Este é o tal post que fiquei de escrever em resposta a estes posts do CN sobre os "benefícios da poupança" (e que o Rui Fonseca já deve estar farto de esperar...).
Vamos imaginar uma sociedade com 3 produtores: o Carlos apanha marisco, o Rui vai à pesca e o Miguel cultiva figos. Cada um vende aos outros o que sobra da sua produção.
Vamos supor que o Carlos decide vender o seu marisco mas não comprar nada com o dinheiro ganho (se forem notas, faz uma fogueira com elas). O que irá acontecer?
Se os preços dos produtos se mantivessem constantes, o Rui e o Miguel iriam ficando com cada vez menos dinheiro e teriam dificuldade em comprar o marisco do Carlos e/ou a produção um do outro. E, claro, o Carlos teria dificuldade em vender o seu marisco (tendo que arranjar outro material que não notas para acender a fogueira). Ao fim de algum tempo estariam os três a tentar vender os seus produtos e nenhum a comprar os produtos dos outros.
Agora, vamos imaginar que, devido ao Carlos retirar dinheiro de circulação, os preços baixam: assim, mesmo que em termos nominais as reservas de dinheiro do Miguel e o Rui vão diminuindo, o seu valor real vai aumentando e eles podem continuar indefinidamente a comprar marisco ao Carlos (e os produtos um do outro) .
Assim, se assumirmos preços rígidos, a poupança (nomeadamente o entesouramento) será má para a economia; se assumirmos que o nível de preços se ajusta de forma a equilibrar a oferta e a procura globais, a poupança será boa.
Agora, é verdade que a médio/longo prazo a redução da moeda em circulação irá fazer baixar os preços. Mas qual é o mecanismo pelo qual a redução da quantidade de moeda faz baixar os preços? Afinal, os preços não se alteram por eles próprios (talvez nos modelos neo-clássicos com concorrência prefeita...); para um preço baixar (ou subir), alguém tem que tomar a decisão de baixar (ou subir) esse preço (e os "Austríacos", que penso até valorizam bastante o papel do "empresário", deveriam ser dos primeiros a reconhecer isso).
Portanto, como é que a redução da quantidade moeda em circulação leva os empresários a baixar os preços? Ou seja, como é que o Carlos (ao queimar as notas na fogueira) leva o Miguel e o Rui (e ele próprio) a baixar os preços? A mim parece-me que (pelo menos no caso de uma redução não-prevista da quantidade de moeda*) o mecanismo será este: a redução da quantidade de moeda origina uma redução da procura, e os empresários, ao verem os seus produtos sem escoamento, decidem baixar os preços.
Ora, o que é que isso significa? Que, nem que seja durante algumas horas (dias? semanas? meses?), uma redução da moeda em circulação tem que criar uma "crise keynesiana" (isto é, os produtores a não conseguirem vender os seus produtos) - é essa "crise" que dá o sinal aos produtores para baixar os preços. Agora a questão é saber quanto tempo demorará essa crise (se demorar poucos dias é diferente do que se demorar 3 anos).
Ainda a respeito da possível duração dessa crise, dá-me a impressão que os "austríacos", implicitamente, admitem que uma expansão monetária pode manter a economia a funcionar acima da sua capacidade durante um período de tempo relativamente considerável (afinal, os tais booms "artificiais" por vezes duram vários anos); assim, acho difícil negar que uma contração monetária também possa manter a economia abaixo da sua capacidade durante bastante tempo, até os preços baixarem a um nível que ponha outra vez as coisas a funcionar; aliás, parece-me objectivamente muito mais fácil a economia produzir abaixo do que acima da sua capacidade (há limites físicos, organizacionais, etc. à sobre-produção; não há para a sub-produção), logo é de esperar que uma "contracção artificial" se possa manter mais tempo que uma "expansão artificial".
*é verdade que, se for uma redução regular e expectável da moeda em circulação, ao fim de algum tempo podemos ter uma baixa de preços sem uma redução da procura: como as pessoas já estão habituadas a uma dada taxa de deflação, é de esperar que todos os anos reduzam os seus preços em função da deflação esperada (tal como, hoje em dia, fazem com a inflação esperada), mesmo que a procura seja normal.
Vamos imaginar uma sociedade com 3 produtores: o Carlos apanha marisco, o Rui vai à pesca e o Miguel cultiva figos. Cada um vende aos outros o que sobra da sua produção.
Vamos supor que o Carlos decide vender o seu marisco mas não comprar nada com o dinheiro ganho (se forem notas, faz uma fogueira com elas). O que irá acontecer?
Se os preços dos produtos se mantivessem constantes, o Rui e o Miguel iriam ficando com cada vez menos dinheiro e teriam dificuldade em comprar o marisco do Carlos e/ou a produção um do outro. E, claro, o Carlos teria dificuldade em vender o seu marisco (tendo que arranjar outro material que não notas para acender a fogueira). Ao fim de algum tempo estariam os três a tentar vender os seus produtos e nenhum a comprar os produtos dos outros.
Agora, vamos imaginar que, devido ao Carlos retirar dinheiro de circulação, os preços baixam: assim, mesmo que em termos nominais as reservas de dinheiro do Miguel e o Rui vão diminuindo, o seu valor real vai aumentando e eles podem continuar indefinidamente a comprar marisco ao Carlos (e os produtos um do outro) .
Assim, se assumirmos preços rígidos, a poupança (nomeadamente o entesouramento) será má para a economia; se assumirmos que o nível de preços se ajusta de forma a equilibrar a oferta e a procura globais, a poupança será boa.
Agora, é verdade que a médio/longo prazo a redução da moeda em circulação irá fazer baixar os preços. Mas qual é o mecanismo pelo qual a redução da quantidade de moeda faz baixar os preços? Afinal, os preços não se alteram por eles próprios (talvez nos modelos neo-clássicos com concorrência prefeita...); para um preço baixar (ou subir), alguém tem que tomar a decisão de baixar (ou subir) esse preço (e os "Austríacos", que penso até valorizam bastante o papel do "empresário", deveriam ser dos primeiros a reconhecer isso).
Portanto, como é que a redução da quantidade moeda em circulação leva os empresários a baixar os preços? Ou seja, como é que o Carlos (ao queimar as notas na fogueira) leva o Miguel e o Rui (e ele próprio) a baixar os preços? A mim parece-me que (pelo menos no caso de uma redução não-prevista da quantidade de moeda*) o mecanismo será este: a redução da quantidade de moeda origina uma redução da procura, e os empresários, ao verem os seus produtos sem escoamento, decidem baixar os preços.
Ora, o que é que isso significa? Que, nem que seja durante algumas horas (dias? semanas? meses?), uma redução da moeda em circulação tem que criar uma "crise keynesiana" (isto é, os produtores a não conseguirem vender os seus produtos) - é essa "crise" que dá o sinal aos produtores para baixar os preços. Agora a questão é saber quanto tempo demorará essa crise (se demorar poucos dias é diferente do que se demorar 3 anos).
Ainda a respeito da possível duração dessa crise, dá-me a impressão que os "austríacos", implicitamente, admitem que uma expansão monetária pode manter a economia a funcionar acima da sua capacidade durante um período de tempo relativamente considerável (afinal, os tais booms "artificiais" por vezes duram vários anos); assim, acho difícil negar que uma contração monetária também possa manter a economia abaixo da sua capacidade durante bastante tempo, até os preços baixarem a um nível que ponha outra vez as coisas a funcionar; aliás, parece-me objectivamente muito mais fácil a economia produzir abaixo do que acima da sua capacidade (há limites físicos, organizacionais, etc. à sobre-produção; não há para a sub-produção), logo é de esperar que uma "contracção artificial" se possa manter mais tempo que uma "expansão artificial".
*é verdade que, se for uma redução regular e expectável da moeda em circulação, ao fim de algum tempo podemos ter uma baixa de preços sem uma redução da procura: como as pessoas já estão habituadas a uma dada taxa de deflação, é de esperar que todos os anos reduzam os seus preços em função da deflação esperada (tal como, hoje em dia, fazem com a inflação esperada), mesmo que a procura seja normal.
2 comments:
"se assumirmos preços rígidos, a poupança (nomeadamente o entesouramento) será má para a economia; se assumirmos que o nível de preços se ajusta de forma a equilibrar a oferta e a procura globais, a poupança será boa."
Continuo a não perceber. Se o Carlos deixa de comprar aos outros, a actividade global decresce. Não percebo em que medida a poupança é, neste caso, boa. Boa para quem?
Estamos a pensar numa poupança "inerte" que tem, evidentemente, consequências idênticas à redução da massa monetária em circulação, que provoca a redução dos preços e da actividade global.
O desequilíbrio dos mercados, e portanto a hipótese do equilíbrio natural dos mercados, a jóia da coroa do neo-liberalismo, não se dá do lado dos mercados de mercadorias e serviços não financeiros mas nos mercados financeiros. É nestes que se gera a instabilidade que provoca os ciclos críticos.
No exemplo que dá, salvo melhor opinião, o reequilíbrio é sempre possível, ainda que com o desfasamento que também refere.
O Carlos não poupa, simplesmente deixa de comprar aos outros, proporcionando mais horas de lazer ao Rui e ao Miguel. O Carlos, afinal, é um benemérito. O problema é que a economia não pode contar muito com ele.
Admitamos que pura e simplemesnte não há moeda: O que acontece, neste caso, é que o Carlos trabalha por nada e os outros dois por pescado e figos. O marisco cai-lhe do céu chamado Carlos.
Não?
No fundo, a tal poupança inerte é o que nos modelos macroeconómicas se chamaria "aumento da procura de moeda".
Ao acumular dinheiro, o que o Carlos faz é deslocar para "sudoeste" a curva da procura agregada. Assim, se a curva da oferta agregada for vertical, a produção mantem-se identica e a única coisa que acontece é uma baixa de preços; se a curva (pelo menos a de curto prazo) for inclinada para a direita, teremos tanto uma redução dos preços como da produção.
No fundo, toda esta discussão se resume a uma discussão sobre o formato da curva da oferta agregada.
Se a curva fosse vertical, a poupança do Carlos levaria a uma descida de preços que levaria a que os stocks monetários detidos pelo Rui e pelo Miguel se estivessem continuamente a valorizar (de forma que eles poderiam sempre gastar algum dinheiro a comprar o marisco do Carlos, sem que a sua riqueza total diminuisse).
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