Sunday, October 16, 2011

Aumentar ou reduzir meia hora de trabalho?

O Gonçalo do Notas Livres dá uma ideia que dá que pensar - em vez de dar às empresas a possibilidade de aumentar em meia-hora (presume-se que não remunerada) o horário dos seus trabalhadores, terem a possibilidade de reduzir em 14% a duração do horário de trabalho, suspendendo os subsídios de ferias e natal.

Eu, a respeito disso, tinha pensado noutra coisa (mas se calhar parecida) - seria provavelmente mais útil à economia as empresas puderem reduzir o horário laboral em meia-hora (reduzindo proporcionalmente o salário) do que aumentar em meia-hora: a primeira medida daria alguma flexibilidade para empresas com poucas vendas reduzirem a produção e os custos sem irem à falência nem despedirem ninguém (claro que para o trabalhador é mau ver o seu horário e ordenado reduzidos, mas penso que seja menos traumático do que ir para o desemprego); já a medida aprovada só seria útil se se assumisse que temos montes de empresas a produzir no pico da capacidade e que vão aumentar a produção se trabalharem mais horas - suspeito que no momento actual só uma minoria de empresas esteja nessa situação.

O grande problema de uma medida dessas (ou como a que o Gonçalo sugere) é que não tem possilidade de obter apoio político:

- a esquerda seria contra por razões óbvias: isto não anda muito longe de flexibilizar os despedimentos; em vez de despedir alguns trabalhadores, seria "despedir" parcialmente todos os trabalhadores (não mandavam um para a rua, mas mandavam todos para casa - com menos ordenado - mais cedo), mas o principio é mais ou menos o mesmo

- suspeito que a direita também seria contra: uma medida deste género (reduzir os horários e salários para se adaptar às vendas reduzidas) tem implícito a ideia que o problema da crise é do lado da procura; ora, de forma geral o pensamento dominante à direita é que os problemas económicos tem a sua raiz no lado da oferta (baixa produtividade, empresas pouco competitivas, salários muito elevados, etc.).

Uma nota final - o famoso acordo laboral da Autoeuropa é um bocado parecido com isto. Não foi exactamente isto - não reduziram os salários nem o horário de trabalho; mas os trabalhadores aceitaram não ter aumentos salariais (ou ter aumentos reduzidos, não sei bem os detalhes), tendo em vez disso dias de descanso adicionais, o que acaba por ser a mesma filosofia.

4 comments:

João Vasco said...

Bem visto.

RPR said...

Miguel,

Tendo em conta a redução do poder de compra dos funcionários públicos, manter os níveis salariais dos trabalhadores privados pode ter sido para o governo condição essencial para não deteriorar ainda mais a economia. Isto, claro, para além do bias ideológico de que o Miguel fala no texto.

Cumprimentos

Miguel Carvalho said...

Miguel,
já com algumas semanas mas bem a propósito:

http://comunidade.xl.pt/JNegocios/blogs/massamonetaria/archive/2011/10/28/o-que-vale-mais-meia-hora.aspx

o problema é do lado da procura, ponto final

João Vasco said...

Se uma empresa tem 10 trabalhadores que trabalham 40 horas semanais, mas só necessita de 280 horas de trabalho devido à diminuição da procura (70% da capacidade instalada), existem 3 postos de trabalho em risco.
Mas se as horas semanais diminuem para 35, já só 2 postos de trabalho estão em risco.

Longe de pôr em causa este argumento, a notícia que colocaste reforça-o.