Friday, April 04, 2014

O caso Brendan Eich

Recentemente houve uma espécie de polémica por a Mozilla Corporation ter nomeado Brendan Eich (o inventor do Javascript e colaborador desde sempre dos projetos Mozilla) como CEO, que, há uns anos, apoiou uma campanha para revogar o casamento entre pessoas do mesmo sexo na Califórnia; nomeadamente, o "site de encontros" OKCupid (usando, aliás, alguns argumentos que me parecem disparatados) tornou mais dificil aos utilizadores do Firefox acederem ao site, como forma de protesto. Em função da polémica, Eich acabou pr pedir a demissão.

O que dizer disto?

É tentador falar em "tirania do politicamente correto", mas tal tem dois problemas:

Em primeiro lugar, muitas das pessoas que adoram queixar-se da "tirania do politicamente correto" são defensores do direito à discriminação privada; ora, é um bocado contraditório defender o direito à discriminação privada e depois queixar-se de "tirania" quando essa discriminação privada é exercida num caso particular (possível contra-argumento: ser a favor do direito à discriminação privada não significa necessariamente ser a favor da discriminação privada). Claro que se pode argumentar que isso vale para os dois lados...

Em segundo lugar, não há particularmente nada de novo em alguém ser prejudicado na sua vida profissional pelas suas posições políticas - desde que eu me entendo, que sei que é comum os pais aconselharem os filhos a não se meterem em política porque "isso pode prejudicar-te no futuro"; conheço uma pessoa que foi do PCP nos seus vinte anos, e dizia que, por causa dessa passado, dificilmente alguma vez poderia ir trabalhar para um banco norte-americano; e naqueles livrinhos de "Como elaborar um Curriculum Vitae" costuma ser recomendado que se evite referências a atividades políticas. Ou seja, desde sempre que as pessoas com ideias controversas são prejudicadas a nivel de empregos, promoções, etc., pelas suas ideias. Por outras palavras, a "tirania do politicamente correcto" sempre existiu, e suspeito que até é muito mais leve hoje em dia do que era há umas décadas atrás (o que mudou foi que algumas ideias que antes eram "politicamente correctas" agora são "incorrectas" e vice-versa).

Mas será que a polémica à volta de Eich fez algum sentido? Acho que não - exatamente que mal Eich fez? Defendeu uma dada opinião? E depois - não têm direito a defender as suas opiniões, por mais impopulares que possa ser (e os defensores das minorias sexuais deveriam ser os primeiros a reconhecer isso)?

Uma coisa é protestar ou até fazer boicotes contra uma organização devido a práticas dessa organização: p.ex., se a Mozilla Corporation desse aos seus empregados casados com pessoas de outro sexo mais direitos do que os casados com pessoas do mesmo sexo, poderia fazer sentido uma campanha contra a Mozilla. Mas não é esse o caso - a polémica tinha a ver, unicamente, com as opiniões políticas do (por escassos dias) CEO, não com qualquer prática da organização.

Pondo as coisas de outra maneira, uma campanha ou um boicote é suposto terem por objetivo tornarem o mundo mais parecido com a nossa ideia de como seria um mundo ideal (não é - ou não deve ser - algo que se faz por simples expressão emocional...). Ora, qual era o objectivo social a atingir com a mini-campanha que foi esboçada contra a Mozilla?

- Uma sociedade em que os casais homossexuais não sejam discriminados? - mas a Mozilla não faz (nem ninguém alegou que fizesse) qualquer discriminação contra os homossexuais

- Uma sociedade sem preconceitos "homofóbicos"? - talvez, mas ninguém muda de ideias e opiniões por ser alvo de boicotes (pode mudar de comportamentos, mas não de ideias)

- Uma sociedade em que existem pessoas com posições socialmente conservadores, mas em que essas pessoas sejam discriminadas nos empregos e consideradas excluidas da "boa sociedade"? - parece-me que o objectivo era mesmo esse, mas não me parece um objetivo muito meritório (além de que me parece uma receita para um "backlash")

E, se se vai fazer campanhas contra empresas por causa de opiniões políticas dos seus funcionários, onde se pára? No CEO? Nos membros da administração? No porteiro? Imagino que os anti-Eich achem que o problema é só o CEO, já que nunca se incomodaram com os altos cargos que ele sempre teve na Mozilla, mas é díficil perceber uma linha lógica nisso.

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