "não podes estar mais de 'Y' horas por dia no computador", os efeitos negativos mantêm-se, mas os positivos reduzem-se (ou seja, pelos vistos dá mais resultado obrigar as crianças a estudar do que proíbi-las de estar no computador).

[Via Freakonomics]

Monday, March 22, 2010

A reforma da saúde nos EUA

Foi aprovada a reforma do sistema de saúde nos EUA.

Quem ganha?

- As pessoas doentes
- As pessoas de rendimentos médios-baixos
- As companhias de seguros

Quem perde?

- As pessoas saudáveis
- Os contribuintes

(claro que muita gente estará simultaneamente em vários grupos)

Porquê?

[Ler mais no Vias de Facto]

Saturday, March 20, 2010

A etiqueta "anarquismo: esquerda vs. direita"

O Rui Botelho Rodrigues,  em resposta aos meus posts, publicou Direito Natural e Ética Argumentativa, Continuando a conversa (II) e Continuando a conversa (III).

Nos próximos dias, eu deverei responder (e ao Carlos Novais), mas para já chamo a atenção para algo que o RBR escreve:

na etiqueta do post o Miguel põe: anarquismo: esquerda vs direita. Ora, devo dizer-lhe que me considero de esquerda, não só porque o anarquismo é obviamente de esquerda, mas porque o liberalismo e a propriedade privada são-no igualmente. Lembremos que Bastiat, na assembleia francesa, se sentava à esquerda de Proudhon. Como Herbert Spencer analisou e bem, o marxismo é a aplicação de meios conservadores para fins liberais, ou seja: um objectivo de esquerda veiculado por meios de direita. E se é verdade que a questão terminológica não é importante para o essencial da questão, posso assegurar-lhe que não me considero de direita. Considero-me na extrema esquerda, e considero a abolição de propriedade privada e a propriedade comum como uma espécie de aberração absolutista e cristã, isto é, de direita.
Sem concordar totalmente com o que RBR escreve (ou talvez até discordando mais que concordando), mas também sem discordar completamente (agora penso no assunto, há quase um mês que tenho um post em rascunho que pode ter uma vaga semelhança com isso) , reconheço que é um ponto pertinente (diga-se que desconhecia essa posição de Spencer, que apenas atribuía a Rothbard). Assim, mudei a etiqueta para "anarquismo: socialismo vs. capitalismo".

Friday, March 19, 2010

As escolas que não controlam as saídas

Depois do bullying e afins, agora a preocupação é que "crianças [saiam da] sem que ninguém [controle] essas saídas".

Muito honestamente, nos meus 9 anos de escolaridade obrigatória, só num (no 8º ano, em 1986/87) é que foi implementado um sistema de controle de saídas de alunos - num sistema a 3 cores, escolhido pelos pais: verde (podia sair sempre que quisesse); preto (só podia sair depois do fim das aulas); e amarelo (sinceramente, não me lembro o que significava o amarelo). Como o CD da Escola Secundária Poeta António Aleixo era à época dominado por professores próximos do PCP, até havia quem dissesse que era o "muro da vergonha" (embora quase toda a gente - incluindo eu -  tivesse cartão verde). No 9º ano, já ninguém ligava a isso.

Aliás, na escola primária, tanto na Estrada de Alvor como na Mexilhoeira da Carregação, o nosso campo de brincadeiras favorito eram terrenos ao lado da escola.

E, no meu tempo, nunca ocorreu nenhum problema com isso (bem, numa das minhas escolas primárias, anos depois de eu lá ter andando, houve efectivamente um acidente grave com um aluno que tinha saído do recinto).

Na verdade, até suspeito que problemas como a tais "indisciplina" e "violência" ocorram mais se os alunos não puderem saír da escola - afinal, muitos dos alunos que aproveitem os "furos" para ir "vadiar" pelas redondezas serão provavelmente os mesmos que seriam propensos a armar distúrbios se ficassem dentro da escola.

[O que provavelmente deverá ser controlado não é quem saí da escola, mas quem entra...]

Thursday, March 18, 2010

A mefedrona (ou droga "miau-miau")

O Diário de Notícias relata que "[u]ma nova droga que já matou dois jovens na Grã-Bretanha está a preocupar as autoridades portuguesas".


Há dias, li um posto de Chris Dillow exactamente sobre isso (essa droga - a mefedrona):

 The demands that mephedrone be banned, following the deaths of two young men after taking it, remind me of last week’s story of Peter Chapman, the rapist who murdered Ashleigh Hall. Both are examples of a Frankenstein syndrome - a disproportionate fear of new technologies relative to old ones.

The thing is, many more young people die from taking alcohol than mephedrone - 5000 a year on one estimate. If we were serious about protecting youngsters from dangerous drugs, we would clamp down more upon alcohol. But we don’t. One reason for this is that alcohol is a known quantity and we have become accustomed to deaths from its misuse. Mephedrone is relatively unknown and unfamiliar, so it is more feared even if it is, objectively, speaking, no more dangerous than other substances [Note that the claim that mephedrone use is widespread is actually evidence of its relative safety - otherwise there would be many more deaths than have been reported.]
E, já agora, mais outro texto sobre o assunto.

«1984»

"1984", o romance de Orwell, foi escrito com a intenção de representar o extremo do totalitarismo, e ficou famoso por isso, tendo o nome "big brother" frequentemente utilizado para designar um poder omnisceinte que tudo sabe e controla.

Eu li o livro há 20 anos e já não me lembro bem dos detalhes, mas pelo que me lembro e pelo que tenho pensado, cada vez mais sou da opinião que, nesse aspecto, é uma obra falhada: a Oceania (e provavelmente também a Eurásia a a Estásia) seria melhor descrita como um regime autoritário do que totalitário.

Daqui a uns dias escreverei um post a explicar porquê, mas antes gostava de saber o que os leitores acham. Sirvam-se da caixa de comentários...

[pista para reflexão - a discussão que ocorreu há uns meses sobre se a classe média tem empregadas domésticas]

UK watchdog growls at govt over climate ads

"The UK’s Advertising Standards Authority has banned the
government from re-using again in their current form two
newspaper advertisements using nursery rhymes to warn of the
dangers of climate change.

It said in the judgment posted Wednesday on its website that
claims made in the print advertisements about future increases
in extreme climate events were too categoric to be a fair
representation of the consensus scientific opinion in reports in
2007 by the Intergovernmental Panel on Climate Change." Via Platts

Tuesday, March 16, 2010

Ainda o "caso Leandro"

Eu não faço a menor ideia se o Leando de Mirandela se suicidou ou não; não faço ideia se era uma vítima de bullying ou se era apenas um pequeno reguila que a dada altura se meteu com quem não devia; eu não sei e a maior parte das pessoas que têm falado do assunto também não sabe.

Mas o certo é que, caso eu me fosse suicidar jogando-me ao Arade não me dava ao trabalho de me despir antes (ainda mais em pleno Inverno).

Monday, March 15, 2010

Re: A "ética argumentativa" de Hans-Hermann Hoppe

1. "O acto de argumentar não implica a propriedade de sí próprio (é possível argumentar sem ser propretário de si mesmo)"

Mas mantém-se que Argumentar com o seu próprio corpo implica controlo absoluto sobre o seu corpo senão não existe Argumento.

2. Os filhos não são propriedade dos pais porque eles próprios são seres humanos com a capacidade de uso da razão e da argumentação (e o aborto a ter alguma justificação de direito/ética mas que não moral, só a terá por a mãe ser proprietário do seu próprio corpo expulsando assim um corpo que não deseja hospedar).

3."Hans-Hermann Hoppe não detém a plena propriedade do seu corpo".

Esse é o que chamo argumento da constatação da força. Por esse argumento poderíamos dizer que os escravos não tinham direitos naturais porque se constata que já existiam proprietários e não têm a força ou capacidade para o contrariar.

4. Argumentar que a propriedade resulta apenas de um mero acordo, significa que os entes que fazem esse acordo têm a capacidade de discordar e não chegando a acordo têm o direito a proteger a sua propriedade honesta. É assim preciso saber o que se faz com quem não acorda.

Para contradizer este argumento tem então de se passar para a linha oposta. Que toda a propriedade só existe como colectiva, é então necessário acordar que existe propriedade, mas não se chegando a acordo, a propriedade é colectiva (e sujeita a minoria).

Mas então pode-se questionar:

4.1. Mas como é que propriedade teve lugar historicamente, pedindo-se permissão a todos os outros?

4.2. Devemos inferir que a situação natural é então que a "colectividade" deve então organizar-se na forma de um Estado Mundial e que a própria ideia de independências é uma concessão feita pelo "Mundo" mas que pode ser revogada a todo o momento?

4.3. Podemos então também inferir que os Impérios, desde que a sua população seja maioritária em relação às colónias tem a propriedade das minorias em número?

4.4. Já agora podemos falar do tipo de "acordo" sobre a existência de propriedade. É maioritário (com os problemas atrás descritos) ou infere-se que tem de ser Unânime?

A "ética argumentativa" de Hans-Hermann Hoppe

Em parte em resposta a estes meus posts, Rui Botelho Rodrigues escreve "Uma reformulação do Direito Natural".

RBR baseia-se muito na "ética argumentativa" de Hans Hermann Hoppe, um economista anarco-capitalista. Basicamente, a tese de Hoppe é que o simples acto de alguém argumentar por uma dada posição (p.ex., contra a propriedade privada) implica reconhecer a propriedade privada: para argumentar, é necessário ter controlo exclusivo sob o recursos necessários para argumentar, a começar pelo próprio corpo (p.ex., sob as suas cordas vocais), logo a argumentação implica a propriedade privada ("Propositions are not free-floating entities. They require a proposition maker who in order to produce any validity-claiming proposition whatsoever must have exclusive control (property) over some scarce means defined in objective terms and appropriated (brought under control) at definite points in time through homesteading action."). - esta minha descrição é um bocado simplificada, o melhor mesmo é ler o post do RBR.

Acho que um óptimo argumento contra esta posição é o simples facto de eu estar a publicar este post num computador que não é meu (na verdade, o post já estava escrito há dias, mas só o publiquei agora para poder dizer isto) - ou seja, argumentar não implica deter a propriedade dos "meios de argumentação".

Outro exemplo - em termos de facto, Hans-Hermann Hoppe não detém a plena propriedade do seu corpo: ele está sujeito à legislação dos EUA e tudo o que ele produza com o seu corpo está sujeito aos impostos norte-americanos (e antes aos alemães); no entanto, ele argumenta em favor da sua "ética argumentativa" (e de mais uma carrada de coisas). Assim, se é possivel argumentar sem dispor da propriedade de sí próprio, isso quer dizer que o acto de argumentar não implica forçosamente estabelecer um direito de propriedade sob si próprio.

Mas podemos ir mais longe - mesmo que admitamos que para argumentar é necessário ser proprietário de si mesmo, daí não decorre necessariamente adoptar a tese hoppesiana/rothbardiana sobre a aquisição original de propriedade (através da ocupação original de recursos em "estado de natureza").

Na verdade, o principio da "ocupação original de recursos em estado de natureza" implicaria, não a auto-propriedade, mas que os filhos fossem propriedade dos pais (ou mais provavelmente dos avós, já que os pais também seriam provavelmente propriedade dos pais deles) - afinal, eu fui produzido, não a partir de recursos em "estado de natureza", mas de recursos que eram originalmente propriedade dos meus pais; e, de qualquer maneira, os meus pais "misturaram trabalho" em mim antes de eu existir propriamente (logo serão eles os "ocupantes originais").

Mas, mesmo deixando isso de lado, vamos comparar a teoria Rothbard/Hoppe (penso que pudemos juntar os dois) com outras teorias da aquisição de propriedade:

- a "teoria Locke", que é quase igual, apenas com a nuance que a aquisição original só é legitima se se deixar o suficiente para os outros. Aplicando este visão à propriedade de si mesmo, teríamos que eu posso reclamar a propriedade do meu corpo mas não posso começar a reclamar a propriedade dos corpos das outros pessoas, já que assim iria haver alguém que não poderia possuir o seu próprio corpo; na prática, em nada alteraria face à posição Rothbard/Hoppe

- a "teoria Proudhom/Tucker/Carson", segundo a qual os recursos naturais devem ser propriedade (ou um nome parecido) de quem os "ocupa e usa" actualmente (em vez de do ocupante original ou a quem este tenha transferido a propriedade) - a regra de "a terra a quem a trabalha, a mina aos mineiros". Aplicando este raciocínio à propriedade de si mesmo, significaria que eu apenas poderia possuir o meu corpo enquanto eu habitasse o meu corpo, e que a propriedade absentista de corpos alheios seria considerada não-válida

- a "teoria Henry George" segundo a  qual toda a gente tem igual direito à propriedade dos recursos naturais; aplicando isso à propriedade de corpos, em principio significaria que cada um tem o direito a possuir 1 corpo, nem mais nem menos

- finalmente, a teoria de que os recursos naturais são um free-for-all que toda a gente tem o direito de usar (podendo, se assim o entenderem, estabelecerem acordos do género "tu não mexes no terreno onde eu plantei rabanetes, e eu não mexo no terreno onde tu vais fazer corta-mato", mas que apenas obrigam a quem os assinou); se expandirmos essa regra para os corpos, nesse caso, efectivamente não há a tal propriedade de sí próprio (embora possa haver acordos voluntários dizendo "os signatários comprometem-se mutuamente a não se agredirem, matarem, etc."), mas eu continuo a poder usar o meu corpo para argumentar, já não numa base "o corpo é meu, logo eu posso argumentar com ele", mas numa base "o corpo não é de ninguém, logo ninguém me pode impedir de argumentar com ele"

Em termos  mais vastos, estes diferentes versões da aquisição original tem implicações bastante distintas, mas todas elas (talvez com algumas reservas face ao georgismo) são compatíveis com a ideia de um individuo usar as suas cordas vocais, dedos, etc. para argumentar; logo, é possivel argumentar a favor de qualquer uma delas (e de muitas outras, diga-se) sem entrar em contradição.

Em resumo:

a) O acto de argumentar não implica a propriedade de sí próprio (é possível argumentar sem ser proprietário de si mesmo)

e

b) A propriedade de sí próprio não implica a teoria Hoppe/Rothbard da aquisição original (há outras teorias da aquisição original compatíveis com a propriedade de sí próprio)

Ainda a esse respeito, recomendo o artigo Hans-Hermann Hoppe’s Argumentation Ethic: A Critique, por dois outros ancaps, Bob Murphy e Gene Callahan, publicado pelo Anti-State.com (o capítulo HOPPE CONFLATES USE WITH OWNERSHIP acaba por ser parecido com os meus 3º e 4º parágrafos).

Atualizado a 13/07/2016: Entretanto o Anti-State.com parece ter ido à vida, mas o Mises Institute também tem uma versão do artigo de Murphy e Callahan.

Saturday, March 13, 2010

As disciplinas na escola

No Vias de Facto (ver também este post de há 2 anos).

Fraudes no subsidio de desemprego: uma benção disfarçada? (II)

Rui Botelho Rodrigues responde ao meu post sobre as fraudes no benefícios sociais.

Em primeiro lugar, não vejo grande  "relativismo moral" a minha posição - "relativismo moral" é defender que a diferença entre o bem e o mal varia com as épocas e/ou os lugares, algo que não me parece que tenha defendido (a menos que RBR se refira à parte de as fraudes puderem ser boas ou más conforme os efeitos predominantes) - mas pronto, isto do que é ou não é "relativismo" é mais um pet issue meu.

Mas creio que, mesmo que aceitemos as premissas de RBR ("uma pessoa não nasce com direito a reivindicar uma fatia da produção das outras pessoas. Nunca ocorre, enfim, a ideia de que o acto de roubar deve ser condenado em qualquer circunstância"), podemos à mesma concluir que as fraudes nos benefícios sociais podem ser um bênção disfarçada... e exactamente nas mesmas circunstâncias!

Imagine-se 3 situações:

1 - O Joaquim tem um trabalho regular, tem o seu rendimento, e, em consequência, não recebe subsídios de desemprego ou prestações similares

2 - O Joaquim tem trabalho, mas diz-se desempregado para receber também o subsidio

3 - O Joaquim está efectivamente desempregado e, claro, recebe o subsidio

A minha tese original é que, em termos de eficiência económica, as fraudes são más se levarem à passagem da situação 1 para a situação 2, mas boas se levarem à passagem da situação 3 para a situação 2.

Mas, e se adoptarmos uma visão deontológica e vez de utilitária (e, especificamente, adoptarmos a deontologia de RBR)? Nesse caso, a mim parece-me que, se as fraude levarem à passagem da situação 1 para a 2, efectivamente serão más, já que significam um aumento do "roubo por via estatal"; mas, e se levarem à passagem da situação 3 para a 2? Bem, nesse caso, acho que (mesmo na tal perspectiva deontológica) a fraude continua a ser benéfica - o Joaquim vai gastar parte do que ganha no seu trabalho clandestino, logo vai pagar mais IVA e outros impostos indirectos; assim, o saldo liquido entre o que o Joaquim recebe do Estado e o que paga ao Estado vai ser menor, ou seja, o "roubo" é menor.

Em teoria, até podíamos imaginar um cenário em que o Joaquim fosse um contribuinte líquido, se os seus outros rendimentos fossem mais de 5 vezes maiores que as prestações sociais recebidas e ele gastasse tudo em bens sujeitos a uma taxa de IVA de 20%; reconheço que na prática é irrealista (embora em certas profissões, como a construção civil, haja um grande desnível entre o rendimento que um trabalhador independente pode obter e o rendimento, sobretudo o declarado, de um trabalhador dependente, o que pode levar a que haja realmente uma grande diferença entre o rendimento "clandestino" e o subsidio de desemprego recebido).

P.S.: eu até simpatizo com algumas ideias do Friedman

Friday, March 12, 2010

Fraudes no subsidio de desemprego: uma benção disfarçada?

Este meu texto foi publicado inicialmente n'O Valor das Ideias, de Carlos Santos, a título de "edição de aniversário" (em que o autor pediu a outros bloggers para escreverem textos). Como esse blogue já não está "no ar", republico-o aqui:

Imagine-se alguém trabalhando no “mercado negro” e recebendo um subsídio de desemprego ao mesmo tempo; ou não declarando esse rendimento para efeitos de RSI (recorde-se que 85% do valor dos rendimentos do trabalho auferidos é suposto serem descontados no RSI). Note-se que não estou a fazer qualquer juízo sobre se há muitas ou poucas pessoas nessas condições

É o género de coisa que costuma suscitar indignação generalizada, com a “direita” a dizer “Estes programas só servem para estimular a fraude” e a “esquerda” a dizer “Os programas são bons; claro, é necessário fiscalização a sério”.

Neste post vou explorar a hipótese alternativa: de as fraudes nos benefícios sociais poderem, em certos casos, contribuírem para uma maior eficiência económica.

Um dos argumentos económicos contra os programas sociais (ou, pelo menos, contra estes serem muito generosos) é estes, alegadamente, desincentivarem o trabalho – se eu estou a receber 100 contos de subsidio de desemprego e me oferecerem um emprego a ganhar 120, é possível que não o aceite, já que na prática iria apenas ganhar 20 contos. Mas, se eu continuar a receber os 100 contos (ou seja, recebendo 220 contos no total), o meu incentivo para aceitar o emprego é muito maior.

Assim, talvez possamos dizer que, quanto mais fraudes nos programas sociais existirem, menos esses programas terão efeitos distorcedores sobre a economia.

Claro que há o reverso da medalha – em princípio, mais fraudes significa mais dinheiro gasto nesses programas, logo mais impostos (e de novo as distorções económicas provocadas por esses impostos).

No fundo, determinar se as fraudes no subsídio de desemprego são boas ou más para a economia depende de duas questões: a primeira é o que fariam essas pessoas (que recebem subsidio e trabalham ao mesmo tempo) se lhes fosse impossível fazer isso? Iriam receber o subsídio e não trabalhar, ou iriam trabalhar legalmente (perdendo o subsidio)?

No primeiro caso, a fraude traduz-se em mais produção na economia com as mesmas despesas para o Estado; no segundo caso, a fraude traduz-se na (aproximadamente a) mesma produção e mais despesa pública. Ou seja, no primeiro caso a fraude é boa para a economia; no segundo é má (note-se que a realidade será provavelmente uma mistura desses dois casos extremos).

Depois temos a segunda questão: qual o grau de ineficiência económica provocada pelos impostos?

Recorde-se que as fraudes diminuem o desincentivo provocado pelos subsídios, mas ao mesmo tempo levam a um aumento da despesa pública, logo dos impostos.

Assim, se o aumento de impostos provocado pelas fraudes afectar bastante a actividade económica, pode contrabalançar o efeito positivo atrás descrito; pelo contrário, se essa sobre-carga fiscal não afectar o comportamento da generalidade dos contribuintes a fraude no subsídio de desemprego tenderá a ser globalmente benéfica.

Note-se que haver muitas ou poucas fraudes é irrelevante para aqui: a dimensão das fraudes poderá afectar o montante global dos efeitos positivos e negativos, mas não a questão sobre qual desses efeitos é maior.

De qualquer forma, acho que uma coisa podemos concluir – numa perspectiva puramente económica, faria sentido que quanto mais alguém acha que os programas sociais são “um enorme incentivo ao ócio e à dependência”, mais “tolerante” fosse perante as fraudes nesses programas (afinal, já vimos que as fraudes reduzem a tendência “ao ócio e à dependência”). No entanto, tal não parece suceder na realidade – muitas vezes as pessoas que mais criticam os efeitos “distorcedores” dos programas sociais são também as que mais falam contra as fraudes nesses programas.

Já agora, a minha opinião face a esses programas sociais – simpatizo com a ideia de serem substituídos por um subsídio uniforme pago a cada cidadão (o chamado “rendimento básico de cidadania”), o que em principio eliminaria os tais efeitos distorcedores e também reduziria bastante a possibilidade de fraudes (a única fraude possível seria criar “pessoas” falsas para receber subsídios adicionais, o que não é muito prático).

Uma nota final – este post foi vagamente inspirado por este (“In praise of benefit frauds”) do blogger britânico David Osler.

Proibir professores fascistas?

No Reino Unido, há quem defenda que os militantes do BNP deviam ser impedidos de ser professores. David Osler explica porque isso é má ideia.

Ainda o bullying

No Sapo, está em destaque uma noticia dizendo "Docente alvo de "bullying" - Ministério abre inquérito urgente a suícidio de professor".

Vai-se ler a noticia e supõe-se que o professor se tenha suicidade devido aos actos de indisciplina de alguns alunos; isto parece feito de propósito para dar razão ao João Miranda quando diz que este é um conceito "plástico e indefenido": afinal, penso que numa acepção mais rigorosa, um "docente alvo de bullying" seria um docente que fosse vitima de humilhações constantes por parte de outros professores, não? Pelo menos, acho que o termo costuma ser usado para actos ocorridos (mais ou menos) dentro da mesma categoria - raramente se diz que uma criança que seja regularmente espancado pelos país é uma vítima de bullying.

Os lugares-comuns sobre a educação

A respeito de um caso ocorrido numa escola algarvia, alguém comenta "Para já, que raio de Min. da Educação temos que permite alunos de 15 anos ainda andarem no 6º ano? Agora os meninos, coitadinhos, não podem reprovar, mesmo que não saibam conjugar o verbo "ser". Depois uma pessoa quer dar-lhes um rasanete... "

Será que não ocorre ao autor do comentário que não fa sentido criticar que o Ministério permita a alunos de 15 anos andarem no 6º ano e, logo a seguir, dizer que já não se reprova mesmo que não se saiba conjugar verbos? Se há alunos de 15 anos no 6º ano, quer dizer que reprovam, não? E o Ministério não permitir que alunos de 15 anos andem no 6º ano não seria, na prática, institucionalizar a passagem administrativa?

"Estruturas económicas", "organização social" e regimes politicos

No Vias de Facto.

Thursday, March 11, 2010

O referendo islandês

No sábado passado, cerca de 98% dos islandeses votaram contra o acordo de pagamento ao Reino Unido e aos Paises Baixos acerca do banco Icesave.

Para começar, uma explicação preliminar: o Icesave era a "filial electrónica" de um banco islandês, que efectuava as suas operações essencialmente no Reino Unido e nos Países Baixos, oferecendo depósitos de alto rendimento (aparentemente, o volume de negócios desse banco era muito superior ao PIB islândês).

Quando o sistema financeiro da ilha faliu, os governos britânico e holandês indemnizaram os seus nacionais que tinham investido no Icesave, tendo depois entrado em negociações com a Islândia para reaver o dinheiro (embora seja duvidoso que a Islândia tenha uma obrigação legal de pagar esse valor).

Em Dezembro, o novo governo islandês assinou um acordo com britânicos e holandeses, prevendo pagamentos bastante elevados pela Islândia, que foi bastante contestado, tendo (em resposta a uma petição popular) o presidente vetado o acordo e convocado o tal referendo.

Ali em baixo, o Filipe Abrantes escreve que "Vai haver renogociação. Como aquando dos referendos ao tratado de Lisboa. Votar Não não garante o Não, garante sim que se dê a volta até o Sim vingar na prática."; na verdade há meses que já esta a haver renogociação - inclusivemente há dias a primeira-ministra dizia que esse referendo já não fazia sentido porque ia-se referendar o acordo feito em Dezembro quando já foi assinado um acordo muito mais fabvorável para a Islândia.

No entanto, podem-se concluir duas coisas daí:

A primeira é que, se é assim, os cidadãos que se opuseram ao governo e se mobilizaram contra o acordo de Dezembro (e o presidente que convocou o referendo) prestaram um serviço ao país, mesmo de acordo com a primeira-ministra: afinal, parece já se conseguiu um acordo melhor (o que não aconteceria se o acordo original tivesse sido aprovado)

A segunda é uma questão mais importante, porque já não tem a ver com um problema concreto da Islândia mas com uma questão de politica geral - o tal acordo de Dezembro foi negociado por um governo de coligação entre a "Aliança Social Democrata" (centro-esquerda) e o "Movimento Esquerda Verde" (até há pouco tempo considerado "esquerda radical"), constituido após a queda do anterior governo de "bloco central.". O que dá que pensar é que a "Esquerda Verda" (que tem orgânica e historicamente muito mais a ver com partidos como o "nosso" BE, o Die Linke alemão ou o Synaspismos grego do que com os partidos "verdes" europeus), cujo líder é o novo Ministro da Economia, aceitou tão rapidamente impor pesados custos ao povo islandês para pagar os erros financeiros dos milionários locais; nos sites de noticias islandeses em inglês, era frequente os comentários do género "a Esquerda Verde, ansiosos por mostrar que sabiam «gerir o sistema», trairam tudo pelo que lutaram".

Tal mostra, por uma lado, que a participação de um partido de esquerda num governo dentro do sistema capitalista deve ser precedida de uma definição clara de que compromissos são aceitáveis ou não, para evitar a tendência para abandonar o programa mal entram para o governo; por outro, que tão ou mais importante que pôr a "esquerda radical" no governo, é haver lutas de movimentos de cidadãos suficientemente fortes para conseguirem alterar as decisões dos governos.

[também no Vias de Facto]

Monday, March 08, 2010

Vias de Facto

De agora em diante, vou andar também pelas Vias de Facto.

Sunday, March 07, 2010

As energias renováveis em Espanha destroiem mais empregos do que criam?

Segundo um estudo [pdf] publicitado pelo Blasfémias e pel'O Insurgente, sim.

No entanto, lendo o estudo, as conclusões não me parecem ter grande base.

Essencialmente, o que os autores fizeram foi calcular o dinheiro que foi investido nas área das energias renováveis e depois ver quantos empregos teriam sido criados que se esse dinheiro tivesse sido investido noutras áreas; como pelos vistos o rácio capital/trabalhador é mais alto nas renováveis do que na média da economia, eles concluem que o emprego que se geram nas renováveis é menor do que o que se perde nos outros sectores.

Porque é que  isso não faz grande sentido? Porque toda a discussão sobre se o investimento público estimula a economia gira há volta da questão sobre se a despesa pública é despesa privada que deixa de ser feita (ou seja, se há um cowding out de 100%) ou, pelo contrário, a despesa pública aumenta a despesa total da economia. Se for o primeiro caso, o “investimento público” não cria empregos, se for o segundo cria.

Ora , pelo que li parece-me que que eles assumem logo à partida um crowding out de 100% e calculam a perde de empregos a partir daí; mas isso parece-me um raciocínio que só convence os que já estão convencidos – afinal, o cerne da polémica entre os economistas é exactamente se o efeito de crowding out é de 100%.

No fundo, isso faz tanto sentido como um economista marxista publicar um paper dizendo que esse paper prova que o capitalismo caminha para o colapso e depois vai-se ver e afinal o paper partiu da premissa que a taxa de lucro tem tendência a descrescer…

[Isto é, se se faz um estudo partindo de premissas que logo à partida implicam logicamente uma dada conclusão, é evidente que o estudo vai ter essa conclusão]

Uma redução de beneficios fiscais é um aumento de impostos?

Há quem ache que sim.

Mas eu acho que não - um "beneficio fiscal" não passa de um subsidio que, por uma questão de comodidade técnica, é processado pelos serviços fiscais em vez de o ser pelo ministério que tutela o sector que recebe o beneficio.

Assim, uma redução de benefícios fiscais não é na realidade um aumento de impostos, mas uma redução da despesa.

Saturday, March 06, 2010

Re: Propriedade privada e anarco-comunismo (IV)

[Continuando a responder a Rui Botelho Rodrigues]

O Miguel escreve que «a propriedade (mesmo que pareça privada) é sempre uma criação, ou do Estado, ou da comunidade - se alguém é dono de algo, é porque o Estado e/ou a comunidade o reconhecem como dono.» Creio que existe aí um equívoco: uma coisa é o controlo exclusivo de um recurso escasso, outra o reconhecimento e defesa (ou condenação e ataque) desse controlo exclusivo. 

A mim parece-me que esse tal "controlo exclusivo" só existe se for efectivo - i.e., se eu tiver o controlo exclusivo de algo e ninguém respeitar o meu suposto "controlo exclusivo", eu não tenho "controlo exclusivo" nenhum.

Independentemente da opinião que tenhamos sobre o "direito de propriedade", mantenho a minha posição que o "facto de propriedade" só existe, ou pelo reconhecimento mútuo da comunidade, ou por ser garantido por um poder supremo.

Re: Propriedade privada e anarco-comunismo (III)

[Continuando a responder a Rui Botelho Rodrigues]

Por outro lado, o conceito de propriedade comum é impraticável: ou todos os cidadãos têm o direito de controlar todos os recursos e assim decidir o seu destino, ou então esse direito é delegado a outros indivíduos. Não é difícil imaginar o caos inerente a uma situação de real propriedade comum: todas as diferentes ideias e opiniões de todos os cidadãos sobre o uso de um determinado recurso iriam permanentemente estar em conflito; só no caso de todos concordarem sobre o uso específico de um determinado recurso poderia ser esse recurso utilizado justamente. Tal fenómeno é improvável numa comunidade de dez pessoas, e impossível numa comunidade maior.
 Repito o que escrevi aqui sobre como poderia funcionar a "propriedade comum" (ou o que lhe quisermos chamar):
[A] proposta apresentada por Neno Vasco no seu livro "Concepção Anarquista do Sindicalismo" (no capítulo "A Organização Comunista"):

"A garantia última e decisiva é o direito que, numa sociedade comunista, todos têm de entrar em cada uma das associações produtoras e de se servir dos instrumentos de trabalho que ela maneja (...)"

"Sob pena de não estarem socializados os meios de produção, nem abolida a autoridade, o sindicato, o grupo profissional do futuro tem de ser aberto e de não possuir exclusivamente os meios de produção. Cada um, se quiser, deve poder mudar de profissão ou até pôr-se a produzir individualmente. Quando, por exemplo, a união local tiver ultrapassado o ponto optimum, deixando a grandeza da associação de ser útil para embaraçar pela complexidade, fugindo à apreciação individual, os que assim o entenderem devem poder construir ao lado outra federação ou comuna".

Ou seja, basicamente Neno Vasco propunha um sistema em que os meios de produção, sendo propriedade da comunidade, fossem geridos pelos sindicatos / associações de produtores, que os poriam à disposição dos seus membros; qualquer pessoa teria o direito de entrar em qualquer sindicato; e um sindicato poderia subdividir-se se um grupo dos seus membros assim o entendesse.

Desta forma, teríamos uma sociedade, simultaneamente, sem Estado nem propriedade privada dos meios de produção (note-se que não digo "sem posse privada" - poderia perfeitamente haver instituições como o moshav israelita, em que a terra pertence à comunidade, mas cada família explora a "sua" parcela): os meios de produção seriam, em última instância, propriedade de todos, já que, se qualquer pessoa pode entrar em qualquer das sindicatos que os administram, quer dizer que toda a gente acaba por ter direito ao uso desses bens (podem é não exercer esse direito); e o poder não estaria centralizado num Estado, mas distribuído pelos vários sindicatos (em que até se poderiam subdividir).

Re: Propriedade privada e anarco-comunismo (II)

[Continuando a responder a Rui Botelho Rodrigues]

Passado o Estado original através de apropriação, o controlo exclusivo desse recurso pode ser transferido de duas formas: o produtor original pode voluntariamente trocá-lo ou ser expropriado: seja por um bando de criminosos, por um Estado ou por uma comunidade anarquista-socialista. É isto que Rothbard quer dizer com «a impossibilidade de socialismo sem Estado»: é que a única forma de impedir o advento da propriedade privada é através da sua apropriação por um grupo a que o produtor não consentiu qualquer autoridade para o governar e expropriar (seja esse grupo o Estado ou a comunidade anarquista como um todo). Eis porque a propriedade comunitária numa sociedade sem Estado não pode impedir a formação de propriedade privada sem se transformar numa espécie de Estado, que da mesma forma exerce autoridade ilegítima sobre indivíduos que não a consentiram.
Dá-me a ideia que RBR define "Estado" de uma maneira que fará de qualquer "agência de protecção" que aplique um código legal diferente do que ele considerar a "lei justa" um "Estado" ou quase.

Não deixa de haver uma certa lógica nessa posição - afinal, para um mulher muçulmana que tenha sexo pré-matrimonial não deve fazer grande diferença ser executada pelo Estado na Arábia Saudita ou pelo pai e os irmãos nalguma aldeia curda. Da mesma forma, faz sentido que um ancap considere que tanto faz as suas casas serem nacionalizadas ou ocupadas numa "ocupação selvagem", ou que um ansoc ache que tanto faz um grupo de operários revoltados serem metralhados pela policia ou por um grupo paramilitar.

No entanto, isso tem certas implicações:

Mesmo se nos limitarmos ao anarco-capitalismo, há montes de divergências sobre quais as leis e/ou os direitos de propriedade "justos" . Alguns exemplos:

1 - Há os que consideram que a reserva bancária fracional é uma fraude e outros que não (mesmo que eventualmente a considerem um mau modelo de negócio)

2 - Há os que são a favor da propriedade intelectual e os que são contra

3 - Há os que defendem que após a abolição do Estado toda a propriedade privada deve ser respeitada, e os que defendem que a propriedade de entidades "privadas" ligadas ao Estado pode e/ou deve ser confiscada

4 - Qual o rácio de restituição para a punição de crimes como roubo? A resposta rothbardiana clássica é "roubaste 100 euros, tens que pagar 200", mas, além de não ser partilhada por todos os ancaps, costuma vir sempre acompanhada de "e mais qualquer coisa para os custos de captura, e mais uma compensação pela insegurança a que a vitima esteve submetida", o que significa que na prática poderá haver diferenças significativas entre o que vários ancaps acharão a "restituição justa"

5 - Os contratos de escravatura serão válidos?

Etc.

Onde é que eu quero chegar com esta conversa toda? Que, se alguma vez for implementada uma sociedade anarco-capitalista, estas diferenças puramente teóricas tornarão-se relevantes, porque algumas agências de protecção irão optar por uma posição e outras pela posição oposta; o que quer dizer que algumas agências de protecção irão fazer coisas que outras pessoas considerarão "agressão" e "ataque aos direitos de propriedade".

Provavelmente numa dada área geográfica as várias AP's a operar lá acabarão por aceitar um código legal comum (tal como os vários browser da internet leiem todos HTML, Javascript e CSS ), mas de qualquer forma esse código legal comum irá ter disposições que muitas pessoas considerarão "agressivas" (p.ex., se chegarem a um acordo de "um livro terá um copyright de 5 anos", todos os inimigos da propriedade intelectual e todos os adeptos de propriedade intelectual perpétua considerarão isso um roubo).

Ou seja, se considerarmos como um "Estado" ou "uma espécie de Estado" todas as entidades que façam sistematicamente algo que nós consideramos uma "agressão," provavelmente haverá sempre "Estados".

Re: Propriedade privada e anarco-comunismo (I)

No Sem Governo, Rui Botelho Rodrigues escreve:
"A alegação proudhoniana, que o Miguel parece subscrever, de que a propriedade é roubo baseia-se no pressuposto de que um título de propriedade a um determinado recurso escasso é uma violação do direito de propriedade de todas as outras pessoas a esse mesmo recurso. Existem sérios problemas com este argumento e o primeiro é que não fica claro como se faz a transição entre o estado original, não utilizado, de um bem e o seu estado de propriedade produtiva. "
Não vejo onde está a falta de clareza - como se faz essa transição? Uma pessoa (ou um grupo de pessoas) instala-se/pega no recurso não-utilizado e utiliza-o (tal e qual como no anarco-capitalismo). A diferença é que, pior si só, não tem autoridade para impedir para proibir outras pessoas de também utilizarem o recurso.

[De qualquer forma, eu acho tanto a principio liberal da "aquisição original" como o principio anarco-socialista da "ocupação e uso" muito problemáticos]

A questão do bullying (III)

Ainda a respeito do agora famoso bullying, lembrei-me de um texto que, embora para uma realidade diferente da portuguesa e para um tipo muito peculiar de "bullying", creio que te alguma relevancia para as questões que têm sido discutidas.

Refiro-me a Why Nerds are Unpopular, de Paul Graham (penso que um capitalista de risco ligado às empresas tecnológicas), sobre a "impopularidade" do que poderemos chamar "bons alunos socialmente desajustados" (o termo "nerd" é por vezes traduzido para "marrão", mas penso que é mais ser simultaneamente "marrão" e "totó", para usar o calão local). O autor chama-lhe impopularidade, mas lendo o texto é claro que o que ele esta a falar é mesmo de bullying, embora não use o termo:

Nerds would find their unpopularity more bearable if it merely caused them to be ignored. Unfortunately, to be unpopular in school is to be actively persecuted.
Bem, e onde eu quero chegar com isso? O autor tem algumas teorias sobre esse fenómeno - nomeadamente considera-o um produto da "América suburbana"; essa tese é provavelmente um disparate, mas mostra uma coisa - que, pelos vistos, há bullying (e significativo) nas escolas suburbanas dos EUA; ora, ao contrário do que se passa no resto do mundo, nos EUA o subúrbio é a zona residencial por excelência da classe média-alta (na verdade, até há quem diga que os subúrbios apareceram para fugir aos negros), o que deita por terra a tese de que o bullying é um fenómeno criado especificamente pelos alunos dos "bairros problemáticos" e afins (como já escrevi, acho que essa tese resulta largamente de um confusão entre os conceitos de "bullying" e "violência")

A questão do bullying (II)

Os defensores das ensino privado por vezes dizem que lá resolvia-se o problema do bullying, já que tem o poder de expulsar alunos.

Mas o bullying frequentemente (e quase por definição) está ligado a vários a agredir um. Assim, se um pai ir queixar-se que o seu filho está constantemente a ser importunado pelos colegas, será que a escola irá optar por expulsar vários clientes, ou achará que é melhor perder apenas um cliente e responder "Pois, já estamos alertados para isso, mas o seu filho é uma criança muito especial, ele não se integra muito no grupo, não seria melhor arranjar uma escola mais adequada para ele? Nós tratamos da papelada toda e das equivalências, não se preocupe".

Aliás, se há instituições de ensino que até têm grande fama de bullying são os internatos ingleses (privados, embora admito que aí o factor "colégio interno" possa ter efeitos específicos); pelo menos na ficção, são recorrentes os exemplos, como algumas passagens do filme "Yanks" (em que o filho de uma protagonista está num colégio e constantemente a querer ir-se embora porque os outros batem-lhe por ele ser mau a desporto) ou como parece implícito nas entrelinhas de alguns livros de George Orwell (que andou nessas escolas. - é verdade que usar obras de ficção como fonte não é muito rigoroso, mas às vezes sãp do mais indicado que há para captar o "espírito do tempo".

[Já agora, por vezes ouço dizer que a "Escola Internacional do Algarve" do 5º ano para cima - até ao 4º acho que não - é um bocado uma colecção de gandulos de luxo, mas podem ser só boatos...]

A questão do bullying

Dá-me a ideia que muitas das discussões sobre o "bullying" (ver as que têm ocorrido no Jugular) encravam logo num problema de definir o que é e o que não é bullying.



E é desse carácter bi (ou tri)-dimensional do bullying que vêem muitos problemas de definição.

 
Umas pessoas concentram-se na questão da violência e tendem a associar o bullying a um contexto como indisciplina, roubos, lutas de gangs, etc. (o conjunto A); para outras o fundamental é sobretudo, não a intensidade da violência, mas o seu carácter persistente, de algumas crianças serem mais ou menos escolhidas como "vítimas" e importunadas sistematicamente, mesmo que essa perseguição por vezes seja mais psicológica do que física (o conjunto B); outras serão mais restritivas e classificarão como bullying só a intersecção dos conjuntos.

Um exemplo cinematográfico/literário - compare-se as lutas que ocorrem em Rumble Fish com as humilhações que, em Regresso ao Futuro, Biff Tannen inflige a George McFly (imagino que a maior parte dos leitores tenham vistos os filmes, e/ou - no primeiro caso - lido o livro). No primeiro caso há violência intensa, inclusive com armas brancas, mas nada de vitimização persistente; em compensação, no segundo, há sobretudo sujeição psicológica, com violência física mínima. Será que podemos falar de bullying em alguns destes casos? No caso de Rumble Fish, duvido que muita gente classifique o que lá se passa como bullying, mas talvez alguns dos que identificam bullying com violência o façam; o caso "Regresso ao Futuro" - descontando o irrealismo do filme, penso que é exactamente nas situações tipo Biff Tannen/George McFly (importunio persistente de baixa intensidade aparente) que surge a polémica "o bullying sempre existiu / andei na escola há 50 anos e nunca vi bullying".

E muitas das sub-polémicas vêm daí, como a questão sobre se o bullying está associado a escolas públicas, "bairros problemáticos", etc. Basicamente, o que a presença de alunos de "bairros problemáticos" faz é deslocar para cima o gráfico que eu arranjei, aumentando a quantidade e intensidade da violência; para quem considere o grau de violência fundamental para distinguir bullying de não-bullying, isso evidentemente que aumenta o bullying; se se considerar que, a partir do momento em que alguém é constantemente vitimizado, a diferença entre tortura psicológica e violência física não é tão grande como todo isso, então talvez não haja diferenças significativa entre escolas "classe média" e "problemáticas".

Até podemos imaginar uma situação paradoxal - imagine-se que um aluno repetente de um "bairro problemático" é colocado numa turma "razoável" e, por qualquer razão (talvez por uma lógica de inimigo comum?) decide tomar sob a sua protecção o "cromo" da turma, chegando a agredir quem se meta com ele? Nesse caso, termos um aumento de violência, mas provavelmente uma redução do bullying (dependendo talvez da definição adoptada) - ou seja, uma deslocação para "noroeste" no meu gráfico. Antes que alguém me diga que este cenário é absurdo, eu já assisti a situações muito semelhantes.

Mas agora há aqui certas implicações:

Até é provável que o carácter de persistência seja realmente mais grave do que propriamente o grau de violência física, que seja muito mais traumatizante a sensação de "submissão" do que propriamente a dor física (até por razões evolucionarias -é muito provável que, durante o paleolítico, os indivíduos que suportavam o frio e a dor mas não aceitavam ter um papel subalterno no clã tenham tido muitos mais descendentes que o caso oposto, logo evoluímos no sentido de preferir o respeito e o orgulho ao conforto físico; ou talvez eu já esteja a divagar...).

Mas é exactamente por isso que muitas estratégias de combate ao fenómeno dificilmente terão grande sucesso; p.ex.. tentar que as vitimas que se queixasse e denunciem os agressores - se o principal problema de ser "bulliado" for mais a humilhação do que a dor física, então muitas poucas vítimas se queixarão; afinal, em termos de humilhação deixar de ser "o que leva dos outros" para passar a ser "o que os professores e contínuos têm que proteger para não levar dos outros " é mais ou menos igual ao litro (se não for pior); provavelmente é por essa razão que normalmente as vítimas não se queixam (e não tanto pelo tão falado "medo das represálias").

Por outro lado, propostas (como penso que o CDS/PP tem) de combater o bullying pela via criminal também são má ideia - afinal, se grandes parte dos casos de bullying consistem numa sucessão prologando no tempo de episódios que, tomados individualmente, nem seriam particularmente graves, seria muito difícil prová-los em tribunal, p.ex.; na verdade, se calhar por vezes seriam as vítimas a serem acusadas, já que estas, quando reagem, frequentemente reagem "à bruta" e de forma muito mais visível perante terceiros que o bullying original (p.ex., o Joaquim lança farinha para cima da cabeça do Fernando e o Fernando espeta com um compasso no braço do Joaquim; quem será que iria parar ao tribunal de menores?)

Bem, e qual é a solução? Sinceramente não sei; palpita-me que turmas mais pequenas e menos alunos por m2 de recreio talvez reduzissem o problema, mas é apenas um palpite sem grande suporte (por outro lado, se deixasse de haver escola, o bullying na escola desapareceria por si mesmo)