Saturday, December 02, 2006

Cultura e Classe

No texto (bastante interessante, na minha modesta opinião) de Pacheco Pereira sobre Jorge Silva Melo (e a geração de 68), este, a dada altura, escreve:

Mas Jorge Silva Melo está (como eu) entre dois mundos: o que gostamos é o que desgostamos. Nas suas memórias entrevistadas está uma contradição que não se sabe resolver. Ele gosta da "plebe", da "canalha" de Gomes Leal, da malta suburbana que fala o português do Kuduro, e queixa-se ao mesmo tempo de que ninguém vai ao teatro nesta "não-cidade" em que vivemos.

(...)

Claro que ninguém vai ao teatro, claro que acabaram os cafés (pelo menos em Lisboa), claro que se desertificaram os bairros, claro que acabou a Lisboa dos anos 60, tão íntima como provinciana, onde éramos os absolutos cosmopolitas, exactamente porque os filhos dos deserdados das cheias, os filhos dos operários do Barreiro, os filhos das criadas de servir, os filhos dos emigrantes de Champigny, os filhos da "canalha" anarco-sindicalista e faquista de Alcântara mandam no consumo e o mundo que eles querem é muito diferente. Eles entraram pelos cafés dentro e transformaram-nos em snackbars e em lanchonetes, entraram pelas televisões e querem os reality shows, entraram pela "cultura" e pela política e não querem o que nós queremos, ou melhor, o que nós queríamos por eles. O acesso das "massas" ao consumo material e "espiritual" faz o mundo de hoje, aquele que é dominado pela publicidade, pelo marketing, pelas audiências, pelas sondagens. É um mundo infinitamente mais democrático, mas menos "cultural" no sentido antigo, quando a elite, que éramos nós, decidia em questões de bom senso e bom gosto.

E agora? Queríamos que "eles" tivessem voz e agora que a têm não gostamos de os ouvir quando o enriquecimento revelado por todos os indicadores económicos e sociais dos últimos 30 anos transformou muitos pobres na actual classe média, "baixa" como se diz na publicidade, nos grupos B e C das audiências. Nós queríamos que eles desejassem Shakespeare e eles querem a Floribella, os Morangos e o Paulo Coelho. E depois? Ou ficamos revoltados ou pedagogos tristes e ineficazes, ou uma mistura das duas coisas. Nós ajudámos a fazer este mundo de mais liberdade e mais democracia, que o é de facto.

Eu não tenho é tanta certeza dessa ligação "cultura de massas" <==> "classe média-baixa/baixa". Afinal, quando eu dava aulas - na escola nocturna - tinha uma aluna que era - suponho que ainda seja - "auxiliar administrativa" (ou seja, uma espécie de continua) e fã dos filmes de Godard.

Por outro lado, arrisco-me a dizer que todas as classes, hoje em dia, querem a Floribella, os Morangos e o Paulo Coelho.

1 comment:

Anonymous said...

eu não concordo com essa teoria classe baixa/morangos... ou coisa parecida.

o meu pai conta-me historias de pessoas de classe baixa que gostavam daquilo que se apregoa de "elitista".

a questão não é a da liberdade, mas da oportunidade e da sensibilidade.

a malta quer ver morangos e coscuvelhices show etc, é com eles.
na minha modesta opinião trata-se da brutalização das mentes. e lá está, é a minha opinião.

o que eu defendo é a diversidade, que exista diversidade mesmo que o "mercado" não encontre lugar para parte dela.
felizmente, neste país, como noutros, existem coisas do género tv 2.
qual é a audiencia? pois...
esta diversidade está intimamente ligada à oportunidade.

no caso da sensibilidade, bem... ela provem de algum lado, não é de natureza divina.
e não, não quero dar uma de "inducador do pobo", mas falo da divulgação e do estimulo da e à sensibilidade.
alias até tive umas conversas sobre a importancia da filosofia no secundario, e diziam-me que não servia para nada.
concordo até certo ponto, na medida em que é dada como se tratasse de uma disciplina como outra qualquer. assim como a disciplina de lingua portuguesa.
afinal o mundo é como é, e a realidade é pura e simplesmente ditada pelo mercado, e o mundo não é feito por "poetas" (expressão para ser lida em tom sarcastico).

isto tambem está relacionado com aquela teoria dos impulsos humanos/mercado/capitalismo e coisa e tal... deixem-me rir...

ah mas as coisas não são assim tão más, afinal sempre houveram resmas de pessoas que vêem morangos e leram dan brown... pronto, mau exemplo.