Monday, February 09, 2015

Vacinas

Deve a vacinação ser obrigatória?

Há primeira vista, poderia-se pensar que quem não se vacina está-se a prejudicar a si próprio, logo estaria no seu direito.

No entanto, há aqui duas peculiaridades:

a) Em primeiro lugar, grande parte das vacinas são para ser tomadas quando se é criança, ou seja numa idade em que há um consenso quase geral de que as pessoas precisam que alguém mande neles para seu próprio bem; assim, a questão será - deve caber unicamente aos pais a decisão de vacinar ou não os seus filhos, ou a "sociedade" em certas circunnstâncias deve ultrapassar a autoridade dos pais em nome do bem-estar dos filhos?

b) Em segundo lugar (e talvez o mais importante), se as vacinas fossem 100% efetivas, quem não se vacinasse só se estaria realmente prejudicando a si próprio (afinal, mesmo que eu apanhasse uma doença por não me vacinar, só iria contagiar outras pessoas que também não se vacinam, e os adeptos das vacinas continuariam protegidos e a viver a sua vida tranquilmente); mas a maior parte das vacinas não são 100% efetivas - há sempre uma pequena probabilidade de alguém vacinado apanhar a doença se for exposto ao micróbio; desta forma, os não-vacinados (que apanham mais facilmente a infeção) continuam à mesma a representar um perigo para os vacinados (a isso junte-se o problema adicional que algumas pessoas não podem mesmo ser vacinadas, ou porque são muito novos, ou por questões de saúde, etc.; estes não-vacinados involuntários são postos em perigo pelos não-vacinados voluntários).

Em regra geral, considera-se que, desde que uma dada percentagem da população (costuma-se falar em 95%, mas não sei se esse número é valido para todas as doenças, ou se é apenas o mais falado por ser um múltiplo de 5) esteja imunizada contra uma doença, toda a população acaba por estar protegida (a chamada "imunidade de grupo") - como quase ninguém pode apanhar essa doença, mesmos os raros não-imunizados (seja por não estarem vacinados e nunca terem apanhado a doença antes, seja por - mesmo tendo sido vacinados ou infetados - a imunização não ter funcionado) não se vão cruzar com ninguém infetado, e não vão apanhar a doença.

Agora voltamos à questão inicial - a vacinação deve ser obrigatória? Uma solução, que permitisse a algumas pessoas que são visceralmente anti-vacinação não se vacinarem, e ao mesmo tempo não pusesse em perigo a saúde pública, passaria por assegurar que o número de não-vacinados nunca ultrapassasse o limiar a partir do qual deixa de haver "imunidade de grupo"; isso poderia ser feito cobrando uma taxa de não-vacinação (no fundo, um imposto pigouviano): se houvesse muita gente a não se querer vacinar (a níveis perigosos), subia-se o valor da taxa até reduzir a quantidade de não-vacinados a niveis inofensivos (as pessoas que não se pudessem mesmo vacinar por razões da saúde seriam isentas); em alternativa, poderia-se emitir (um número limitado) de "licenças de não-vacinação" e vendê-las em leilão - eu até acho que este sistema seria mais eficiente, já que fixava de antemão a quantidade de pessoas não-vacinadas (enquanto no sistema da taxa é preciso ir por tentativa e erro até acerta num valor que garantisse que a quantidade de não-vacinados seria inofensiva), mas acho que seria politicamente impossível de implementar (soaria muito mal que o "direito à não-vacinação" fosse apresentado como algo reservado para quem esteja disposto a pagar mais, mesmo que na prática o sistema da taxa vá dar ao mesmo).

[Se alguém achar esses dois sistemas muito parecidas com as propostas para limitar a poluição - como impostos sobre a poluição ou quotas transacionáveis de emissão de poluentes - não é coincidência]

Note-se que, embora, eu ali acima fale desse sistema tomando como implicita a sua implementação a nivel de um estado nacional, esse mecanismo (ou algo muito parecido) poderia perfeitamente ser implementado a nivel de um munícipio, escola, condomínio, clube recreativo, etc.

É preciso também notar que há vacinas e vacinas - atendendo à perigosidade da doença, possibilidade real de contágio grau de dúvida sobre a própria efetividade da vacina, etc. (tal como atualmente há vacinas que são obrigatórias e outras não, só faria sentido aplicar este sistema aquelas vacinas que se considera-se que havia mesmo um interesse coletivo importante em assegurar que muita gente se vacinasse - em principio seriam as que atualmente são obrigatórias; p.ex., creio que não faria sentido cobrar uma taxa a quem não se quisesse vacinar contra a gripe).

Uma nota final - o problema da recusa da vacinação nos EUA (que originou recentemente uma epidemia de sarampo) deriva largamente de um mito de que as vacinas provocam autismo. O que é interessante aqui é que as pessoas que desconfiam da medicina institucional teriam pelo menos duas possíveis teorias "anti-medicina institucional" para explicar o aumento de diagnósticos de casos de autismo - a teoria de que as vacinas causam autismo, e a teoria de que os psicólogos estão a diagnosticar como "autistas" muitas pessoas que são apenas excêntricas (tal como muita gente defende acerca dos diagósticos de "Déficit de Atenção/Hiperatividade"); pelos vistos, optaram pela teoria que já foi mais que refutada por montes de estudos(a das vacinas) em detrimento daquela que talvez até tenha alguma sustentação (a dos erros de diagnóstico, que é defendida inclusive pelo próprio psiquiatra que coordenou o grupo de trabalho que nos anos 90 alterou as regras de diagnóstico de autismo e condições similares)

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