Monday, October 12, 2015

Razão e emoção (VI)

Mais um argumento indiciando que não há à partida nenhuma contradição entre "razão" e "emoção" - o fenómeno que alguns designam como "paixão intelectual": isto é, pessoas que adoram atividades intelectuais que impliquem uso da razão (jogar xadrez, "piratear" sites informáticos, etc.). Aqui temos, ao mesmo tempo, emoção (já que essas pessoas gostam ou adoram essas atividades) e razão (pela natureza das atividades).

2 comments:

João Vasco said...

Esta série parece-me muito interessante.

Aqui vão os meus 5c:


Creio que neste contexto de contrapor o "emocional" ao "racional" muitas vezes entende-se a capacidade de dominar ou ser dominado pelas emoções: a pessoa "racional" (o Spock seria o estereótipo) não tem medo de voar pelo facto de saber que a probabilidade de ter um acidente é muito reduzida, e se envolvem com alguém por quem se apaixonou "loucamente" sabendo que essa relação o fará infeliz, não "perde a cabeça" numa discussão porque sabe que isso "não leva a nada", etc.. O seu comportamento é escolhido, lógico, razoável, e não determinado por emoções que não controla.
É engraçado que, no estereótipo este QE elevado seja associado ao QI elevado: a uma capacidade de cálculo muito elevada, etc.. Se dizes que as duas coisas estão em oposição, o estereótipo torna-se algo disparatado, mas creio que a componente "controlo do comportamento face às emoções" é muito importante naquilo a que as pessoas se referem como "racional" quando contrapõem o termo a "emocional".

Na verdade, existe até uma questão curiosa. Imagina que tu tens um gráfico: "poder da emoção" no Y e "controlo do comportamento face à emoção" no X. Podemos imaginar uma linha de 45º, e se alguém com um determinado "controlo do comportamento" é confrontado com uma emoção de poder superior, "perde a cabeça" e vice versa.
Assim sendo, para um determinado "controlo", quanto mais alguém perde a cabeça, mais forte podemos assumir que é a emoção, e quanto menos perde a cabeça, mais podemos assumir que a emoção não lhe desperta uma grande influência.
O ponto absurdo é que isto só pode ser feito assumindo um certo controlo. Se não soubermos nada sobre o controlo que a pessoa tem sobre as suas emoções, é pateta assumirmos pelo facto de não se descontrolar que as emoções que vive não são fortes, ou vice-versa.
(Há quem perca a cabeça porque a cerveja subiu 5c, e quem consiga manter a calma mesmo enquanto passa por emoções tremendas.)
No entanto, é exactamente isso que Hollywood assume: o pai tem sempre de ficar "louco" quando a sua filha é capturada, e se não ficasse todos assumiriam que é um ser frio e insensível, e não alguém que tem maior controlo sobre o seu comportamento.

Assim, controlar o comportamento face às emoções passa - nesta visão distorcida - a ser equivalente a não as sentir, e ser racional passa a ser igual a ser frio.


Por fim, como dizes e bem os economistas assumem agentes que têm emoções (e por isso é que querem maximizar a utilidade), mas que são consistentes na forma como reagem a essas emoções, como quem - dadas as emoções que sente - tem completo controlo sobre o seu comportamento. Ou seja, como se estivessem sempre na parte de baixo do gráfico que mencionei. Ora, como escrevi, estar na parte de baixo desse gráfico, que abarca emoções tão fortes quanto possas imaginar, é sempre interpretado como vivendo as emoções com pouca intensidade (o tal erro de análise crasso que referi), daí a ideia de que o agente não tem emoções.

Agora, apesar do disparate da crítica, é verdade que a assumpção de que o agente se comporta sempre de forma consistente está mais do que desmentida empiricamente.
Lá está: as pessoas não controlam completamente o seu comportamento face às emoções que sentem - têm mais controlo sobre as emoções do que aquilo que a economia neoclássica assume (nenhum agente pode escolher alterar a sua função de utilidade, mas as pessoas têm alguma influência a este respeito), mas têm menos controlo sobre os seus comportamentos do que aquilo que a economia neoclássica assume. Enfim, o processo de tomada de decisões é, na prática, muitas vezes diferente daquele que a teoria do consumidor assume que é.

João Vasco said...

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