Thursday, July 28, 2016

Investigador quer que o ensino superior seja ainda mais selectivo e discriminatório

Investigador diz que ensino superior é “selectivo” e “discriminatório”:

Estudo revela que os casos mais flagrantes acontecem nos cursos de medicina e arquitectura. O especialista defende que a selecção dos alunos deveria ser feita com base não apenas em exames, mas também em entrevistas e exames psicotécnicos. (...)

O sistema de ensino superior português foi criado numa lógica de "massificação e democratização sem igualdade", registando-se uma "sub-representação" das classes mais baixas da sociedade que resulta, em parte, da utilização do numerus clausus como mecanismo único "de selecção", disse à agência Lusa um dos coordenadores do livro "Sucesso e abandono no ensino superior em Portugal" José Manuel Mendes. (...)

Segundo José Manuel Mendes, a selecção dos alunos deveria ser feita com base não apenas em exames, mas também em entrevistas e exames psicotécnicos, "como se faz noutros países", de forma a tentar garantir uma "melhor representação da sociedade" no universo de estudantes que frequenta o ensino superior.
O diagnóstico provavelmente estará certo, mas a solução proposta é absurda - meios de seleção como entrevistas e psicotécnicos, que escolhem os candidatos com base na sua personalidade e não (apenas) com base nas notas, são ainda mais discriminatórios, já que se baseiam abertamente em escolher pessoas com uma dada personalidade, maneira de ser, etc., e não pessoas com outra. E numa altura em que tanto se fala das vantagens da "diversidade", escolher alunos com base na sua personalidade (o que obviamente implica preferir umas personalidades a outras) e não com base nas suas notas parece-me ainda mais um contrasenso.

E mesmo de acordo com o problema específico que o estudo refere, a discriminação com base na classe social de origem, suspeito que isso ainda o iria agravar - se há uma ligação entre as notas no secundário e a classe social de origem, também o há largamente (se calhar ainda mais) entre a personalidade e a classe social de origem, com a agravante que é mais fácil subir as notas com esforço e dedicação do que mudar de personalidade com esforço e dedicação.

Quando leio artigos ou vejo filmes sobre o processo de admissão nas universidades norte-americanas, com aqueles rituais bizarros (as entrevistas, as cartas de recomendação dos professores, os alunos que fazem atividades extracurriculares no secundário porque fica bem no curriculum, etc.), e as polémicas associadas sobre se o sistema beneficia uns grupos ou outros, eu costumo pensar "mas porque é que eles não fazem como os países civilizados e não escolhem os alunos de acordo com as notas num exame, sem dar hipótese aos responsáveis das universidades de - mesmo inconscientemente - discriminarem de acordo com as suas preferências subjetivas?"; mas pelos visto há quem ache o contrário e pretenda americanizar o ensino superior português (no caso dos EUA, penso que está mais ou menos provado que o motivo original de terem adotado esse sistema foi como uma forma de limitar o acesso às universidades de grupos étnicos cujo desempenho académico era largamente superior ao seu prestígio social na altura - leia-se "judeus" - e manteve-se depois por inércia, e também porque é mais fácil com um sistema desses meter pela "porta do cavalo" filhos de pessoas que dão grandes doações à universidade, ou de antigos alunos famosos).

Mas, já que se pretende copiar americanices, se o objetivo é limitar a discriminação por classe social, seria melhor ideia copiar o sistema de admissão da Universidade do Texas, em que (com alguns limites) os 10% melhores alunos de cada escola secundária têm automaticamente entrada assegurada na universidade (em termos portugueses, isso quereria dizer que entravam tanto os 10% melhores alunos da Escola Secundária do Restelo como os 10% melhores alunos da Escola Secundária da Baixa da Banheira).

[Post publicado no Vias de Facto; podem comentar lá]