Monday, June 01, 2015

Economia, política e os "agentes racionais"

Este comentário de Luís Pedro Coelho (em tempos um comentador regular deste blogue) no Marginal Revolution (ver também aqui) fez-me pensar numa coisa - no facto de nos últimos anos ter se tornado popular numa certa esquerda criticar a economia convencional por esta assumir excessiva racionalidade nos agentes (penso que um bom exemplo português serão alguns Ladrões de Bicicletas); mas o problema que vejo nisso é que a combinação "racionalidade limitada"+esquerda parece-me a mais díficil de conceber.

As outras combinação são relativamente óbvias:

- racionalidade pura + direita: "Agentes racionais guiados pelo interesse próprio agirão da forma que lhes é mais vantajosa, e ao fazer isso vão, no agregado, atingir os resultados mais vantajosos à sociedade no seu todo, mesmo que não tenham essa intenção" - creio que é a posição liberal clássical

- racionalidade pura + esquerda: "Os tais agentes racionais guiados pelo interesse próprio podem muitas vezes tomar decisões que são as melhores do ponto de vista individual mas que no agregado são prejudiciais - veja-se o «dilema do prisioneiro», p.ex. Mas  isso resolve-se facilmente: felizmente esses agentes racionais também são capazes de usar a sua racionalidade para desenhar leis e instituições que resolvam o conflito entre o interesse privado e o interesse público, levando - através de castigos ou incentivos - os indivíduos a se comportarem da maneira mais consistente para o interesse geral. Para isto tanto faz que os agentes sejam ao não guiados pelo interesse próprio - é capaz de ser marginalmente melhor que as pessoas façam as leis a pensar no bem comum, mas se cada um defender as leis que melhor defendem o seu interesse particular também não vem grande mal ao mundo, já que o resultado final acabará à mesma por ser leis que correspondem ao maior bem estar para o maior número de pessoas" - desde os tempos do Iluminismo que as várias esquerdas defendem variantes desta posição

- racionalidade limitada + direita: "A maior parte dos empreendimentos humanos estão condenados ao fracasso, porque a razão humana é falível; coisas que no papel parecem brilhantes ideias revelam-se catastróficas no mundo real, porque há muita coisa que a razão não é capaz de processar ou até de compreender. O melhor, tanto na política como na economia, é um lento processo de tentativa e erro, em que as ideias estúpidas acabam por ser abandonadas ao se ver que fracassam, e só sobrevivem as poucas que resultam; assim, na política o melhor é mantermo-nos com as leis antigas, e na economia aceitar o resultado do jogo dos mercados. Provavelmente haverá muitas leis que poderiam ser melhoradas, e muitas falhas de mercado que poderiam ser resolvidas com a política correta, mas no mundo real não existe o iluminado benevolente e omnisciente capaz de identificar e resolver esses casos" - creio que é basicamente a posição conservadora e liberal-conservadora, à Edmund Burke ou Hayek

Mas a posição racionalidade limitada + esquerda não estou a ver muito bem como possa ser. Não digo que nalgumas situações específicas (p.ex., a "equivalência ricardiana") não se possa defender posições de esquerda a partir do princípio da racionalidade limitada, mas parece-me díficil fazer isso de forma sistemática (poderá-se perguntar se a macroeconomia keynesiana, que assenta quase completamente na ideia da rigidez dos preços, não poderá ser um exemplo, mas creio que não, porque a rigidez relativa dos preços pode perfeitamente ser explicada sem grandes desvios face ao principio da racionalidade dos agentes - basta assumir que pensar em novos preços dá trabalho, e que portanto mudar os preços só de vez em quando não é o resultado de nenhum "bias" subconsciente mas sim mais um exemplo de agentes racionais maximizando a sua utilidade, neste caso reduzindo os custos de pensar)

1 comment:

luispedro said...

Vou comentar novamente aqui no blogue :)

Parte do meu comentário, é que nos últimos anos, muita esquerda (com pouca memória histórica) contentou-se em associar-se com uma direita anti-mercado (e até anti-liberal) porque pelo menos estavam contra o mercado livre.

Sobretudo nos EUA, muitos sentimentos tradicionais de direita nacionalista são hoje vistos como de esquerda porque um estado forte a defender a nação é visto como de esquerda. Tudo o que poe em causa o modelo neo-clássico é de esquerda, &c Noblesse oblige é um sentimento de esquerda (nos EUA, o movimento progressista era muito motivado por um sentimento de noblesse oblige): nós, as elites, temos de proteger os pobres idiotas que não sabem o que fazem. O que até terá uma certa verdade, mas não é Esquerda.