Friday, October 28, 2011

Violência política

Violências, por Neves:

O modo como alguns cronistas reagem à associação entre violência e política recorda-me sempre a teoria da escalada. Se alguém atira uma pedra contra uma montra, ainda o vidro não estilhaçou e já um batalhão de cronistas se levanta para nos alertar para o risco de um dia esse alguém se sentar numa cadeira do poder e ordenar a incineração de milhões e milhões de seres humanos. (...)


Nos debates que se avizinham, melhor seria reconhecermos, na verdade, que ninguém é contra a violência política propriamente dita. A maior parte dos cronistas que hoje encontramos a condenar a violência é na realidade favorável a um monopólio estatal da violência. Deste monopólio, aliás, os cronistas apresentam-nos não raras vezes uma história cor-de-rosa, segundo a qual sem a centralização da violência teríamos a guerra civil permanente em que todos nos comeríamos a todos. Trata-se aqui de uma história da violência estatal como factor de pacificação que esquece que as democracias em que vivemos usaram da violência não só para derrubar ditaduras nos seus países mas também para impor a ditadura sobre outros países – das democracias colonialistas europeias ao belicismo de uma democracia como a norte-americana. Trata-se, enfim, de uma história cor-de-rosa que esquece que o monopólio da violência permite às forças policiais do Estado agir uma e outra vez à margem da lei – apenas uma história cor-de-rosa da violência estatal nos permite esquecer diariamente o facto de a tortura no interior das prisões sobreviver ao fim dos presos políticos.

Em suma, a questão essencial não é saber quem é a favor ou contra a violência política, mas de que tipo, de que formas, de que modos de violência estamos a falar.

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