Tuesday, September 13, 2011

A matemática de "Caminhando", de Thoureau

Um assunto em que reflicto há muito:

"As vizinhanças de minha casa oferecem lugares para muitas boas caminhadas; já as percorro há muitos anos, quase todos os dias e até por vários dias seguidos e, no entanto, não tirei tudo o que há para aproveitar neles. Uma paisagem inteiramente nova é um grande felicidade, e ainda posso conseguir uma há tarde, em qualquer uma das minhas tardes. Duas ou três horas de caminhada me conduzem até ao mais estranho dos países que jamais desejaria ver, Uma única cabana que até então me escapara à vista é às vezes tão deslumbrante como os domínios do rei do Daomé. Na verdade, existe uma harmonia possível de ser descoberta entre as possibilidades de uma paisagem num circulo com dezasseis quilómetros de raio - ou o limite de uma caminhada vespertina - e os setenta anos de uma vida humana. A paisagem nunca lhe parecerá muito familiar." (Caminhando, Henry David Thoureau)
Será que isto faz sentido (Thoreau era agrimensor de profissão, logo estaria familiarizado com este género de cálculos)?

A minha primeira questão são mesmo os 16 Kms de raio; não me estranha nada que em "[d]uas ou três horas de caminhada" Thoreau fizesse 16 Kms (eu próprio consigo fazer uns 5-6 Km/hora) - o meu problema é que um passeio dentre de um circulo com um raio de 16 Kms implica percorrer, de ida e volta, 32 Kms, o que dá para aí 6 horas de caminhada; ora isso não é uma caminhada vespertina, é passeio para um dia, daqueles em que se leva merenda para almoçar no caminho.

Mas a questão mais relevante não é essa - vamos admitir que Thoreau fazia passeios num raio de 16 Kms - será que a paisagem iria parecer-lhe sempre nova? Vamos admitir que para duas paisagens parecerem diferentes terão que ter uma distância de pelo menos 100 metros. Ora, um circulo com 16 Kms de raio terá 100,531.. Kms de perímetro (16 Kms * 2 * PI); simplificando, 100 Kms; assumindo os tais 100 metros de distância entre duas paisagem, temos uns mil destinos possíveis para as tais caminhadas. Isso esgota as possibilidades em menos de 3 anos (muito abaixo dos 70 anos que Thoreau fala).

É verdade que Thoreau também escreve:
"É certo que a vida passada ao ar livre, exposta ao sol e ao vento, provocará uma certa aspereza de carácter (...) De outro lado, ficar dentre de casa pode levar igualmente a uma macieza ou lisura da pele (...), justamente com uma maior sensibilidade a certas impressões (...) e á absolutamente certo que a virtude estará numa boa proporção entre pelo gorssa e pele fina. Mas acho que a escama cairá no momento certo - e a fórmula natural será encontrada na proporção que a noite guarda com o dia, o inverno com o verão, a reflexão com a experiência"
Onde quero chegar com isto - provavelmente ele não faria caminhadas 365 dias por ano; faria mais no verão e menos no inverno. Lowell (que não fica muito longe de Concord, onde Thoreau vivia) tem cerca de 115 dias de chuva por ano; assim, penso que talvez Thoreau fizesse umas 250 caminhadas por ano - de qualquer maneira, em 4 anos dava para conhecer a vizinhança toda.

O que pode estar a falhar no meu raciocinio?

a) talvez os 100 metros de distância seja demais - acho que o Massachusetts é (ou era, em meados do século XIX) uma zona de floresta, logo a visibilidade para os terrenos circundantes seria menor do que numa zona de "matagal" (estilo Califórnia ou Algarve), reduzindo a distância necessária para um caminhante achar a paisagem "nova". De qualquer maneira, se dos 15 aos 70 anos alguém fizer 250 caminhadas por ano, acabará fazendo 13.750 passeios, o que dará uns 7 metros de distância entre o destino de cada caminhada (parece-me pouco para alguém se surpreender com a paisagem).

b) a paisagem não varia apenas no espaço, mas também no tempo - se, ao fim de não sei quantos anos, eu voltar a percorrer o mesmo caminho, já acharei a paisagem diferente

Podemos tentar conjugar a) com b), e tentar responder à questão genérica "Quanto tempo demorará uma caminhada a passar a uma distância igual ou menor que de «x» metros de um ponto onde já se tenha ido antes?"; a forma mais correcta de responder a isto seria com probabilidades, mas penso que uma formula { tempo = 100.000/ (x*250) } não andará longe do resultado correcto - como já tínhamos visto, demorará 4 anos a voltar a passar a uma distância menor ou igual a 100 metros de um dado ponto e  57 anos a uma distância menor ou igual a 7 metros; generalizando para outros caso, teríamos 8 anos para uma distância de 50 metros, 40 anos para uma distância de 10 metros, etc.

Há também uma hipótese c), que é a de eu estar a "overanalyze".

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