Tuesday, September 03, 2019

Afinal sempre há "manipulação" de sondagens

Eu nunca acreditei muito nessas histórias de sondagens manipuladas, até porque não é muito claro qual é a vantagem de manipular uma sondagem (umas pessoas vêm o partido A à frente e vão votar nele por causa disso, outras vêm o partido B com poucos votos e vão votar nele por causa disso - "Até gostei de algumas coisas que eles disseram; merecem mais que aqueles 2%", outras eram para votar no partido A mas afinal vão à praia porque afinal o voto deles não é necessário, outras eram para votar no partido B mas afinal vão à praia porque não vale a pena, etc. - no final, esse efeitos acabam por se anular).

Mas afinal parece que há efetivamente algo muito similar a manipulação de sondagens - ou pelo menos ocultação de sondagens que dão resultados que não são os esperados:

'Embarrassed' pollster ripped up poll that showed Labor losing election (Sydney Morning Herald):

A leading market research agency tore up a poll showing Labor was in a much worse position than widely believed because it was worried the results did not match other published polls.

In a revelation that sheds light on why the nation's pollsters failed to accurately predict the outcome of the election, Lonergan Research boss Chris Lonergan admitted junking the poll because he was "embarrassed" it was radically different to those of his competitors.
É verdade que não é um caso, aparentemente, que confirme os rumores de que as sondagens são manipuladas por razões políticas; aqui o que se passou foi que uma sondagem deu resultados muito diferentes das sondagens das outras empresas, e a empresa que a fez decidiu escondê-la (pensando algo como "isto deve estar errado e vamos cair no ridículo"). Mas o resultado é o mesmo - as sondagens que são publicadas acabam por não refletir realmente aquilo que as pessoas que respondem às sondagens dizem. Se todas as empresas fizerem isso (e atendendo a que até surgiram pessoas - aparentemente do ramo -  a defender a decisão dessa empresa, quer dizer que muita gente até acha isso o procedimento correto, o que indicia que talvez seja prática comum), podemos acabar com uma situação em que 10 sondagens dizem que o partido A vai ganhar e 15 dizem que o partido B vai ganhar, e só são publicadas as que dizem que o partido A vai ganhar, porque, em cada uma das sondagens que deram vitória ao partido B, os autores da sondagem - que nem sabem das outras 14 - fizeram uma reunião e concluíram "todas as outras sondagens estão a dar a vitória ao partido A; este resultado é impossível - é melhor não o publicarmos e em vez disso fazermos uma séria auditoria aos nossos métodos de trabalho para ver o que está a dar estes resultados malucos; e talvez despedir as pessoas que andaram mesmo a fazer os inquéritos, porque se calhar andaram foi a ver fotografias no Instagram em vez de fazer chamadas telefónicas e inventaram os resultados".

E, ao contrário da manipulação pura e dura, há muito mais um incentivo racional para um cenário destes - na maior parte dos ramos de negócio, é melhor fazer o mesmo que toda a gente e falhar como todos do que fazermos algo muito diferente dos outros só nós falharmos (o primeiro caso indica que fomos vitimas de uma problema sistémico, que afetou toda a gente, e tende a ser desculpado; já o segundo é indicativo de que somos maluquinhos ou incompetentes). Isso é frequentemente referido em questões como investimentos bolsistas (em que haverá uma tendência para investir nos mesmos títulos que toda a gente), mas faz todo o sentido que também influencie a decisão de divulgar ou não sondagens.

1 comment:

João Vasco said...

É o fenómeno "nunca ninguém foi despedido por comprar um IBM".

Isso pode ser particularmente relevante no caso as primárias nos EUA, onde no meio de uma série de sondagens que dão a Biden uns 10% de avanço surgiu uma que pôs Sanders na liderança com 1%. Não é implausível que outras do género fossem abafadas tendo em conta a reacção generalizada a essa (completo descrédito).