Friday, January 08, 2016

A problemática do colesterol

Não, não vou escrever sobre a tal polémica sobre se o colesterol faz mal ou bem.

É sobre um assunto em que é mais fácil leigos como eu terem opinião.

Porque é que, sempre que digo que tenho colesterol baixo, ou que o médico me disse que tenho que subir o colesterol, tudo a gente pergunta "baixo ou alto?" ou "subir ou baixar?"?

Bem, o que eu tenho é colesterol-HDL baixo (23, quando o mínimo recomendado é 40), mas a minha questão é mesmo essa: porque é que quando se fala em "colesterol" se pensa automaticamente no colesterol-LDL (o tal que faz mal estar muito alto) em vez de no colestrol-HDL (que faz mal estar muito baixo)?

A hipótese mais simples, claro, é que haja mais gente com problemas de colesterol-LDL alto de que com problemas de colestrol-HDL baixo (sinceramente, não faço ideia).

Mas ocorre-me outra hipótese: talvez seja mais fácil transformar problema de saúde do colestrol-LDL alto num drama moral do que o colesterol-HDL baixo?

Explicando melhor: a sabedoria convencional (ainda que me parece estar a ser posta em causa) é que baixar o colesterol-LDL implica deixar ou pelo menos reduzir o consumo de certas comidas, o que cria montes de situações muito parecidas a uma luta heróica entre a virtude e o pecado, estilo uma pessoa estar comer e "esta comida sabe tão bem; mas é melhor parar, por causa do colesterol..."; supostamente baixar o colesterol-LDL implica sacrificios, resistência à tentação, e a ideia de que o pecado mora ao lado (agora sob a forma de um bife suculento na travessa). E isso logo por si cria montes de situações para no dia-a-dia se falar do "colesterol" ("tenho que ter cuidado com esta comida por causa do colesterol", "depois da semana das festas é melhor não fazer análises porque o colesterol vai estar alterado", etc, etc,).


Em compensação subir o colestror-HDL é muito mais prosaico: implica comer mais certas comidas, mas essas comidas (frutos secos e peixe azul) até são consideradas saborosas por grande parte das pessoas, logo por aí não há margem para grandes sacrificios; também implica fazer exercício (sobretudo de baixa intensidade), o que já pode ter uma componente de sacríficio, mas já há tantas recomendações de saúde para se fazer exercicio que "subir o colestrol-HDL" acaba por não ter influência adicional (e se calhar também é menos provável numa conversa casual surgir o assunto "tenho que fazer exercicio" do que "não posso comer mais").

Ou seja, o problema do colesterol-LDL alto abre caminho a algo parecido com uma guerra heróica e épica entre o bem e o mal, uma espécie de Senhor dos Anéis/Guerra das Estrelas gastronómico-medicinal; pelo contrário, o problema do colesterol-HDL baixo é pouco mais que uma questão técnica sem grande espaço para heroísmos ou quedas para o Lado Escuro da Força.

Será que se poderá daqui extrair conclusões mais amplas, estilo suspeitar que muita da moderna preocupação com a saúde tem muito de moralismo puritano implícito e não apenas de ciência objetiva, e portanto centra-se sobretudo nas questões em que fácil criar uma narativa de luta entre a "virtude" e o "pecado"?

[De qualquer forma, tenho que começar a atualizar mais o blogue: provavelmente é a falta do exercício de clicar no teclado para escrever - algo que implica mais movimentos musculares do que simplesmente usar o rato ou escrever pequenos url na barra do browser para ler o que os outros escrevem - que está a fazer baixar o meu colesterol-HDL]

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