Tuesday, March 14, 2017

A Uber tem futuro?

No Observador, perguntam se «Com prejuízos gigantes, a Uber vai conseguir sobreviver a “dar borlas”?» (referindo-se a, pelos vistos, a Uber praticar preços abaixo de custo).

Eu iria mais longe - o modelo de negócio da Uber terá mesmo futuro? Afinal, qual é o grande valor acrescentado da Uber (nomeadamente que leve os seus motoristas - nomeadamente os que usam os seus carros particulares - a trabalharem para a Uber em vez de para sí próprios)?

A app para chamar os carros? Na sua essência não se distingue muito dos rádios das cooperativas de táxis, e suspeito que não seria muito difícil a uma associação de condutores arranjar também uma app com funcionalidades parecidas (aliás, penso que muitas empresas de táxis também têm apps); nem me admirava nada se daqui a algum tempo alguém desenvolvesse um software genérico que bastasse fazer o download e depois fazer uma pequena configuração (estilo definir nome da empresa, nome da app e algumas palavras-passe) para qualquer grupo de motoristas poder criar a sua própria app de chamar carros (e como em milhões de pessoas com ligação em internet há sempre alguma que está disposta a fazer um programa - mesmo que já haja um parecido - e vendê-lo barato ou mesmo dá-lo à borla, e como ao, contrário de outros produtos, no software é possível fazer um voluma quase infinito de cópias, rapidamente esse software teria um preço módico).

A garantia que o motorista não é um maníaco homicida e/ou violador? Provavelmente é um fator bastante importante (é o mesmo que leva a maior parte das pessoas a não pedir boleias - nem a dar, já agora), mas uma associação de motoristas com um mínimo de reputação (e que mantivesse o registo de quem tinha transportado que cliente, naquele dia e naquela hora) também ofereceria essa segurança, acho.

Suspeito que, paradoxalmente, um grande trunfo da Uber é a sua semi-ilegalidade: um motorista que se fosse transportar pessoas no seu carro por conta própria temeria apanhar com multas brutais ou coisa parecida, trabalhando para uma empresa sente-se mais seguro (pensando que mesmo que apanhe com multas, a Uber provavelmente irá pagá-las); da mesma forma, a publicidade necessária (que, é verdade, está acima das capacidades de um motorista individual, mas provavelmente já não o estaria de uma associação ou cooperativa) é complicada de fazer na semi-ilegalidade, mas na Uber o próprio facto de operar em vários países (e talvez legalmente nalguns) dá-lhe notoriedade.

No fundo, talvez tenhamos aqui uma situação parecida com o tráfico de droga, em que a sua ilegalidade contribui para que assuma um caracter quase monopolista (não é fácil um novo concorrente qualquer meter-se num negócio ilegal sem mais nem menos, sem ter contactos ou apadrinhamentos).

Claro que poderemos perguntar-nos porque motivo os motoristas que trabalham para a Uber haveriam de querer trabalhar por conta própria (ou para uma cooperativa que apenas ficasse com a parte correspondente aos custos de manutenção da infraestrutura); a minha reposta seria "para ficarem com o dinheiro todo ou quase todo para eles, em vez de um parte ir para os lucros da Uber" - mas como pelos vistos a Uber tem prejuízo, se calhar os motoristas já não terão muito a ganhar em trabalhar por conta própria.

Já agora, recomendo este artigo n'O Insurgente do Rodrigo Adão Fonseca, e este no Center for a Stateless Society de Kevin Carson. Carson até refere que muitos motoristas da Uber já negociarão diretamente com os clientes («Every Uber driver I know carries personal business cards. And every Uber RIDER I know has described the experience of having the driver de-link future business transactions from Uber’s system by handing them one of those business cards and saying “if you need a ride, call me directly instead of using the app.”»), mas imagino que em Portugal (com as restrições que o RAF refere, em que os motoristas têm que usar carros específicos em vez dos seus próprios carros) tal não funcionaria.

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