Wednesday, May 11, 2011

Re: Os limites naturais à dimensão das empresas

Acerca desta questão (a teoria de que, no mercado é difícil as empresas crescerem muito, porque começam a ter os mesmo problemas de gestão eficiente que uma economia estatizada), eu iria primeiro fazer uma desvio por um assunto aparentemente paralelo - a diferença de visões entre Hayek e Hoppe (e provavelmente Mises) sobre qual o verdadeiro problema de uma economia estatizada[pdf].

Há primeira vista parecem opiniões semelhantes mas no fundo são bem diferentes e têm implicações diferentes; a posição hayekiana é que um sistema de direcão centralizada da economia não funciona porque o conhecimento está disperso por inúmeros indivíduos e um decisor central nunca terá acesso à informação toda; já a visão de Mises (ou pelo menos a que Hoppe lhe atribui) é de que, com a economia nacionalizada, não há verdadeiros mercados de factores de produção, logo não há preços (ou, se há, são preços inventados pelos burocratas), sendo impossível o cálculo económico.

Ora, onde eu quero chegar é que, embora Doug French use os argumentos de Mises para considerar que há limites ao tamanho das empresas (e que as fusão levam à "destruição de riqueza"), tal conclusão faria mais sentido vista pela perspectiva hayekiana.

Pela teoria de Hayek (que as decisões centralizadas tendem a ser más porque os decisores não têm toda a informação), será mais ou menos directa a relação "maior a empresa" > "pior gerida". Já a teoria de Mises (que a inexistência de mercados impede o cálculo económico racional) terá implicações muito diferentes sobre a concentração empresarial:

Em primeiro lugar, a visão hayekiana implicará que os problemas surgem com a dimensão absoluta da empresa - quanto maior a empresa, mais difícil será aos administradores estarem a par de tudo; já a visão miseana parece indicar que o problema estará na dimensão relativa das empresas: se as empresas crescerem mas o mercado também crescer (p.ex., devido a uma maior globalização), a proporção das alocações de bens que continua a ser feita através do mercado (em vez de por decisões administrativas intra-empresa) não se irá reduzir, logo por aí não haverá problema.

Em segundo lugar, o problema não será tanto a grandeza das empresas, mas sim a concentração vertical (ao pôr as transações internas da empresa fora do sistema de preços) - isto é, haverá problemas em uma empresa possuir simultaneamente as fabricas de conservas e os barcos de pesca; mas uma empresa poderá possuir 90% das fábricas de conservas do mundo que (desde que não se meta no negócio dos barcos) não haverá razão para ter problemas de eficiência (afinal, ela continua a comprar o peixe e a vendar as conservas no mercado).

Em terceiro lugar, mesmo que a empresa conserveira possua muitos barcos de pesca, isso não terá problemas relevantes desde que continue a existir um sector independente significativo (de barcos não integrados no grupo e que vendem a sua produção)  - nos seus cálculos internos, a empresa poderá avaliar o seu peixe pelo preço a que este se transacciona no mercado. Só se o sector independente fosse tão pequeno que tornasse o mercado residual é que isso iria afectar o cálculo económico. Ou seja, enquanto o modelo hayekiano implicará, como já disse, um decréscimo gradual de eficiência à medida que a empresa cresce, o modelo miseano implicará mais uma espécie de "stick de hóquei" das "deseconomias de escala", em que a empresa pode crescer (e até integrar-se verticalmente) sem grandes problemas, até se chegar a um ponto em que esse crescimento acabaria por reduzir o mercado à insigificância e aí a eficiência da gestão cairia brutalmente.

Desta forma, parece-me que a visão hayekiana realmente implicará que os próprios mecanismos da economia de mercado não deixarão as empresas crescer muito (já que se irão tornando ineficientes); já a visão miseana parece-me implicar que haverá uma espécie de limite máximo à concentração (quando esta fosse tão grande que "sufocasse" a existência de um verdadeiro mercado de bens de produção e de capital - mantendo o meu exemplo, quando a empresa tivesse integrado verticalmente a pesca e o fabrico de conservas, e ao mesmo tempo tivesse um grau esmagador de concentração horizontal na pesca), mas que, enquanto se mantiverem abaixo desse limite, grandes grupos económicos poderão ir crescendo sem que enfrentem dificuldades de gestão relevantes.

Nota - quando falo em "visão miseana", estou a guiar-me sobretudo pela interpretação que Hoppe dá de Mises no paper linkado logo ao principio.


[Enquanto estava a escrever este post, a minha ideia era sobretudo usá-lo como ponto de partida para talvez me meter nesta conversa; mas também é relevante para aqui]

1 comment:

Rui Botelho Rodrigues said...

eu concordo consigo na interpretação das implicações das teorias de hayek e mises. mas não vejo a relevância para a minha conversa com o Manuel. ele opõe-se às grandes empresas por razões vagamente éticas e culturais, não por questões de eficiência (na verdade, acho que a questão da alocação de recursos não entra na filosofia distributivista).