No 5 Dias, Raquel Varela cita um artigo sobre o Haiti de Eduardo Galeano em que este afirma que, na primeira Constituição dos EUA, se estabelecia que um negro contava com 3/5 de uma pessoa.
Há uma (ou várias) grande confusão acerca dessa cláusula da Constituição dos EUA, frequentemente apresentado como simbolo do racismo dos fundadores dos EUA.
A primeira confusão é ser frequentemente referido (como Galeano faz) que um negro contava como 3/5 de pessoa. Errado - o que lá dizia era que um escravo contava como 3/5 de pessoa (um negro livre contava como uma pessoa inteira); mais exactamente, dizia que as "free Persons, including those bound to Service for a Term of Years" eram contados por inteiro, enquanto que "all other Persons" contavam como 3/5. Ou seja, um negro livre valia o mesmo como um branco livre.
Mas a questão mais importante até não é essa. Os "3/5" foi um compromisso entre duas facções - de um lado os que queriam que os escravos contassem tal e qual como um homem livre; do outro os que queriam que eles, pura e simplesmente, não contassem nada. Portanto, de um lado, tinhamos os progressistas humanitários que queriam contar os escravos como pessoas como outras quaisquer, e do outros os racistas esclavafistas que não queriam contar os escravos como pessoas, certo?
Errado - era ao contrário : eram os esclavagistas que queriam contar os escravos por inteiro, e eram os anti-esclavagistas que não os queriam contar. A explicação é simples: a questão dos 3/5 tinha a ver com o método usado para determinar quantos representantes cada Estado iria ter no Congresso federal. Como é evidente, os escravos não tinham direito a voto - contar os escravos para distribuição de deputados iria aumentar a representação dos brancos livres do Sul (nomeadamente os donos das plantações), já que só esses é que poderiam votar. Já o campo anti-escravatura defendia que os escravos não deveriam contar, exactamente para reduzir o peso do Sul no Congresso (e com o argumento que, se os escravos não contavam como pessoas para tudo o resto, não faria sentido contarem como pessoas para efeitos da representação política dos Estados esclavagistas). Os "3/5" foram o compromisso possivel.
A ironia disto é que uma posição (não contar os escravos como pessoas inteiras) que foi tomada por pressão dos adversários da escravatura tenha sido reciclada na cultura popular e frequentemente apresentado como um sinal de racismo (claro que os fundadores dos EUA eram racistas, isso nem é discutivel; mas a "cláusula dos 3/5" foi criada por pressão do que mais parecido havia na época com "anti-racistas").
Wednesday, January 11, 2012
Os "3/5 de pessoa"
Publicada por Miguel Madeira em 14:34
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