Monday, July 17, 2006

Re: A única lição

Na semana passada, Luciano Amaral escrevia no Diário de Noticias sobre a Guerra Civil de Espanha:
"na Guerra Civil de Espanha o lado dito republicano, mas na verdade cada vez mais dominado pelo PCE e a facção leninista do PSOE, acabou por ser propagandisticamente identificado com a democracia. A ambiguidade da II Guerra Mundial resultou na prática entrega de cerca de metade da Europa à tirania comunista. A ambiguidade na Guerra Civil de Espanha resultou na grande mentira histórica segundo a qual a vitória de Franco teria significado a derrota da democracia."
Não sei o que Luciano Amaral entende por "facção leninista do PSOE", mas se se refere à facção radical de Largo Caballero (que chegou a ser chamado o "Lenine espanhol"), isso não faz sentido nenhum: a ala radical do PSOE foi perdendo força no campo republicano ao longo da guerra, e quem foi gradualmente dominando o governo republicano foi a ala moderada de Juan Negrin e Indalecio Prieto (embora o facto de, durante a Guerra de Espanha, os socialistas "moderados" estarem aliados aos Comunistas possa criar confusão em algumas pessoas).
Mesmo a força dos Comunistas no campo republicano é algo que deve ser relativizado: no principio da guerra, as principais forças republicanas eram os socialistas e os anarquistas e o PC era quase insignificante - a partir de certa altura, a classe média começou a aderir ao PC, como reacção ao "radicalismo" dos anarquistas e de parte do PSOE, mas é duvidoso se isso significava um apoio real ou apenas uma manobra táctica (como as pessoas de direita que, em Portugal, iam aos comícios do PS em 1975).
É verdade que o PC parece ter controlado grande parte do aparelho policial e judicial na Espanha republicana, tendo dirigido a repressão contra os anarquistas e o POUM, mas também é verdade que o PC nunca fez nada contra a vontade dos seus aliados liberais e social-democratas: nos processos contra o POUM e, mais tarde, contra os trotskistas, os acusados acabaram por ser absolvidos pelos tribunais, em vez de serem fuzilados em massa (como teria acontecido na URSS) - ou seja, os liberais derem rédea solta aos comunistas para assassinarem opositores, mas só enquanto foi necessário.
Também o "Exército Popular", criado com o apoio entusiástico do PC, acabou por se voltar contra ele, com o golpe de Miaja-Casado (e Miaja, até então, até tinha fama de comunista).
Em suma, parece-me discutível se os comunistas controlavam efectivamente o governo e o aparelho de estado republicano, ou se funcionaram apenas como "tropa de choque" dos "moderados" - utéis para matar anarquistas e poumasistas, mas corridos logo que deixaram de ser necessários.
"Não há dúvidas sobre os procedimentos democráticos da II República. Mas também não há dúvidas de que, dominada pela esquerda republicana e o PSOE (um partido muito diferente do PSOE de hoje), a República viu esses procedimentos sistematicamente atraiçoados pela esquerda: quando a Confederação Espanhola das Direitas Autónomas (CEDA) ganhou as eleições de 1933, a esquerda inicialmente conseguiu impedi-la de governar. E quando a CEDA finalmente entrou no Governo (embora em pastas secundárias), uma coligação do PSOE com anarco-sindicalistas, comunistas e independentistas catalães e bascos juntou-se para desencadear uma revolta em 1934. Acaso esta revolta (de que resultariam cerca de um milhar de mortos) tivesse triunfado, ter-se-ia instaurado em Espanha uma ditadura de esquerda."
A revolta de 1934 tinha um motivo: é que o PSOE tinha tido o dobro dos votos do Partido Radical (de centro-direita, que liderava o governo), mas tinha eleito metade dos deputados que este, devido às leis eleitorais, e a reivindicação proclamada dos rebeldes era a convocação de novas eleições. Note-se que os rebeldes não proclamaram nenhum "governo provisório", "junta revolucionária" ou lá o que fosse, ou seja, não deram qualquer passo para se apossarem do poder de Estado (para quem queria "instaurar uma ditadura de esquerda" não está mal) - no fundo, apenas exigiam a queda do governo. Finalmente, não estou a ver como é que socialistas, anarquistas e nacionalistas catalães poderiam, em conjunto, estabelecer uma "ditadura", com as enormes diferenças programáticas que havia entre eles.

3 comments:

Anonymous said...

é impressionante como algumas pessoas continuam a ver esta questão em apenas duas facções, ou em preto e branco.

Anonymous said...

El Comandante Casado, Tío del actor Fernando Rey (Fernando Casado Arambillet)

Anonymous said...

Julián Besteiro, sensato socialista gallego