Saturday, January 14, 2012

O arrendamento e o endividamento

De vez em quando surge a teoria de que a culpa do endividamento nacional é (pelo menos em parte) da dificuldade em arrendar casa (há uns dias, tanto o Daniel Oliveira como o Henrique Raposo vieram com essa teoria); se eu percebo, a teoria é que, como não há casas para arrendar, as pessoas têm que comprar casa, e como muitas não têm dinheiro para isso, tem que pedir emprestado.

Então, vamos lá ver - vamos supor que eu, em vez de ter pedir, digamos, 100.000 euros ao banco para comprar uma casa, ia viver para uma casa arrendada; teriamos menos endividamento, certo? Afinal, foram menos 100.000 euros que foram pedidos de empréstimo.

Mas, mesmo que eu arrendasse uma casa em vez de comprar, ela não ir surgir do ar; ou seja, mesmo que eu não compre a casa, alguém tem que a comprar (para depois a arrendar a mim); e, então, das duas uma:

1ª hipótese - essa pessoa (o meu hipotético senhorio) pediu ele dinheiro emprestado para comprar a casa; nesse caso, nada muda em termos de endividamento

2ª hipótese - essa pessoa comprou a casa com o dinheiro dele; realmente, nesse caso (e ao contrário dos anteriores), não foi concedido nenhum empréstimo de 100.000 euros; mas provavelmente foi levantado um depósito de 100.000 euros, logo a diferença entre "empréstimos concedidos" e "dinheiro disponível em Portugal para emprestar" aumentou à mesma 100.000 euros (por outras palavras, é a mesma necessário ir pedir mais 100.000 euros emprestados ao estrangeiro).

Ou seja, a diferença entre comprar ou arrendar casa pode afectar a quantidade de dinheiro que alguns portugueses devem a outros portugueses, mas não terá efeitos relevantes sobre a dívida total liquida do conjunto dos portugueses.

Pondo as coisas de outra maneira - ou há capital disponível em Portugal para financiar a construção e compra de casas, ou não há; se há, a compra de casas (seja para habitação própria, seja para arrendamento) não vai causar endividamento líquido do conjunto dos portugueses (alguns podem-se endividar, mas outros terão um saldo positivo); e se não há, haverá endividamento de qualquer maneira (a única diferença entre as várias modalidade é quem se irá endividar).

Bem, na verdade há uma situação em que a opção pelo arrendamento em vez de pela compra iria reduzir o endividamento externo - se fossem os investidores estrangeiros a investir directamente no mercado da habitação, ficando eles como senhorios; aí ninguém em Portugal se iria endividar para ter casa; mas haverá uma grande diferença entre o país estar fortemente endividado ao estrangeiro e ter que pagar juros, ou grande parte dos activos reais do país estarem nas mão de estrangeiros, que recebem rendas por isso? Pelo menos, acho que o argumento que fiz em 2010 sobre "o problema da dívida externa" aplicar-se-ia também nesse caso, com uma ou outra alteração de pormenor.

2 comments:

Carlos Guimarães Pinto said...

A questão tem mais a vêr com o subaproveitamento do actual parque habitacional: T3 ocupados por pessoas sozinhas, casas que poderiam ser recuperadas e valer mais, pessoas que mantêm segundas casas apenas porque pagam 10€ de rendas, etc A eliminação destas situações trará mais quartos para o mercado. Pode-se discutir a relevância, mas o efeito existe.

João Vasco said...

Ia escrever o mesmo.

A pessoa X tem duas casas, por circunstâncias da vida. Não as quer vender, também por circunstâncias da vida.

Uma opção é arrendar uma dessas casas, e obter um rendimento mensal. Mas essa opção envolve um risco, e se depois o inquilino isto e aquilo (coisa que uma possível lei melhor poderia proteger, mas por hipótese ainda não protege)? Então a casa fica vazia, e o potencial inquilino lá tem de pedir dinheiro ao banco e comprar outra casa, enquanto esta primeira apodrece sozinha.

Diga-se que a situação actual em Portugal é que existe um número de casas muito superior ao número de famílias, o que leva a crer que, não obstante algumas casas de férias ou com outro objectivo do género, certamente existem muitas casas sub-aproveitadas em situação análoga à do exemplo. E pelo menos em Lisboa prédios devolutos são o pão nosso de cada dia.