Por acaso, eu estava à espera que, face à minha questão anterior, alguêm me fizesse a questão inversa - "E se um parlamento, democraticamente eleito, decidisse devolver as empresas aos anteriores proprietários? O Miguel acharia aceitável que os trabalhadores dessas empresas se sublevassem (por algumas coisas que aparecem nesse blogue, é de imaginar que sim)?".
Ainda ninguêm fez a questão, mas vou tentar respondê-la - se essa medida não tivesse feito parte do programa eleitoral das forças dominantes nesse parlamento, um levantamento popular (ou, pelo menos, a desobdiência civil) seria perfeitamente legitimo.
Caso a medida fizesse parte do programa eleitoral dos vencedores - e estes tiverem tido a maioria absoluta dos votos expressos - já me inclino para a ilegitimidade duma acção dessas.
Claro que podem-se levantar aqui mais questões: e se a maioria democrática nacional quiser uma coisa e num concelho quiser outra? P. ex., as várias "Leis de Reforma Agrária" publicadas desde 1976, determinando um devolução gradual de terras aos antigos latifundiários, se calhar até tiveram o apoio da maioria da população a nivel nacional, mas foram claramente rejeitadas pela maioria da população na área abrangida. Da mesma forma, é bastante provável que, mesmo que o "sim" à legalização da IVG ganhe, o "não" ganhe nalgumas regiões.
Outro caso - se fosse decidido, democraticamente (em referendo, já agora), obrigar/proibir o uso do vêu islâmico, seria legitimo que alguma mulher se recusasse a acatar a obrigação/proibição e continuasse a sair à rua sem/com vêu? A minha primeira reacção é "claro que sim!", mas, por outro lado fico a pensar "E qual é o limite? Se cada um comçar a fazer o que acha moralmente correcto, indepentemente da lei, não acabaremos aos tiros uns com os outros?".
À partida, inclino-me para achar que, em questões de direitos de propriedade, deve-se respeitar a vontade democrática, enquanto que em matéria de liberdades civis a desobediência individual já faz mais sentido. A razão é porque em matéria de direitos de propriedade, diferentes concepções acerca de quem é o proprietário legitimo de alguma coisa chocam-se inevitavelmente, logo é necessário (pelo menos na mesma área geográfica) um padrão comum. Pelo contrário, em matéria de liberdades civis há muitas situações em que é possivel desobedecer à lei sem isso afectar outras pessoas. Mas não sei se este meu raciocinio fará grande sentido.
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