Ludwig Krippahl sobre a produtividade: «Uma grande virtude da economia, enquanto ciência, é ter conceitos rigorosos e quantificáveis. Um grande defeito da economia, enquanto política, é dar a esses conceitos o mesmo nome que, na linguagem comum, damos a conceitos diferentes. Um exemplo disto é a “produtividade”» (via A Douta Ignorância).
Concordo com a opinião de Krippahl que a produtividade em economia tem um significado diferente de na linguagem comum; mas não concordo propriamente com grande parte das objecções concretas que ele levanta (há uma que realmente acho importante - "Se a produtividade é calculada, por exemplo, dividindo o PIB pelas horas de trabalho, dizer que a economia cresce porque a produtividade aumenta é como dizer que eu estou mais gordo porque o meu peso aumentou. É uma explicação ilusória porque não exprime uma relação causal. É apenas uma tautologia, assim por definição").
Então, onde eu acho que está o problema da diferença entre a produtividade na linguagem económica e na linguagem comum? Em duas coisas:
1 - Na linguagem comum é usual usar "produtividade" como um sinónimo de "produção", o que leva frequentemente a comentários "temos que pôr esta gente do RSI a trabalhar para subirmos a produtividade", ou "como é que querem que o país seja produtivo com tantos feriados e pontes?". Se a segunda observação ainda poderá fazer algum sentido (se definirmos produtividade como [produção]/[nº de trabalhadores], em vez de como [produção]/[nº horas trabalhadas]), a primeira não faz sentido nenhum (na verdade é de esperar que pôr pessoas pouco qualificadas a trabalhar vá reduzir a produtividade, já que é natural que o numerador aumente menos que o denominar)
2 - na linguagem comum, "produtividade", aplicada a um trabalhador, costuma ser usada para se referir a uma caracteristica intrinseca desse trabalhador - um trabalhador "mais produtivo" é um trabalhador que produz mais do que outro na mesma situação; quando o trabalhador A produz mais que o B por usar ferramentas melhores, não é costume dizer que o A "é mais produtivo"; também não é comum comparar produtividades em diferentes profissões ou sectores - ninguém diz que um médico é mais produtivo que um enfermeiro: o usual é dizer que um enfermeiro é muito ou pouco produtivo em comparação com os outros enfermeiros, e o mesmo para um médico.
Por outras palavras, na linguagem comum, "baixa produtividade" é basicamente usada como sinónimo de "preguiça" e/ou "incompentência".
Agora, há um detalhe - se os economistas (e os jornalistas) fossem 100% rigorosos no uso dos termos, talvez não não haouvesse grande problema; afinal, o termo técnico para "produção por hora trabalhada" é "produtividade aparente do trabalho", mas toda a gente diz apenas "produtividade do trabalho".
Assim, quando a forma simplificada de usar o termo técnico se conjuga com o significado vulgar, a expressão "a produtividade em Portugal é muito baixa" soa como "os portugueses são uns mandriões!".
[Aliás, a tautologia que que Krippahl refere tem provavelmente a sua origem nisso - é verdade que dizer "Portugal é pobre porque tem baixa produtividade" é completamente circular, no sentido económico da palavra "produtividade"; mas para quem está habituado ao uso vulgar, parece uma explicação profunda para o atraso português - "o mal é que somos uns calões")]
Monday, May 16, 2011
Re: Produtividade
Publicada por Miguel Madeira em 14:37
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5 comments:
Miguel,
não percebi as objecções. Pelo que leio, este texto limita-se a explicar de forma mais detalhada precisamente aquilo que o Ludwig pretendeu afirmar.
A principal é que foi apontada n'A Douta Ignorância (que a prosutividade normalmente é medida em PPC, logo a questão dos preços diferentes não irá afectar a produtividade.
Há outro ponto, que eu não foquei no texto para porque queria focar-me na questão da desvalorização fiscal, mas com que também não concordo:
"se em dez horas de trabalho um agricultor produz legumes que valem mais 50€ do que lhe custou o gasóleo, adubo e rega, o economista dirá que este trabalhador tem uma produtividade horária de 5€, e que é vinte vezes menos produtivo do que o astrólogo que, em meia hora, ganhe 50€ por uma consulta. Em contraste, quem não for economista dificilmente defenderá que a astrologia é uma actividade mais produtiva do que a agricultura, precisamente porque a noção comum de produtividade não se limita ao preço. E sem essa exigência adicional não se pode inferir da produtividade nada acerca do mérito ou do sacrifício a exigir. Por exemplo, ninguém iria aceitar ser necessário facilitar o despedimento e reduzir os salários dos agricultores por não serem tão produtivos quanto os astrólogos."
Apesar de o astrólogo produzir um bem menos tangível que o agricultor, esta comparação é forçada porque utiliza propositadamente um serviço que a maior parte das pessoas vê como inexistente.
A isto poderia ser contraposto o caso do agricultor que ganha 500€/mês vendendo bananas e da orquestra russa que dá um concerto que rende 5.000.000€. O concerto é intangível, mas não deixa de ser um serviço real, com um valor de mercado bem superior ao das bananas.
Não podemos viver só de astrólogos, mas também não podemos viver só de orquestras. E o preço das orquestras resulta da utilidade marginal que o público extrai dela. Que, no caso, é superior à do alimento agrícola.
E discordo da ideia de que os benefícios materiais [mesmo os que são canalizados pela Segurança Social] do trabalhador podem ser desligados da produtividade, que me parece ser a essência do post do LK. Se o astrólogo vende 10 vezes mais do que o agricultor, pode pagar 10x mais impostos e financiar 10x mais prestações sociais. Tal como os alemães, mais produtivos, podem financiar mais prestações sociais do que os portugueses.
Eu ia referir também a questão do astrólogo, mas depois pensei melhor no assunto e conclui que, no que é dito explicitamente, é mais ou menos igual ao exemplo do enfermeiro e do médico - que, na linguagem comum, ninguém diz que as pessoas que exercem uma profissão melhor remunerada são mais "produtivas" por isso.
É verdade que há uma diferença - embora ele não o diga explicitamente, parece claro que o LK acha o astrólogo menos produtivo que o agricultor (enquanto eu me limito a dizer que o sentido usual da palavra não faz comparações entre médicos e enfermeiros); no entanto, explicitamente ele apenas diz que o astrólogo não é mais produtivo que o agricultor, que é exactamente o que eu digo do médico e do enfermeiro.
Creio que há alguns problemas fundamentais nas medidas do Pib, mesmo em PPC, que justificam algumas reservas quanto ao uso da medida (o que nã implica, obviamente a sua inutilidade - acho que é uma medida muito importante).
Uma corresponde à distinção entre serviços formais e informais.
Se numa economia existem 80 trabalhadores que trabalham 10h diárias e produzem X por hora, e 20 empregados domésticos que trabalham 8h por dia a limpar a casa dos trabalhadores (recebendo X por hora), mais 2h a limpar as suas próprias casas, temos um PIB de 960X por dia.
Mas se tivermos 100 trabalhadores que trabalham 8h por dia produzindo X, e 2h a limpar as suas próprias casa, temos precisamente o mesmo trabalho produzido, e um PIB de apenas 800X.
Se eu ajudo o Miguel a fazer a mudança de casa quando precisa, e o Miguel faz o mesmo quando preciso; este espírito de entre-ajuda faz com que o PIB seja mais baixo do que se eu cobrar ao Miguel a ajuda, e ele depois ma cobrar a mim.
Isto torna o exemplo do Astrólogo relevante na medida em que exemplefica adequadamente esta distinção entre o sentido técnico do termo, e o sentido comum da palavra.
Mas o exemplo é ainda mais adequado para ilustrar uma outra questão: quando se fala em produtividade no sentido comum aparenta que o mais relevante é o trabalho, o esforço, etc. ou a utilidade do bem produzido sem ser claro qual o critério, mas no sentido económico do termo o mais relevante é o «valor de mercado», independentemente da utilidade real do bem produzido (em relação à qual seria difícil encontrar um critério objectivo).
Um bom exemplo é o astrólogo, que produz mentiras, mas produz algo com consideravel valor de mercado. Podemos considerar outro exemplo simples: um lenhador vende a lenha que produz a 5 moedas porque lhe bastam; e um colega seu vende a mesma quantidade de lenha a 10 moedas porque pode, tem quem lhe pague tal coisa. Produziram o mesmo bem, nas mesmas circunstâncias, e de acordo com a linguagem comum foram igualmente produtivos. Mas porque um tomou a opção de não vender a lenha ao melhor preço que podia, acaba por ser considerado muito menos produtivo.
Este tipo de diferenças entre aquilo que o termo evoca na linguagem comum e aquilo que implica na liguagem técnica é, a meu ver, bem ilustrado pelo exemplo do Astrólogo.
Também discordo que o uso de PCC obste completamente à analogia que o Ludwig faz no que diz respeito à Alemanha. O artigo que valeu o Nobel a Krugman entre outras coisas demonstrou aquilo que nos é intuitivo: mesmo que os trabalhadores portugueses fossem absolutamente iguais aos trabalhadores alemães, o seu salário de equilíbrio seria superior em virtude da situação geográfica da Alemanha ser central e a de Portugal periférica. As indústrias fixar-se-iam em Portugal se os salários portugueses fossem mais baixos o suficiente para compensar os custos de transportação acrescidos para a generalidade do mercado europeu.
Isto implica que mesmo que, no sentido comum, os trabalhadores fossem igualmente "produtivos", no sentido económico do termo os trabalhadores alemães seriam mais produtivos, mesmo com a produtividade medida fazendo as correcções ao poder de compra - e isto denuncia com clareza a distinção entre o sentido comum e o sentido técnico, cujo equívoco serve algum discurso político.
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