Monday, December 29, 2014

O que pode um governo SYRIZA fazer?

Como já se esperava, vai haver eleições na Grécia. Há fortes hipoteses de uma vitória do SYRIZA; a questão, agora, é o que poderá suceder com um governo da "esquerda radical".

É um dado assente que um governo do SYRIZA vai tentar renegociar a dívida - agora que caminhos tal pode seguir:

1) A hipotese mais otimista é que a UE aceite a renegociação; nesta situação o novo governo poderá sem grandes problemas aumentar os gastos sociais, eliminar alguns impostos extraordinários entretanto lançados, etc; não é claro que se nestas eleições o SYRIZA continua com o seu programa de renacionalizar as empresas privatizadas e de apoiar a re-abertura pelos trabalhadores de empresas entretanto encerradas, mas é possível que sim. A nivel europeu, provavelmente a renogociação da dívida grega abrangerá também a dos outros estados endividados (como Portugal), e poderá criar condições para a Europa sair definitivamente da crise económica, com o fim das políticas de austeridade.

2) A hipotese mais provável é que a UE não aceite renegociar a dívida; nesse caso, o governo grego poderá, ou "conformar-se com a realidade" e manter as políticas anteriores (à François Hollande?), ou responder com uma moratória unilateral aos pagamentos da dívida.

3) Caso o novo governo grego prossiga a mesma política, em breve perderá a sua base de apoio, e o descontentamento popular irá passar a ser representado, ou pelos anarquistas, ou pela Aurora Dourada (talvez seja pessimismo da minha parte, mas imagino mais facilmente que a Grécia vire para o lado dos segundos do que dos primeiros...). A nível europeu, isso representará um fim definitivo dos partidos de "esquerda alternativa", estilo BE, Die Linke, Podemos, etc., já que não conseguirão responder à pergunta "o que fariam diferente do que na Grécia?" (e, também a nível europeu, imagino que o descontantamente será mais capitalizado pela extrema-direita do que pela ideia de criar um novo sistema político em que não haja governantes e governados, e assim os primeiros já não poderão trair os segundos).

4) No caso de uma moratória ao pagamento da dívida (que lançará o caos no sistema financeiro internacional, não só pela Grécia, mas também pela possibilidade de outros países seguirem o caminho), a UE pode reagir de 3 maneiras: finalmente aceitar uma renogociação da dívida (e aí voltamos ao ponto 1); ou o BCE deixa de fornecer liquidez aos bancos gregos; ou a UE simplesmente não faz nada.

5) Não é muito claro se o BCE pode simplesmente decidir deixar de emprestar dinheiro aos bancos gregos (recorde-se que os tratados constituitivos da UE não prevêm a possibilidade de um país ser expulso do euro); poderão argumentar que, com o default, a dívida grega passa a valer zero e portanto os bancos gregos já não cumprem os rácios de capital, mas confesso que não sei se, neste momento, os bancos gregos detêm ainda muita dívida pública grega, ou se está já está quase toda nas mãos do UE e do FMI (além de que, se fosse por esse argumento, teriam que deixar de fornecer liquidez a todos os bancos muito expostos à dívida grega, e não apenas aos gregos); de qualquer forma, se o BCE deixar de fornecer liquidez à banca grega, o governo grego terá duas hipoteses: ficar mesmo assim no euro, ou preparar a saída e o lançamento de uma moeda própria.

6) Permanecer no euro mesmo sem o BCE dar suporte aos bancos gregos não é totalmente impossível: afinal, países que nem sequer é suposto fazerem parte da zona euro, como o Montenegro e o Kosovo, usam o euro como moeda oficial (tal como vários países - incuindo alguns supostamente "anti-EUA" como o Equador - usam o dólar); no entanto levantaria problemas os bancos locais funcionarem sem puderem recorrer ao BCE como prestamista de ultima instância, e no caso grego haveria também o problema adicional de a expetativa seria que talvez deixasse completamente o euro (ao contrário do Montenegro e do Kosovo, em que a expetativa é um dia virem a ser membros da UE e da zona euro) o que poderia desencadear uma corrida aos bancos para levantar os euros antes que fosse tarde demais (ou seja, provavelmente seria necessário, nem que temporariamente, impor limites ao levantamento de dinheiro, tal como foi feito em Chipre)

7) Sobre as consequências da saída do euro já se escreveu tanto que não há muito a dizer; politicamente, poria em grandes dificuldades o governo do SYRIZA, que se tem apresentado como pretendendo manter a Grécia no euro (suspeito que a saída do euro só seria possível com um referendo) - e se a moratória à dívida não dar origem ao caos previsto no ponto 4, a saída da Grécia do euro provocaria-o de certeza (também neste caso, sobretudo pelo efeito de "precedente" - a partir do momento em que se toma consciência real que um país pode sair do euro, a confiança neste seria bastante abalada). Finalmente, recorde-se que, de acordo com os tratados, uma saída do euro obrigaria a uma saída da UE.

8) Finalmente, no caso de a UE não reagir à moratória grega, talvez não houvesse grande problema - a Grécia tem um superavit primário, logo poderia dispensar os mercados financeiros e ainda afrouxar um pouco a austeridade.

Todos os cenários acima descritos foram feitos abstraindo de condicionantes internas à politica do hipotético governo SYRIZA, como coligações de governo (uma coligação com os social-democratas do Potami, com os comunistas eurocéticos do KKE ou com os Gregos Independentes da direita nacionalista com certeza não seria indiferente em termos de percursos a escolher), ameaças de golpes de estado, etc.

De qualquer forma, suspeito que 2015 será um ano decisivo para a Europa, em que vai acabar a fase do "empurrar com a barriga" e, ou se finalmente avança para uma politica coordenada de combate à crise (em vez de uma politica coordenada de deprimir a economia via austeridade), ou a UE se começa a desagregar.

[Esquema do post inspirado neste]

[Post publicado no Vias de Facto; podem comentar lá]