Hoje (ou ontem) numa discussão sobre a classe média, expus a opinião que cerca de 1300 euros por mês é um ordenado de classe média-alta (e que a classe média começaria algures nos 700 e tal euros por mês). Toda a gente discordou, e alguém até disse que era triste eu achar que 700 e tal euros é classe média...
Sunday, February 14, 2016
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4 comments:
Ocorreu-me agora que talvez faça sentido pensar na questão das classes sociais mais em termos do percentil de riqueza (ou melhor ainda, dos activos) da família alargada do que do rendimento individual.
Um indivíduo que venha de uma família cheia de activos e não tenha rendimentos nenhuns (mesmo apesar de levar uma vida de relativo luxo) não pode ser considerado "classe baixa". Por oposição, um indivíduo que ganhe cerca de 2000e por mês está realmente nos percentis mais elevados de rendimento, mesmo que não tenha noção disso. Mas se não dispõe de muitos activos (ou quase nenhuns, como é por vezes o caso), compreendo parcialmente essa descrença: a pertença a uma "classe social" evoca algo mais permanente que os rendimentos (os activos) e mais alargado que o indivíduo (a família alargada).
Classe alta evoca "ser rico" e "ser rico" é ter "riqueza". Isto quer dizer que devia ser a riqueza e não o rendimento a determinar a classe.
Esta questão nunca me tinha ocorrido, mas assim de repente parece-me fazer sentido.
PS- Acima falei em posse de activos que não é bem a mesma coisa que "riqueza" (património líquido), no entanto até acho que captura ainda melhor a classe social.
Quem tem um latifúndio de 10 milhões de euros e uma dívida de 11 não é mais "pobre" que quem tem um património líquido de 500e.
João, há uma correlação altíssima entre rendimento e riqueza. Para todos os efeitos, podemos usar a escala de rendimento por adulto equivalente para falar sobre a questão sem grande perda de informação (já para não falar do óbvio: quantas das pessoas que disseram que o Miguel era triste por achar que 700€ são classe média têm essa subtileza em mente? A maioria das pessoas que diz isto simplesmente acha que ninguém, ou quase ninguém, ganha 700€).
Para falar a verdade, uma coisa que há algum tempo tenho pensado é que o que coloquialmente se quer dizer com "classe média" é exatamente "altos rendimentos + baixa riqueza" (ou talvez altos rendimentos do trabalho + baixos rendimentos do capital), sendo a classe baixa "baixos rendimentos + baixa riqueza" e a classe alta "altos rendimentos + alta riqueza"; é verdade que falta aqui a situação "baixos rendimentos + alta riqueza", mas talvez este caso seja quase inexistente na prática (e que seja sobretudo essa inexistência que produz a tal correlação altíssima que o Pedro fala).
Pedro Romano,
Para falar verdade não tenho grande noção dos valores de correlação entre rendimento e riqueza, e portanto ela pode ser suficientemente alta para que a distinção de que falo seja quase irrelevante. Concordarás que quanto maior for a mobilidade social mais fraco será o rendimento enquanto indicador da classe, e vice-versa. Eu não tinha a ideia que a mobilidade social tivesse sido assim tão baixa em Portugal dada a enormíssima "democratização" da instrução que ocorreu desde os anos 70, mas posso estar enganado.
Mas sim, também existe uma noção distorcida do perfil de rendimentos. E, diga-se, a distorção é menor do que os dados indicam numa primeira análise, tendo em conta os rendimentos não declarados... Mas suponho que essa questão explica apenas uma pequena proporção da discrepância.
Miguel Madeira:
O caso pode ser quase inexistente, mas é cria um dos exemplos em que usar o rendimento como indicador da classe pode dar resultados muito errados. Pensar em alguém com activos valiosíssimos os quais durante um ano de crise deram prejuízos em vez de lucros e dizer que durante esse ano esse alguém foi de "classe baixa" parece-me muito problemático.
Estamos a falar de rendimento negativo, e ainda assim parece absurdo assumir que a "classe social" é volátil a esse ponto. A classe remete para algo "identitário": prende-se com relações pessoais, estilos de vida, etc. Será sempre complicado de medir, mas o percentil dos activos da família alargada parece-me ser a medida que melhor capta o conceito. Todas as outras me parecem mais imperfeitas.
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