Monday, May 02, 2016

"Why Nations Fail"


Um livro e um blogue que andei a ler.

Basicamente, a tese dos autores é que muitos países não se desenvolvem devido ao que eles chamam "instituições económicas extrativas", isto é, o uso do poder pelas elites para extraírem riqueza do resto da população (exemplos - tributos, escravatura, trabalho forçado, monopólios comerciais, corrupção, etc.); isso tenderá a suprimir o crescimento económico, no melhor dos casos por reduzir os incentivos à inovação, e no pior por decisão deliberada de suprimir inovações por estas poderem desestabilizar os equilíbrios sociais tradicionais. Por sua vez, essas "instituições económicas extrativas" estarão associadas a "instituições políticas extrativas", em que o poder está nas mãos de uma elite reduzida.

Segundo eles, o atraso económico não é o resultado de políticas erradas ou de problemas culturais, geográficos/ambientais ou genéticos, mas de uma política deliberada das elites dominantes.

Para começar, isto faz-me lembrar uma coisa que se ensina nos cursos de Economia - que há um trade-off entre equidade e eficiência, já que as intervenções do Estado para reduzir a desigualdade económica tendem a distorcer os incentivos, e portanto a reduzir a eficiência.

Mas, se pensarmos um bocadinho, facilmente concluímos que não há nenhum conflito entre equidade e eficiência - o que há é um conflito entre intervenção do Estado e eficiência, seja essa intervenção feita para reduzir desigualdades ou, pelo contrário, para enriquecer elites. Provavelmente a razão porque nos cursos de Economia se enfatiza a questão da equidade vs. eficiência é porque só nos países em que o Estado redistribui de cima para baixo é que se pode publicar estudos académicos sobre os efeitos disso; já nos países em que o Estado redistribui de baixo para cima uma tese académica à volta do tema "Efeitos sobre a alocação dos recursos da quota de 10% que a primeira-dama tem em todas as empresas: uma análise econométrica multi-seccional" dificilmente seria aprovada para publicação e os vizinhos do autor talvez achassem falta dele (basicamente, os Estados que redistribuem de cima para baixo podem dar-se ao luxo de tolerar críticos, já que a maioria da população é beneficiária líquida do sistema e assim os críticos do Estado Social são largamente inofensivos - por mais estudos que se publiquem sobre "ineficiências", propostas para abolir ou reduzir brutalmente a redistribuição dificilmente ganharão eleições; pelo contrário, a redistribuição de baixo para cima tem a oposição potencial da maior parte da população, logo tem que recorrer à repressão aberta para se manter).

Dito de outra maneira, a ideia do conflito entre equidade e eficiência talvez seja mais um exemplo de como características exclusivas dos países WEIRD (Western, Educated, Industrialized, Rich, Democratic) são tratadas como se fossem regras universais, quando na verdade são exceções "estranhas" (se comparadas com a maior parte dos países do mundo e/ou com a maior parte da história humana).

[Já agora, recomendo este post de Branko Milanovic sobre a "ricardian windfall", que me parece se referir a um caso particular desta situação]

A análise dos autores é um pouco mais complexa do que apresentei acima, já que é largamente uma análise trilateral - a nível político, eles distinguem entre instituições inclusivas centralizadas (em que existe um poder estatal suficientemente forte para manter a lei, e em que muita gente participa no poder político), instituições extrativas centralizadas (em que existe à mesma um poder estatal forte, mas nas mãos de uma elite) e instituições descentralizadas (em que não existe um poder estatal forte); segundo eles, as instituições extrativas centralizadas podem ter um tipo especifico de crescimento económico, a que eles chamam também de "extrativo": crescimento económico motivado apenas pela acumulação de recursos - mais trabalho e/ou mais poupança; já o crescimento económico duradouro, motivado não apenas pelo aumento dos recursos disponíveis, mas pela adoção de formas mais eficientes de utilizar esses recursos (melhores métodos de trabalho, produtos mais sofisticados, etc) requererá instituições inclusivas (faz um certo sentido - é possivel obrigar as pessoas a poupar mais ou a trabalhar mais, mas já não é tão fácil obrigá-las a descobrir formas mais eficazes de produzir); já as sociedades sem instituições políticas centralizadas não teriam nenhum dos tipos de crescimento económico - nem o motivado pela inovação, nem o motivado pela acumulação forçada de recursos.

[A respeito da diferença entre os dois tipos de crescimento económico, recomendo o artigo The Myth of Asian Miracle, de Paul Krugman, onde este argumenta que o crescimento económico dos "tigres" asiáticos, tal como dos países comunistas nos anos 50, foi unicamente gerado por altas taxas de poupança e por aumentos do nível de escolaridade, e não, como no Ocidente, por progresso tecnológico - creio que se trata do mesmo fenómeno a que Acemoglu e Robinson chamam "crescimento extrativo"]

Pelo que percebi, os autores incluem nas "instituições inclusivas" os regimes liberais clássicos do século XIX e os "estados sociais" do século XX e XXI (ou seja, os regimes sem redistribuição e os que redistribuem de cima para baixo), e nas "extrativas" o feudalismo, a escravatura, o comunismo, o fascismo, o sistema latifundiário latino-americano, o colonialismo, etc., etc... Nesse aspeto (e ignorando eu quais as suas orientações políticas), parecem-me seguir o que penso que era a linha tradicional do "liberalismo" norte-americano - apresentar o New Deal, a New Frontier, a Great Society, etc., como a continuação do espírito do liberalismo oitecentista (por alguma razão auto-denominavam-se "liberais") e os vários inimigos dos EUA como variantes da oposição aos valores da Liberdade, Igualdade e Democracia.

Agora, algumas observações críticas.

Os autores acabam por não dar um critério muito claro para definir se uma dada instituição é extrativa ou inclusiva, o que torna difícil testar o modelo. Por exemplo, nas instituições económicas extrativas, é claro que eles consideram como "extrativas" aquelas em que os ricos se mantêm ricos através de meios coercivos e/ou por ligações ao poder políticos (trabalhos forçados, escravatura, servidão, concessões de monopólios comerciais, privatizações fraudulentas, etc.); também incluem as situações em que grandes proprietários rurais cobram pesadas rendas aos camponeses, mas pode-se considerar também uma variante do caso anterior (na medida em que o Estado e a propriedade do solo são conceitos muito semelhantes - um Estado tem sobre o seu território direitos muito semelhantes aos que um proprietário imobiliário tem sobre a sua propriedade; se calhar por alguma razão em inglês "Estado" - "state" - e "propriedade imobiliária" - "estate" - se dizem de forma muito parecida; e de qualquer forma é duvidoso que grandes desigualdades na repartição da terra possam surgir por vias puramente mercantis); mas fiquei sem perceber muito bem se eles consideram também como "extrativas" situações em que grandes desigualdades (e sobretudo situações de monopólio ou oligopólio) resultem do simples mecanismo do mercado.

Além disso, no caso da propriedade intelectual, eles parecem considerá-la ao mesmo tempo "inclusiva" e "extrativa": numas situações apresentam o reforço da propriedade intelectual como uma instituição inclusiva, que permite aos inventores lucrarem com o seu trabalho, em vez de ele ser aproveitado de graça pelos que já são ricos, mas noutras (pelo menos numa passagem do livro, acerca do parlamento britânico ter rejeitado um pedido de - creio - James Watt para prolongar uma patente) dão a entender que prazos muito prolongados de propriedade intelectual são "extrativos". É verdade que isso até pode ter uma certa lógica - é perfeitamente possivel considerar-se que um inventor deve ter direito a "x" anos de monopólio, logo uma patente no ano x-1 será simplesmente garantir ao trabalhador o fruto do seu trabalho e no ano x+1 será um monopólio injustificado concedido pelo Estado à custa do interesse geral; mas o problema disso é que, de novo, torna difícil testar (e falsificar) a teoria (se um país com fortes proteções à propriedade intelectual tiver alto crescimento económico, pode ser considerado uma prova de que instituições inclusivas conduzem ao crescimento, e se tiver baixo, é a prova que instituições exclusivas limitam o crescimento...).

No caso das instituições políticas, há um problema similar: os autores considerem que as instituições políticas inclusivas são melhores para o crescimento que as extrativas; e também consideram que o poder centralizado é melhor que o fragmentado (ou seja, para os autores uma espécie de "centralismo democrático" parece ser o ideal). Qual é o problema aqui? É que historicamente (pelo menos até à Revolução Francesa, que complicou a questão) tem (ou tinha) havido uma clara associação entre democracia e descentralização - as monarquias eram grandes estados ou impérios, e as repúblicas e democracias eram cidade-estados (como a Grécia clássica ou a Itália renascentista), federações (como as Províncias Unidas, a Suíça ou a Comunidade Polaca-Lituana), ou sociedades sem Estado em que cada aldeia se governava democraticamente (um bom exemplo poderão ser os habitantes do Atlas marroquino, que os autores até referem no blog).

Aliás, no século XVIII a regra país pequeno → república; país grande → monarquia parecia tão dominante que Montesquieu, n'O Espírito das Leis, chegou a formalizá-la: num Estado pequeno, como uma cidade, é fácil reunir todo o povo para tomar decisões, e mesmo que seja um senado aristocrático os seus membros conhecem facilmente os problemas da cidade, logo uma república - democrática ou aristocrática - será o melhor regime; num Estado maior, os cidadãos perdem a noção de um interesse comum a defender (passando em vez disso a haver múltiplos interesses e casos particulares), logo a república já não funcionaria e o melhor regime seria uma monarquia; num Estado mesmo muito grande, os notáveis locais, protegidos pelas grandes distâncias, seriam tentados a se tornarem de facto independentes, e para impedir isso uma monarquia tradicional (limitada pelas leis e pelos costumes) não bastava, sendo necessário um déspota com poderes absolutos que governasse pelo medo e pelo terror [PDF].

Quais as implicações disso para o modelo de Acemoglu e Robinson? De novo, torna difícil testar a teoria - se, no mundo real, os sistemas políticos mais inclusivos são (ou foram durante milénios) também aqueles com um poder central fraco ou inexistente, os dois aspetos da teoria entram em contradição - p.ex., se um sociedade fragmentada de cidades-estado republicanas tiver grande crescimento económico, isso confirma a teoria da superioridade das instituições inclusivas, ou pelo contrário refuta a teoria da superioridade das instituições centralizadas? Ou se uma sociedade ainda mais fragmentada de tribos com chefes que pouco mandam e em que qualquer decisão implique reunir um conselho de aldeia tiver baixo crescimento económico isso refuta a teoria da superioridade das instituições inclusivas ou, pelo contrário, confirma a da superioridade das instituições centralizadas?

Os autores, a dada altura, apresentam o sucesso da Veneza republicana como um exemplo da vantagem das instituições inclusivas; um pouco mais à frente, apresentam a estagnação da Polónia (uma monarquia eletiva em que os aristocratas e as assembleias regionais tinham muitas formas de bloquear o governo central) como um exemplo da desvantagem de um poder central fraco. Mas fico com a sensação que bastaria a Polónia ter sido um sucesso e Veneza um fracasso para que eles viessem notar que a Polónia tinha das instituições políticas mais inclusivas da época (com para aí 15% da população com direito a voto) e que o norte de Itália era uma coleção de cidades independentes, em que as supostas autoridades do Papa e do Imperador Romano-Germânico eram na prática inexistentes.

Diga-se que, aparentemente, depois da Revolução Francesa houve uma quase viragem de 180º - no século XIX (e, dentro dos limites da sua importância, no XX) os tradicionalistas defensores da monarquia e da nobreza tornaram-se os grandes defensores da autonomia regional e local (frequentemente animando guerrilhas regionalistas), enquanto que democratas e republicanos tendiam a combinar a defesa da democracia, do governo constitucional e da liberdade individual com a da autoridade do governo central (mas também dá-me a ideia que o regionalismo dos tradicionalistas foi fundamentalmente um fenómeno "de oposição" - nos casos em que se mantiveram no poder, como Metternich ou Bismarck, ou em que o recuperaram, como Franco ou de certa forma Salazar, creio que foram tão ou mais centralizadores que os liberais). Mas não me parece que esta exceção (que até suponho ter sido mais teórica que prática) mude os dados do problema, até porque tenho a ideia que Acemoglu e Robinson têm a pretensão de explicar os últimos 3.000 anos de história económica, não os últimos 200.

Agora, uma questão que me parece que os autores evitam no livro, emboram abordem no seu blogue: até que ponto os impostos cobrados pelo moderno Estado Social e Democrático não terão os mesmos efeitos distorcedores criados pelos tributos, rendas e afins cobrados pelas "instituições extrativas"? Os autores (no último post que escreveram, há quase um ano...) aventam a hipótese de num regime democrático as pessoas acharem esses impostos legítimos, já que vão para pagar despesas decididas por elas através do processo democrático; mas isso não explica o fundamental - porque é que essas taxas de imposto não desincentivam a inovação? Mesmo que as pessoas até concordem com a forma como os impostos são gastos, será de esperar (pelo menos se assumirmos os tais agentes racionais e movidos pelo interesse próprio da economia tradicional) que queiram à mesma reduzir os impostos que elas individualmente pagam, logo tenham menos motivação para trabalhar, poupar e inovar. Diga-se, aliás, que outros trabalhos dos autores até vão no sentido de considerar que o "Estado Social" efetivamente pode reduzir a inovação, logo não é um assunto que lhes seja estranho.

Diga-se que eu já estava a escrever esta "review" ainda antes de os autores escreverem o tal último post (sim, isto está há não sei quanto tempo nos rascunhos), e na altura tentei interpretar o pensamento dos autores e perceber porque é que eles consideravam as "instituições extrativas" (isto é, a redistribuição de baixo para cima) piores para o desenvolvimento económico do que o "Estado Social"; entretanto cheguei (pelo tal post) à conclusão que eles próprios não sabem bem, mas de qualquer maneira vou expor o que eu pensei que talvez fossem os raciocínios implícitos de Acemoglu e Robinson.

Por um lado, temos a tal distinção que eu fiz aqui entre taxa marginal marginal de imposto (isto é, a taxa de imposto que a pessoa mais rica paga sobre o último euro que ganha) e a taxa marginal média de imposto (isto é, a taxa de imposto que a pessoa média paga sobre o último euro que ganha). As "instituições extrativas" tradicionais tem por normal altas taxas marginais médias de impostos/rendas, já que a maioria da população paga as rendas aos latifundiários/subornos aos polícias/preços inflacionados pelos monopólios legais/etc.; já no Estado Social as altas taxas marginais tendem a recair sobre os mais ricos (que são quem paga os escalões superiores de impostos) e sobre os mais pobre (já que grande parte dos apoios sociais são cortados se conseguirem passar de pobres a classe média), ou seja, uma minoria da população. E aqui a tal diferença entre crescimento extrativo (motivado por mais trabalho e mais poupança) e crescimento inclusivo (motivado pela descoberta e adoção de melhores tecnologias) pode ser relevante - no caso de um crescimento motivado pela poupança e pelo investimento, é importante incentivar os mais ricos a poupar/investir mais, pela simples razão que, sendo eles que têm o dinheiro, a sua poupança contribui mais para a poupança total do que a poupança da classe média; já no caso de um crescimento movido pelo progresso tecnológico, o que interessa é ter o maior número de cabeças a pensar em (ou a investigar) novos produtos ou processos de trabalho (quanto mais cabeças a pensar, maior a possibilidade de alguma até ter uma ideia boa) - ou seja, pode ser vantajoso ter um sistema fiscal que cobre uma taxa marginal reduzida para a maioria da população, mesmo que a custo de uma mais elevada para os mais ricos (já agora, ver este meu post sobre a diferença entre capital propriamente dito e "capital humano", nomeadamente no que diz respeito ao sistema fiscal mais favorável à sua acumulação).

[Atenção que falo de "tecnologia" num sentido muito amplo, incluindo também novos produtos, diferentes formas de organização do trabalho, etc.]

Também ligado à diferença entre as duas formas de crescimento, poder-se-á também supor que uma taxa marginal de imposto alta mas uniforme (no sentido de duas pessoas com o mesmo rendimento pagarem o mesmo imposto) reduz a oferta de trabalho e de capital, mas em principio não afetará muito a escolha da tecnologia a utilizar - afinal, por mais alto que seja o imposto, se antes de impostos a tecnologia A é mais lucrativa do que a tecnologia B, é de esperar que o continue a ser depois de impostos (admito que não seja totalmente assim, já que a redução da oferta de trabalho e de capital pode alterar os preços relativos e fazer a tecnologia B ser mais lucrativa, mas esse efeito não deve ser grande).

Pelo contrário, um sistema fiscal mais complexo, com taxas diferenciadas para diferentes sectores de atividade e/ou diferentes tipos de rendimento, e com montes de "taxas e taxinhas" (ou, inversamente, subsídios e benefícios fiscais) sobre atividades especificas pode já pode afetar as decisões sobre a tecnologia (no sentido de fazer com que a tecnologia mais rentável depois de impostos já não seja a mesma que a antes de impostos); assim, uma taxa de impostos de 30% para toda a economia pode ser menos distorcedora do que, p.ex., uma taxa de impostos de 10% para algumas atividades e de 20% para as outras.

Desta forma, enquanto que para gerar crescimento económico motivado pela acumulação de recursos (via poupança e/ou trabalho árduo) talvez interesse sobretudo impostos baixos, para gerar crescimento económico motivado pela escolha das tecnologias mais eficientes talvez o que importe seja sobretudo impostos simples (e sobretudo, um sistema fiscal que respeite as regras "se a Paula ganha mais que o Luís antes de pagar os impostos, deve continuar a ganhar mais depois de os pagar" e "se o Diogo e a Lúcia ganham o mesmo antes de pagar os impostos, devem continuar a ganhar o mesmo depois de os pagar", ou seja uma relação monotónica entre os rendimentos antes e depois de impostos). Assim, um sistema fiscal desenhado com o objetivo de redistribuir a riqueza a favor das "amplas massas" poderá ser menos inibidor do progresso do que um sistema fiscal desenhado para beneficiar grupos de interesses específicos (e creio que comparando os sistemas fiscais das democracias modernas com os, p.ex., da "era feudal", temos que os primeiros tendem a ter uma carga fiscal mais elevada mas são - apesar das queixas constantes contra a alegada complexidade dos códigos fiscais - mais simples que os segundos, que frequentemente tinham um imposto especifico para cada atividade possível ou imaginária, estilo "a terça parte do azeite, o dízimo do sal, a sexta parte do pescado, etc.").

Já agora, uma tentativa de comparação entre a taxa marginal de imposto moderna e "antiga": eu, com um rendimento bruto de 1.373 euros mensais (suspeito que quase o dobro do rendimento do português típico), pago uma taxa marginal de IRS de 28,5%; se eu gastasse todo o resto do meu rendimento em bens de consumo sujeitos a 23% de IVA, 13,4% do meu rendimento (marginal) bruto iria para o IVA [(1-0,285)*0,23/(1+0,23)], o que daria uma taxa marginal total de 42% (não estou a contar com a Segurança Social, já que mais contribuições para a SS supostamente significam uma maior pensão mais tarde, logo em termos de incentivos os dois efeitos deveriam se anular). Creio que na Idade Média, os camponeses tinham que dar entre 1/6 e 1/3 da produção (isto é, entre 16% e 33%) ao senhor das terras, a que se juntava mais o dizimo à Igreja, o que daria ao todo uma "carga fiscal" entre os 26% e os 43%; atendendo a que a maior parte dos portugueses provavelmente pagam menos impostos do que eu, possivelmente a taxa marginal do individuo típico não seria muito diferente na Idade Média e hoje em dia.

Uma nota final - a tese geral dos autores é que as elites mantêm instituições económicas extrativas porque, mesmo que tornem a sociedade no seu conjunto mais pobre, tornam-nos a eles mais ricos/poderosos, e aplicam este raciocínio a vários sistemas, incluindo o comunismo; no entanto (mas isto talvez seja resultado do meu passado trotskista) duvido que mesmo a elite dirigente dos regimes comunistas tivesse (em termos absolutos, não em comparação com a pobreza à volta) um nível de vida para aí além; sobretudo se compararmos com o nível de vida que teriam num sistema de "capitalismo crony" (se Angola continuasse a ter um sistema "marxista-leninista", a Isabel dos Santos teria acesso às riquezas que tem?).

Nos posts seguintes faço uma tentativa de investigar empiricamente as teses dos autores:

Procurando as instituições inclusivas e extrativas na prática (I)
Procurando as instituições inclusivas e extrativas na prática (II)
Procurando as instituições inclusivas e extrativas na prática (III)

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