No Observador estão preocupados por os bons alunos não quererem ser professores; mas isso é um problema porquê?
Para começar, nem estou certo que a forma como o Alexandre Homem Cristo vê a coisa seja totalmente correta - comparar as notas de entrada dos cursos de Ciências da Educação com os outros cursos; confesso que não sei como é atualmente, mas no meu tempo quem dava aulas não eram só os licenciados em Ciências da Educação, eram licenciados nas áreas disciplinares respetivas ou associadas (historiadores a dar aulas de História, engenheiros a dar aulas de Matemática ou Trabalhos Oficinais, contabilistas a dar aulas de Contabilidade, etc.; até eu - economista - fui em tempos professor de Matemática e Administração, Serviços e Comércio); assumir que só os licenciados em Ciências da Educação é que vão dar aulas parece-me logo um erro que distorce todas as conclusões.
Depois, esquece o problema do custo de oportunidade - ensinar (e ensinar alunos do primário e secundário) será mesmo a melhor coisa para os bons alunos fazerem? Pensemos nas alternativas - podem trabalhar num laboratório a desenvolverem uma energia limpa sem problemas de intermitência ou a cura para a SIDA; podem fazer operações para tratar doenças raríssimas e super-complexas; se os quiserem mesmo pôr a dar aulas, podem ser professores universitários (eventualmente a fazer investigação nas horas vagas). Todas essas coisas parecem-me ter maior complexidade intelectual do que ensinar alunos do secundário ou do primário - afinal, quase por definição o que se ensina no primário e no secundário é matéria de um nível mais elementar do que se ensina na universidade ou do que é aplicado na maior parte das profissões que se vão exercer com um curso universitário (isto assumindo que se aprende mesmo coisas necessárias para a profissão e que o curso não é apenas "sinal"). Além disso, o ensino é uma coisa em que, por regra, não se deve inventar - um professor de liceu deve ensinar aos seus alunos o programa escolar, não as suas teorias que ele próprio desenvolveu, e também imagino que não haja muitas situações em que seja preciso descobrir soluções para problemas de elevada complexidade intelectual (o professor não vai ele próprio descobrir a fórmula resolvente para as equações de segundo grau - isso já foi feito por um indiano no século VII; vai é explicar qual é e como se chega a ela) - suponho que os problemas complexos que os professores tenham que resolver seja sobretudo lidar com alunos complicados, e que a solução para isso não passe normalmente por grandes conhecimentos técnicos ou capacidade intelectual, mas mais, ou por firmeza ou por empatia (talvez me esteja a deixar levar pelos estereótipos, mas suspeito que nem "firmeza" nem "empatia" sejam qualidades muito abundantes entre os bons alunos, e que entre eles predomine mais o tipo "eu quero é que não me chateiem" em detrimento tantos dos tipos "durão" como "simpático").
Finalmente, será que os bons alunos (além de provavelmente terem coisas melhores para fazer) serão sequer bons professores para alunos do secundário (e ainda mais do primário)? Ao verem um aluno com dificuldade em perceber uma coisa que, nessa idade, eles perceberam quase intuitivamente na primeira aula em que isso se falou, será que têm realmente capacidade para o ajudar, ou será que começam logo a pensar que os alunos precisam de um professor do ensino especial para os acompanhar? E saberão estruturar e planear uma aula, sem poderem confiar na introspeção (isto, sem poderem pensar "eu aprenderia facilmente se um professor me desse a aula desta maneira?", já que eles aprenderiam facilmente de qualquer maneira)? E se (como é provável) fossem daqueles alunos que gostavam de estudar (e que se calhar no 10º já andavam nas horas vagas a ler matéria do 12º), saberão perceber as motivações dos alunos (provavelmente a maioria) que acham estudar uma seca, necessária para ter boas notas e passar de ano, ou facilmente cairão na atitude "mas estudar é divertido; se vocês não acham isso divertido e só estudam por obrigação, deve haver algum problema"?
Há um contra-argumento que pode ser feito a todo este meu post - é que em larga medida estou a misturar os conceitos de "bons alunos" e "alunos mais inteligentes"; afinal, o que refiro aqui (a vocação para tarefas de elevada complexidade intelectual, o perceber tudo na primeira aula...) serão sobretudo características associadas a inteligência; mas na prática suspeito que as categorias "melhores alunos" e "alunos mais inteligentes" têm uma elevada sobreposição (acho que o aluno-inteligente-com-más-notas-porque-não-se-adapta-à-instituição-escolar é mais um cliché romântico que serve para tema de filmes e livros do que algo que seja mesmo frequente na vida real).
Um aparte final - aquelas coisas que há uns anos era moda criticar no chamado "eduquês", nomeadamente as ideias de que os alunos devem descobrir as coisas por eles (em vez de ser o professor a dizer-lhes) e de que estudar deve ser divertido parecem-me exatamente o que ocorreria num sistema educativo tomando os bons alunos (que por norma aprendem bem quase sozinhos e gostam de estudar) como modelo em vez de como anormalidades estatísticas; será um indício de que (por mais baixas que sejam as notas de entrada a Ciências da Educação) os bons alunos estejam sobre-representados entre os teóricos da educação (algo bastante provável, pelo simples facto que os bons alunos tendem a estar sobre-representados entre os teóricos de seja o que for)?
Friday, January 19, 2018
E porque é que os bons alunos haveriam de ir para professores?
Publicada por Miguel Madeira em 11:58
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