Monday, April 10, 2017

Os robots estão a destruir empregos? (post n+2 sobre o assunto)

Ainda a respeito desta questão, ocorre-me que talvez haja uma maneira de termos simultaneamente dois fenómenos que à partida parecem incompatíveis - desemprego tecnológico via substituição do trabalho humano por máquinas; e estagnação do crescimento da produtividade.

Imaginemos que para produzir 100 unidades de produto (p.ex., 100 kgs de peixe) é preciso 100 horas de trabalho e mais 100 unidades de capital (p.ex., maquinaria no valor de 100 mil euros).

Agora vamos comparar 3 cenários alternativos; em todos um gabinete de engenharia descobre/inventa um processo de produção mais eficiente, mas as implicações desse processo são diferente:

No cenário A, pelo novo processo são preciso apenas 50 horas de trabalho e 50 unidades de capital para produzir 100 unidades de produto.

No cenário B, serão precisos 50 horas de trabalho e 100 unidades de capital.

No cenário C, 50 horas de trabalho e 150 unidades de capital.

Em todos estes cenários, a produtividade aparente do trabalho aumenta 100%; quando à produtividade aparente do capital, aumenta 100% no cenário A, fica na mesma no cenário B, e diminui 33% no cenário C (convém ter em atenção que, na linguagem semi-corrente, "produtividade aparente do trabalho" e "produtividade aparente do capital" passam frequentemente a "produtividade do trabalho" e "produtividade do capital"; e, na linguagem corrente, "produtividade aparente do trabalho"/"produtividade do trabalho" fica mesmo só "produtividade"; e estes detalhes talvez não sejam tão irrelevantes assim).

Agora, vamos lá ver - em qual deste cenários a introdução da nova tecnologia levará a mais (se alguma) destruição de postos de trabalho? Se a produtividade aparente do trabalho duplica, a variação do número de horas trabalhadas irá ser (crescimento da produção% - 1)/2; isto é, se a produção aumentar 100% (ou seja, também duplicar), o nível de trabalho fica na mesma (é preciso metade dos trabalhadores para produzir o mesmo, mas como se passa a produzir o dobro, fica tudo na mesma); se aumentar 50%, passam 25% dos trabalhadores a estar a mais (onde antes eram precisos 100 horas para produzir 100 unidades, agora são precisas 75 horas para produzir 75 unidades)

No cenário A, em que é preciso menos trabalhadores e menos máquinas para produzir a mesma quantidade, os custos de produção descem para metade; no cenário B, não descem tanto, já que os custos com capital mantêm-se; no cenário C, os custos com trabalho diminuem e os com o capital aumentam - sabemos que no total diminuem, porque se não fosse assim o cenário C nunca seria sequer posto em prática, mas diminuem ainda menos que no B. Assumindo uma relação entre preços e custos, podemos concluir que os preços descem mais no cenário A, depois no B e finalmente no C salvo situações muito excecionais, quanto mais baixarem os preços, mais aumenta a procura e, logo, a produção. Assim, se a produção aumenta mais no cenário A do que no C, isso significa que a introdução da nova tecnologia vai destruir mais empregos no cenário C do que A.

Agora vamos ao outro ponto - em qual destes cenários a produtividade (aparente do trabalho...) crescerá mais? É verdade que em todos cresce 100%, desde que a nova tecnologia se aplique. Mas em qual dos cenários é maior o incentivo para aplicar a nova tecnologia? De novo, no A - um empresário, à partida, tem muito mais incentivo para adotar uma nova tecnologia se essa reduzir a metade todos os custos, do que se reduzir a metade os custos salariais mas manter ou até aumentar os custos com capital (e, além dos custos, por vezes nem sequer há capital disponível para modernizações que impliquem grandes investimentos - como é no cenário C, em que a nova tecnologia implicaria duplicar o valor do equipamento).

E agora temos o meu cenário de como se poderá ter ao mesmo tempo muito desemprego tecnológico e pequeno crescimento da produtividade - se o progresso tecnológico for bastante capital-intensivo (quanto mais capital-intensivo for o progresso tecnológico, mais demora a ser aplicado, por um lado, e mais empregos destrói quando é aplicado, por outro), o que no fundo talvez seja algo similar à velha história marxista do colapso final do capitalismo vítima do aumento da "composição orgânica do capital" (isto é, do progresso técnico capital-intensivo).

Mas será que este cenário pode pode corresponder à realidade na prática? Talvez (sobretudo, não nos esqueçamos que, para efeitos deste modelo, tanto faz que o investimento sejam em máquinas ou em licenças de software), mas tenho muitas dúvidas. Aliás, mesmo na teoria tenho dúvidas que isto faça sentido.

6 comments:

pedro romano said...

Miguel, não falta aí qualquer coisa no penúltimo parágrafo?

«E agora temos o meu cenário de como se poderá ter ao mesmo tempo muito desemprego tecnológico e pequeno crescimento da produtividade - se o progresso tecnológico for bastante capital-intensivo (...).»

Parece-me que vinha algo depois do "se...", não? É que não percebi bem o mecanismo.

Miguel Madeira said...

Vou ser honesto - não sei: eu comecei a escrever o artigo na quinta-feira, escrevi mais qualquer coisa na sexta, e quando ontem o fui publicar dei mais uns retoques, e realmente nessa altura até pensei "já escrevi mesmo tudo o que queria escrever ou ainda falta qualquer coisa?" (e a meio do texto tinha trocado o A pelo C, pelo que estive a refazer).

Mas o mecanismo é o que no progresso tecnológico como o de cenário C (isto é, o mais capital-intensivo), a produtividade tenderá a crescer menos, e, ao mesmo tempo, é possível que a destruição de postos de trabalho seja maior.

pedro romano said...

Mas por que é que o cenário C tem esse efeito? Se for a produtividade «PIB/trabalhador» faz alguma diferença qual o cenário? Não estará a falar na produtividade total dos factores? Ou sou eu que estou a ver mal?

Miguel Madeira said...

Bem, se se substituir completamente a tecnologia original pela tecnologia C, a produtividade do trabalho sobe exatamente o mesmo que se substituir completamente pela tecnologia A - 100%; a diferença é que, como a diferença entre o lucro na nova tecnologia e na anterior é maior no cenário A que no C, no cenário A a transição para a nova tecnologia tenderá a ser mais rápida

Miguel Madeira said...

Outra maneira de ver a coisa - vamos pensar em termos de "funções de produção".

No cenário original, a função-produção é

se L>K → Y=K
se L<K → Y=L

(L e K são as unidades de trabalho e capital disponíveis, Y são as unidade de produto - inicialmente temos um típica função de Leontieff)

No cenário A (e se assumirmos perfeita convertibilidade do capital entre a tecnologia original e a nova tecnologia), passa a ser

se L>K → Y=2K
se L<K → Y=2L

No cenário C passa a ser

se L>K → Y=K
se 2/3K<L<K → Y=L
se L<2/3K → Y=2L

(atenção que no cenário C a nova tecnologia só é posta em prática se L<2/3K; se for maior é mais produtivo usar a velha tencologia)

Pegando nestas 3 funções produção e assumindo um dado stock de trabalho e de capital (ou alguma função de crescimento temporal do stock de capital - agora dá para inventar), creio que o maior aumento da produtividade seria no cenário B (mas não fiz nenhuma simulação - pode ser que algum dos leitores queira)

pedro romano said...

Ahhhh, percebido! Obrigado.