Face às noticias que os colegas do atirador de Parkland, Florida, terão admitido que o ostracizavam e/ou que o "bullyavam" (esta conjugação verbal não existe, pois não?), e às réplicas estilo "right wingers are doubling down on the claim that young white men are entitled to friends, no matter how terribly they act towards said friends, and failure to befriend an awful young men should result in death", acho que seria boa ideia definir bem o que se quer dizer com "bullying", "ostracizar" e conceitos afins.
Já há muito tempo que vejo mensagens "anti-bullying" no Facebook listando coisas que supostamente são "bullying", e incluindo o item "pôr de parte"; acho que isso não faz grande sentido: se há uma pessoa que tem gostos ou interesses diferentes dos dos outros, não há muito a fazer - ou tenta-se obrigá-lo a participar nas mesmas atividades que os outros, se calhar pelo método de lhe fazer a vida negra até ele se "integrar" (e aí temos inequivocamente bullying), ou então segue-se o método do "vive e deixa viver / por um alho não se estraga uma alhada", isto é, os outros continuarem a dedicar-se às suas atividades e interesses preferidos, e simplesmente ignorarem o elemento "desviante"; mas se considerarmos que "pôr de parte" também é "bullying" não há solução - não há nada que se possa fazer com um colega "diferente" que não seja considerado "bullying", quer seja deixá-lo em paz quer seja tentar obrigá-lo a se integrar.
Ainda a este respeito, as expressões norte-americanos "popular" e "unpopular", muito usadas para referir a dinâmica social entre adolescentes e pré-adolescentes, são potencialmente enganadoras, já que levadas literalmente significariam que é uma questão de ter ou não muitos amigos, de ser ou não convidado para festas, etc. - mas (pelo menos guiando-me pelos filmes e séries de adolescentes nos EUA que passam na nossa televisão - até porque me parece que esses termos só são usados no contexto norte-americano) não me parece ser isso que signifique exatamente a dialética do popular/unpopular; sobretudo a expressão "unpopular" parece-me ser muito um eufemismo, nomeadamente pegando no que Paul Graham escreveu sobre o assunto: "Nerds would find their unpopularity more bearable if it merely caused them to be ignored. Unfortunately, to be unpopular in school is to be actively persecuted."
E agora regressando ao caso do atirador da Florida, o problema é que eu leio este artigo e fico sem perceber se os colegas faziam "bullying ativo" sobre ele (estilo baterem-lhe, chamarem-lhe nomes, fazerem-lhe partidas, roubarem-lhe as coisas, etc.) ou se simplesmente o punham de parte; a Emma González diz que o "ostracizavam", o que à partida pareceria mais no campo "pôr de parte", mas dá-me a ideia que a expressão "ostracizar" tornou-se ela mesma quase tão vaga como "bullying", não sendo de excluir que também seja usada em referência a algumas práticas de bullying ativo.
E isto é relevante sobretudo para a conversa do "entitled to friends"; se os colegas simplesmente o ignoravam, é um argumento válido, já que ninguém tem obrigação de ser amigo de ninguém (eu pelo menos sou bastante seletivo nas pessoas que aceito como amigos, quer seja na vida real, que seja em redes sociais); mas se eles faziam "bullying ativo" sobre ele, esse contra-argumento torna-se um disparate, já que o que estará aí em causa não é serem amigos deles, mas simplesmente não serem ativamente inimigos.
Nota - eu acho que sou um caso extremo de personalidade INTP / Eneagrama tipo 5 (um tipo psicológico que não é exatamente dos mais sociáveis); será que isso me leva a desvalorizar o sofrimento que ser "posto de parte" pode representar para algumas pessoas?
Monday, April 02, 2018
Definam melhor "bullying", s.f.f.
Publicada por Miguel Madeira em 14:44
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