Friday, April 18, 2014

Mobilidade social

Ontem à noite, a SIC (se não estou em erro) passou uma espécie de cruzamento de dois documentários - por um lado, uma série de entrevistas que em 1974 Maria Filomena Mónica fez a crianças da escola primária, de várias classes sociais, onde lhes perguntava sobre a família, sobre o que queriam ser quando fossem grandes, etc (penso que a ideia base desse documentário era comparar  estilo de vida e as aspirações de crianças de meios distintos e a partir daí fazer um reflexão sobre a igualdade de oportunidades); por outro, em 2004, a sua filha Sofia Pinto Coelho foi entrevistar essas ex-crianças com mais 40 anos em cima e ver qual tinha sido o seu percurso - uns saíram da sua classe de origem (para cima ou para baixo), outros ficaram mais ou menos no mesmo meio.

Para começar, houve uma coisa que me chocou - depois de mostraram a entrevista de um aluno do Colégio Francês, filho de médico e que queria ser médico, referiram que ele agora era vendedor de automóveis e que se recusou a ser entrevistado. MFM comentou que a mobilidade também pode ser para baixo e depois disse o que eu achei chocante - que nem todos conseguiam manter o estatuto dos país, porque, apesar de tudo, não eram só os país que contavam; era sempre preciso "esforço e determinação". Mas quem é ela para insinuar que o senhor foi para vendedor de automóveis e não para médico por não ter "esforço e determinação"? Ainda mais que nem sequer houve entrevistas "adultas" com ele (logo não é possivel saber o seu percurso). P.ex., eu quando andava na primária queria ser detective, militar, garimpeiro e alguma coisa na área da zoologia (já não me lembro bem, mas acho que tudo ao mesmo tempo) - não fui nenhuma coisa dessas, mas não foi porque me tivesse faltado o "esforço" e a "determinação"; foi porque me comecei a interessar por outras coisas. Da mesma maneira, o referido senhor pode não ter ido para médico simplesmente porque perdeu o interesse em ser médico, não porque não tivesse "conseguido". Não sei porque motivo ele foi para vendedor de automóveis em vez de para médico, e MFM também não sabe, logo deveria abster-se de fazer comentários que juízos de valor implícitos.

Mas não era aí que eu queria chegar - só só eu que acho irónico que, para um documentário à volta do tema da igualdade de oportunidades e da mobilidade social, a primeira parte tenha sido feita pela mãe e, quarenta anos depois, a parte final pela filha?

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