No Observador, Luís Aguiar-Conraria escreve sobre a "economia comportamental", nomeadamente referindo que não teve tantos resultados práticos como se esperava.
Uma ideia que pode em parte explicar isso: os estudiosos da economia comportamental estão constantemente a descobrir supostos "bias" que farão as nossas decisões não serem perfeitamente racionais, mas eu suponho que o "bias" fundamental é "tradicionalismo" - na maior parte das decisões seguir uma regra pré-estabelecida em vez de estar constantemente a calcular qual a solução mais ótima; e até diria que este "bias" pode ser facilmente integrado na teoria neoclássica: é só assumir que o próprio ato de resolver problemas de otimização tem um custo para que a meta-solução ótima seja, não estar sempre a determinar a solução ótima ("Daqui a dois meses a televisão vai voltar a passar os episódios de «A Quinta Dimensão» - em função disso, quantas latas de conserva de atum eu devo comprar amanhã?"), com o esforço mental permanente que isso implica, mas sim só determinar soluções ótimas periodicamente, e no intervalo entre essas reformulações seguir o que foi anteriormente decidido [ou seja, resolver um problema de otimização do tipo "Z(t) é o custo anualizado de usar a mesma estratégia durante t dias, sem a adaptar a mudanças externas; R é o custo de estar a resolver um problema de otimização; qual é o valor t que minimiza Z(t)+365*R/t?" - a versão neoclássica tradicional assume R=0 e logo t=0].
Um dos exemplos que o LA-C dá (da medicação dos doentes cardíacos) faz-me até pensar no caso da minha medicação para a hipertensão - um comprimido por dia, que normalmente tomo junto com uma caneca de leite de manhã; mas não foram nem uma nem duas as vezes que, ao tomar um caneca de leite a outra hora do dia, lá vai mais um comprimido também (com o hábito "tomar um comprimido para a tensão a seguir a beber leite" a levar a melhor às instruções "tomar um comprimido por dia"); um exemplo da "tradição" a agir?
Mas, se o principal "bias" for "tradicionalismo", isso pode indiciar que políticas (sejam elas públicas ou privadas) feitas a pensar nos "bias" podem ter pouco efeito a médio/longo prazo, ou talvez mesmo a curto: é só esperar algum tempo para os indivíduos se ajustarem que as novas políticas deixam de fazer efeito; mais - se a mudança for demasiado visível, pode incentivar os indivíduos a mudar os seus planos mais depressa que o que tinham inicialmente projetado, e ai o efeito da política esvazia-se logo.
Diga-se que os subsídios de férias e natal podem ser uma exceção ao que estou a dizer - aí o pagamento por duodécimos é capaz de poupar realmente trabalho de planificação às empresas (e, inversamente, o pagamento concentrado em dois pode poupar trabalho de planificação aos empregados), independentemente de estarem ou não habituados a ele (se fosse só pelo tal tradicionalismo, isso explicaria porque muitos trabalhadores preferem receber concentrado, mas não porque muitas empresas preferem pagar em duodécimos), pelo que talvez alguns dos seus efeitos económicos se prologuem mesmo no tempo (mas de qualquer maneira mantêm-se o principio de o "bias" estar associado a querer poupar o trabalho intelectual necessário). E, por outro lado, nunca ouvi dizer que nos países em que o ordenado é pago em 12 (ou em 52) prestações haja algum reivindicação dos trabalhadores no sentido de ser pago em 14, logo se calhar é mesmo só uma questão de hábito.
Ainda a respeito de haver custos na resolução de problemas de otimização, o próprio facto de a maior parte dos alunos das disciplinas de micro-economia não terem nota 20 nos exames é indicativo: se alunos previamente selecionados por uma aptidão intelectual para esse tipo de raciocínio provavelmente acima da média, e depois especialmente treinados para resolver esse tipo de problemas, não conseguem resolver todos corretamente (e tendo frequentemente mais de uma hora para o fazerem), quer dizer que há alguma dificuldade em resolver problemas de otimização, não sendo algo que possa ser resolvido sem custos (incluindo o custo de oportunidade de não poder pensar noutra coisa enquanto se está a pensar nisso). Caso a micro-economia neoclássica tenha ganho algum Prémio "Nobel" (e suponho que tenha ganho), isso também será um indício de que a resolução de problemas de otimização tem uma dificuldade potencial (suficiente para merecer que alguém que se dedique a essa área ganhe um "Nobel").
O esquecer que o ato de pensar tem custos, e que há a opção entre pensar mais ou pensar menos, parece-me, aliás, estar na base de algumas outras simplificações excessivas em que por vezes certos neoclássicos caem: além do de frequentemente assumirem que os agentes estão sempre a otimizar, outro exemplo são as teorias do crescimento exógeno, em que o progresso tecnológico é (ou era) assumido como caído do céu, esquecendo o trabalho intelectual necessário, quer para inventar novas tecnologias, quer para ficar a saber que elas existem, quer para tomar a decisão de as adotar ou não.
Wednesday, December 13, 2017
Economia comportamental (I)
Publicada por Miguel Madeira em 13:01
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1 comment:
Olá Miguel,
Aquilo que propões (assumir um custo para fazer uma nova optimização) já existe (chama-se "rational inattention") e já há alguns anos. Na macroeconomia existem curvas de Philips derivadas de diferentes assumpções desse tipo: é uma possível forma de "microfundar" a rigidez nominal.
Mas isso não é considerado "economia comportamental" e não explica todos os dados.
Por exemplo, pegando na única teoria comportamental que conheço melhor ("a prospect theory") parece-me bastante claro que essa ideia de que, com tempo as coisas vão ao sítio, ou a ideia do Luís Conraria de que os aspectos comportamentais são pouco impactantes, são ambas erradas.
E basta falar num negócio que já dura há vários séculos: a lotaria (ou o totoloto, ou os casinos). A prospect theory explica este negócio perfeitamente: abaixo de uma determinada probabilidade o agente não consegue avaliá-la. Por isso, para o agente é irrelevante se tem uma probabilidade de 0.0000001 de probabilidade de ganhar 10 Milhões de euros, ou 0.00000000000000000000001 de ganhar 10 Milhões de euros, porque aquilo que ele regista é "probabilidade insignificante de ganhar prémio de 10 Milhões", e logo aí tens um modelo de negócio: pegares na segunda probabilidade e dares-lhe um prémio 10 vezes maior e tornas esse bilhete muito mais apelativo que o primeiro, mas a pessoa que faz essa escolha não é consistente com esse "amor pelo risco" em todas as decisões que faz no dia-a-dia.
Mesmo aqui tu podes dizer, mas talvez esta dificuldade de ser consistente nas preferências possa ser modelada assumindo um agente racional com capacidade de processamento limitada e que gere essas limitações na capacidade de processamento da forma racional.
Isto é diferente do ponto anterior: o agente não está a optimizar o número de vezes que optimiza, mas a optimizar a própria forma de optimizar tendo em conta recursos cognitivos limitados.
Mas isto também já foi feito, pelo Michael Woodford: "Prospect Theory as Efficient Perceptual Distortion" e "Stochastic Choice: An Optimizing Neuroeconomic Model", por exemplo.
Mas mesmo que isto dê uma fundamentação teórica para a prospect theory, continua a ser difícil integrá-la na maior parte dos modelos micro e macroeconómicos por razões matemáticas. Às tantas há muitas circunstâncias em que tem de se simplificar a assumir o agente totalmente racional.
Mas discordo que se desvalorize aquilo que perdemos com essa simplificação nalguns contextos. A importância de técnicas de marketing manhosas (que não teriam impacto em agentes racionais), a importância de negócios deste tipo (lotaria), etc. mostram que os aspectos comportamentais são de facto relevantes.
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