Thursday, August 05, 2010

«1984» - II

Há quase 5 meses, eu escrevia:

"1984", o romance de Orwell, foi escrito com a intenção de representar o extremo do totalitarismo, e ficou famoso por isso, tendo o nome "big brother" frequentemente utilizado para designar um poder omnisceinte que tudo sabe e controla.

Eu li o livro há 20 anos e já não me lembro bem dos detalhes, mas pelo que me lembro e pelo que tenho pensado, cada vez mais sou da opinião que, nesse aspecto, é uma obra falhada: a Oceania (e provavelmente também a Eurásia a a Estásia) seria melhor descrita como um regime autoritário do que totalitário.

Daqui a uns dias escreverei um post a explicar porquê...
Os "uns dias",afinal, foram 140.

De qualquer forma, como os leitores devem ter adivinhado (pelo menos o Rui Botelho Rodrigues chegou logo lá), a razão porque acho o regime do "Grande Irmão" apenas autoritário (embora o livro apresente-o explicitamente como totalitário e atê dê uma das melhores distinções entre os dois regimes - "o autoritarismo proíbe; o totalitarismo obriga") é que o "totalitarismo" do sistema apenas se exerce sobre uma minoria da população (os membros do partido); a maior parte da população (os "proles") era largamente deixada à vontade (penso que até havia um mercado negro florescente, embora já não me lembre bem do livro).

No fundo, apresentar o «1984» como o extremo do totalitarismo não será um dos muitos exemplos da tendência para confundirmos uma sociedade com a sua "classe média-alta"? [outro exemplo - será que a Idade Média foi mesmo uma "idade das trevas" comparada com a Antiguidade Clássica, ou será largamente uma ilusão provocada pelo desaparecimento dos luxos citadinos do patriciado esclavagista?]

Já agora, não sei se, em «1984» Orwell foi conscientemente influenciado pelo sua obra prévia «O Vil Metal», mas vejo aí um grande paralelo com esse livro anterior, que assenta muito no contraste entre a vida da "classe média-média", aprisionada pelas convenções sociais, e a da classe baixa, que viveria de forma livre e espontânea (p.ex., ao longo desse livro, o protagonista começa por viver numa pensão respeitável, com clientes de classe média e com regras rígidas para os hóspedes, e ao fim de algum tempo vai parar a uma pensão num bairro pobre, cuja proprietária não liga nada ao que os hóspedes fazem ou deixem de fazer, desde que paguem a renda).

Para exemplo de uma sociedade totalmente totalitária, o «Admirável Mundo Novo» de Huxley (com uma excepção) é "melhor": ai toda a gente (desde a classe dos "Alfas" à dos "Epsilons") tem a sua vida rigorosamente planeada, condicionada e dirigida (ou melhor, aí é o contrário - só na classe alta dos "Alfas" é que é aceite alguma individualidade); a excepção -  enquanto os dissidentes em 1984 são torturados até se submeterem, no AMN são simplesmente deportados para ilhas (logo, nesse aspecto até é uma sociedade mais "livre").

[Uma leitura recomendada sobre o assunto - os comentário deste post n'O Insurgente]

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