Monday, March 13, 2017

Contra as "soft skills"

Há duas semanas, o Expresso/Economia falava sobre as chamadas soft skills, numa entrevista com o Secretário de Estado do Emprego, em que tanto entrevistador como entrevistado pareciam concordar que eram "decisivas"; mas "decisivas" para quem? Noto que, em termos de politicas públicas, o que interessa é a promoção do bem estar geral, logo é relevante ver se as soft skills contribuem para o bem-estar geral, ou apenas para o bem-estar do indivíduo que as tem.

E o que suspeito é que as soft skills funcionam muito em contextos de soma quase nula: muitas vezes são úteis sobretudo para atividades como vendas, conseguir convencer outras pessoas numa reunião que a minha ideia é a melhor, etc. Ora, essas atividades acrescentam pouco ou nenhum valor ao conjunto da sociedade (e da economia real, mesmo que até possam ter efeitos no PIB medido) - se eu consigo convencer um cliente a comprar o produto da minha empresa, normalmente ele vai deixar de comprar de outra; se a minha opinião triunfa na reunião, outra deixa de triunfar - o que pode ser bom ou mau, conforme a minha ideia for melhor ou pior que as outras - em média, o efeito sobre a qualidade da decisão tomada será nulo (atenção que a capacidade de, numa reunião, conseguir pensar numa solução que tenha as vantagens das várias soluções em disputa sem os respetivos inconvenientes, e assim conseguir que as várias partes se ponham de acordo, já é, parece-me, mais uma qualidade predominantemente "hard skills", já que depende sobretudo da capacidade de descobrir uma solução técnica para as objeções apresentadas, não apenas de ter paleio para convencer os outros); admito que possa haver exceções em casos em que é melhor uma má decisão que nenhuma, e em que aí é realmente útil ter alguém com capacidade de convencer os outros a tomar uma decisão (mesmo que essa decisão seja má), mas acho que são exceções (sobretudo se pensarmos em termos do conjunto da economia).

De certa forma, isto é algo parecido com o que escrevi aqui: «Pessoas que prefiram o raciocínio lógico serão mais dadas a procurar soluções para os problemas, enquanto pessoas que prefiram as aptidões sociais valorizam mais o saber viver (e saber convencer os outros a saber viver) com os problemas; por exemplo, imagine-se que as pessoas que utilizam um dado sistema informático não gostam de algumas das coisas que trabalhar com esse sistema implica - uma pessoa mais virada para as aptidões relacionais reagirá a essa situação tentando convencer os outros que as vantagens do sistema suplantam os inconvenientes, que apesar de tudo é o melhor sistema disponível, etc. Já alguém mais virado para o raciocínio lógico reagirá à situação tentando aperfeiçoar o sistema, de forma a que deixe de haver razões de queixa. Assim, a preferência pelo raciocínio lógico tenderá a estar associada com maior progresso técnico.» (onde está "raciocínio lógico" ponha-se "hard skills" e "aptidões sociais/relacionais" ponha-se "soft skills" - a lógica do raciocínio é mais ou menos a mesma)

Aliás, até me arrisco a dizer que algumas soft skills podem ser consideradas "parasitárias" - como vimos atrás, muitas vezes pouco ou nada acrescentam ao bem-estar geral (a tal soma nula); mas é inegável que beneficiam o indíviduos que as tem (o vendedor que vende mais ganha mais comissões e provavelmente mais ordenado base; quem numa reunião consegue sempre convencer os outros ganha uma aura de liderança, potenciando promoções, etc.). Mas, se uma qualidade beneficia a pessoa que a tem, mas não aumenta a riqueza geral, a conclusão lógica é que o faz reduzindo a fatia do bolo das outras pessoas (ou seja, talvez possam dizer que muitas vezes as soft skills têm externalidades negativas*).



*Antes que alguém diga que se poderia então justificar um programa estatal para combater as soft skills, eu digo que isso era impossível; quase por definição, as pessoas com soft skills têm capacidade de adaptação, logo facilmente poderiam camuflá-las para evitar alguma espécie de imposto pigouviano que alguém pensasse lançar

1 comment:

pedro romano said...

Também já pensei nisso. Aliás, seria engraçado saber ao certo que fracção do VAB das economias desenvolvidas é de facto destinado (ou desperdiçado...) em actividades deste género. Quantas pessoas é que as grandes marcas empregam a melhorar os seus produtos/serviços, e quantas pessoas é que empregam a divulgá-los, a promovê-los ou a dar-lhes um branding mais apelativo?

A minha suspeita, reforçada ao longo da minha vida profissional, é que é muito maior do que suspeitamos. Em parte, desconfio, porque estamos num ponto em que o retorno marginal da publicidade é maior do que o retorno do I&D. É preciso um investimento brutal em I&D para melhorar carros topo de gama, e a melhoria marginal é tão curta que se calhar o cliente final nem repara. Em vez de dar ao cliente um produto apenas um pouquinho melhor, mais vale tentar criar na sua cabeça a ideia de que ele é muito melhor.

Na verdade, penso que isto explica um bocadinho do paradoxo da produtividade: aposto que a robotização está a afectar precisamente estas actividades predatórias, que se limitam a redistribuir VAB bruto, em vez de criar VAB líquido: https://desviocolossal.wordpress.com/2016/11/22/robos-produtividade-e-pontas-soltas/