Wednesday, January 25, 2017

Proteccionismo e liberalismo

A respeito da politica económica de Trump, Vital Moreira escreve que esta é "um mix de política económica pouco comum. Tradicionalmente, o nacionalismo económico externo é o reflexo de políticas intervencionista na ordem económica interna, enquanto o liberalismo económico interno coabita tendencialmente com uma política comercial externa igualmente liberal. Trump baralha as coisas e inaugura uma nova receita: ultraliberalismo interno e nacionalismo externo, ou seja, um ultraliberalismo nacionalista."

Mas essa combinação, entre liberalismo interno e protecionismo externo será assim estranha? Não me parece - também é, p.ex., a doutrina da Frente Nacional francesa (contra a globalização, mas a favor de baixos impostos). E até para aí 1945-50, também era mais ou menos a doutrina do Partido Conservador britânico e do Partido Republicano dos EUA, internamente contra as reformas sociais estilo New Deal e ao mesmo tempo protecionistas (ou, no caso britânico, defensores da "comércio livre imperial" - comércio livre com as colónias, protecionismo para com o resto do mundo); veja-se como, mesmo em 1950, a jovem conservadora Margaret Roberts se apresentava como candidata a candidata a deputada, defendendo ao mesmo tempo os baixos impostos e, aparentemente, a "preferência imperial":

What Margaret said that evening was already distinctive, at least in tone. She began with an attack on the failure of three and a half years of socialism to deliver material rewards. She urged the Government to do what 'any good housewife will do' by examining their accounts. She put her faith in tax cuts to boost production and (more dubiously) to lower prices. She spoke of the need to renew link with the Empire 'to fight the economic war' (a reference to the doomed Imperial Preference tariff system).
Da mesma forma, mesmo já no pós-guerra, nos EUA a ala economicamente mais liberal (no sentido internacional da palavra) e anti-New Deal do Partido Republicano, à volta do senador Robert Taft, era a que mais defendia o protecionismo, enquanto era Eisenhower, mais "centrista", que defendia o comércio livre; mesmo Barry Goldwater, o candidato republicano de 1964, com a reputação de ser um radical pelo "small government" (ou um extremista "em defesa da liberdade"), creio que era a favor do protecionismo (pelo menos o seu candidato a vice era-o de certeza).

Um aparte - há um assunto em que todos os "liberais económicos" atrás referidos até eram bastante estatistas: greves e sindicatos; mas haver defensores do liberalismo económico a defenderem que o Estado deve intervir para restringir a ação dos sindicatos é tão comum que acho que não afeta a sua qualificação como "liberais internos".

Mesmo nos tempos mais modernos, continuando a falar dos EUA, a combinação protecionismo+desregulação interna também era mais ou menos o programa de Pat Buchanan nas eleições de 1992, 1996 e 2000, ou de "financiadores de campanhas" como o industrial do têxtil Roger Miliken.

Vendo as coisas pelo lado contrário, os 30 anos a seguir à II Guerra Mundial foram um período de crescimento da intervenção económica do estado em geral, por um lado, e de redução das barreiras ao comércio internacional (dentro, claro, do "bloco ocidental") - tal até era designado por "Keynes at home, Smith abroad".

Fazendo uma análise talvez um bocado marxista, explicando as ideias pelos interesses económicos, até pode fazer sentido que por vezes a defesa do liberalismo económico interno venha junto com a defesa do protecionismo - basicamente, sectores produtores de bens transacionáveis com baixo valor acrescentado são os que são mais ameaçados, tanto pela concorrência estrangeira, como pela regulamentação laboral e ambiental (e se calhar também são os que têm menos a ganhar com o aumento da procura, pelo que também têm menos razão para apoiar politicas keynesianas); em compensação, os sectores de alta tecnologia provavelmente conseguem mais facilmente suportar os custos das regulamentações e também são os que mais beneficiam da globalização; quanto ao sector dos serviços está por natureza protegido da concorrência externa (não tendo assim necessidade de proteções adicionais), e é o que mais tem a ganhar com o aumento da procura interna (logo, com politicas keynesianas), e, já agora, também é pouco afetado pela regulação ambiental.

Outra possível razão é que, no mundo real, a defesa do liberalismo económico vem muitas vezes misturado com a "ética do trabalho" - "cobrar impostos a quem trabalha para dar a vadiagem" ou "regras ambientais que não deixam trabalhar quem quer produzir"; como o protecionismo até vem normalmente com a mensagem "temos que produzir mais" (e muitas vezes destinado exatamente aqueles setores com mais conotação de trabalho pesado - agricultura, indústria tradicional - em detrimento de setores com a conotação de "pipis que querem é estar atrás do balcão ou sentados à secretária" - como muitos dos serviços) acaba por até ser atrativo para pessoas que noutros assuntos até são bastante liberais (provavelmente também é a razão porque muitas pessoas são mais contra o RSI do que contra os subsídios à agricultura - e, nos subsídios agrícolas, criticam sobretudo os subsídios para reduzir a produção - ou porque preferem subsídios às empresas que contratam em vez de subsídios de desemprego: economicamente todos são distorcedores e causadores de ineficiências, e também são todos resultado de coação - sendo financiados por impostos cobrados à força - mas muitas pessoas - a maioria? - acham que é moralmente diferente "subsidiar para trabalhar/produzir" e "subsidiar quem não trabalha/produz").

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