Nos comentários a este post do Insurgente, eu e o A.A.Alves estivemos a discutir o que se entende por "extrema-esquerda".
Eu costumo seguir a definição tradicional - "extrema-esquerda" é o que estiver à esquerda do PC: é a definição usada, p.ex., na Wikipedia francesa, nas sub-categorias do blog Estudos sobre o comunismo (de Pacheco Pereira), quando se diz que "em 75, a extrema-esquerda só elegeu um deputado" (ou quando, em 91, na noite eleitoral, se falava "na possível eleição de um deputado da extrema-esquerda"), etc.
Mas, realmente, será que este definição ainda fará sentido nos dias de hoje? Nos anos 60/70 (aonde creio que surgiu este uso da expressão) fazia todo o sentido atribui uma designação própria às correntes à esquerda do PC: nesse tempo a ideologia comunista "ortodoxa" era uma corrente importante no plano das ideias (importância que ultrapassava os seus apologistas - os livros e ensaios escritos a criticar o comunismo soviético também faziam parte dessa "importância"), e a URSS o segundo país mais poderoso do mundo (além disso, nos paises latinos, o PC tinha um papel quase mitológico - se num livro ou filme italiano, francês ou português cuja acção se passe entre 1930 e 1970 se falar no "Partido", sem mais, já se sabe qual é). Assim, a atitude face ao PC e à URSS era um ponto fundamental para classificar as correntes politicas, pelo que os movimentos que se lhe opunham "pela esquerda" constituiam como que um "agrupamento natural": por maiores que fossem as diferenças e incompatibilidades mútuas entre maoistas, trotskistas, "comunistas de conselhos", anarquistas, etc. até fazia algum sentido pô-los todos nesse "saco" - e já que era preciso dar um nome ao "saco", o que fazia mais sentido até era "extrema-esquerda".
Facilmente se vê que não fazia sentido agrupar o PC com esses movimentos: aplicar a mesma etiqueta aos que diziam que a URSS e os seus multiplos satélites eram "o sal da terra e o sol da terra" e aos que diziam que eram "social-fascistas", "estados burocráticamente degenerados", "capitalistas de estado", etc. seria um absurdo (o facto de, dentro daquilo a que se convencionou chamar "extrema-esquerda", existirem as mesmas contradições a respeito da China, da Albânia, ou da Nicarágua não era tão relevante, devido exactamente a esses regimes serem menos relevantes).
Além disso, creio que também havia outra boa razão para chamar "extrema-esquerda" ao conjunto "movimentos à esquerda do PC" em vez de ao conjunto "PC e movimentos à sua esquerda" - uma diferença de estratégia politica. Independentemente do tipo de regime que pretendiam construir, os movimentos usualmente considerados como de "extrema-esquerda" tinham todos uma certa tendência para usarem meios de "acção directa" (nomeadamente ocupações); pelo contrário, os PC ortodoxos usualmente preferiam o método de infiltração no aparelho de estado, para fazeram a revolução "a partir de cima" (note-se, p.ex., que as ocupações no Alentejo começaram no Alto Alentejo, aonde a influência do PC era mais fraca).
Diga-se que, em termos de coerência meios-fins, tanto os PCs como alguma "extrema-esquerda" eram coerentes - os primeiros defendiam uma sociedade totalmente dirigida pelo governo e pretendiam atingi-lo pela "revolução a partir de cima", enquanto parte da "extrema-esquerda" (no caso português de 75, basicamente o MES, o PRP, a LUAR e as várias facções trotskistas) defendia o "poder popular de base" e pretendia atingi-lo pela "revolução a partir de baixo"; já a "extrema-esquerda" maoista e/ou pró-albanesa que pretendia usar a "revolução a partir de baixo" para construir um regime à maneira de Pequim ou Tirana (que eram, fundamentalmente, cópias a papel quimico de Moscovo) não me parece tão logicamente coerente. No entanto, refira-se que, sobretudo, os pró-albaneses eram melhores - na minha prespectiva pessoal de "melhores", bem entendido - na prática do que na teoria: apesar da sua adesão ao centralismo estalinista, a UDP, em Portugal, foi talvez quem mais dinamizou as Comissões de Moradores; também na Etiópia, a Frente Popular de Libertação do Tigré/Frente Democrática Popular Revolucionária de Etiópia (hoje em dia talvez o principal aliado dos EUA na zona, mas, nos anos 70/80, seguia a linha albanesa), desde a guerra civil contra o regime pró-soviético que fez uma politica de descentralização do poder a favor das comunidades locais.
Mas, após este preambulo, vamos ao que interessa: será que, nos dias de hoje, fará sentido continuar-se a considerar "extrema-esquerda" como "aquilo que está à esquerda do PC"? O primeira motivo, desde 1989 que perdeu a razão de ser: o bloco soviético desapareceu e o comunismo "tradicional" tornou-se uma ideologia em vias de extinção, logo usar a atitude face a eles como critério de delimitição torna-se um bocado anacrónico. Além disso, grande parte da chamada "extrema-esquerda" também abandonou a sua tendência para recorrer à acção extra-parlamentar como método de luta politica (hoje em dia, praticamente só os anarquistas e os "autonomistas"- e grupos como os "okupas", frequentemente integrados com os referidos - se dedicam a ocupações, actos de "desobediência civil", etc.).
Mas, independentemente aonde pusermos a fronteira da "extrema-esquerda", creio que eu (sendo as minhas ideias inspiradas por uma salganhada de anarquismo, "comunismo de conselhos" e trotskismo) devo ficar lá...
[Os meus leitores devem estar a pensar "o que é que esta simples questão de nome interessa?"; provavelmente nada, mas é o que me deu inspiração para escrever]
Eu costumo seguir a definição tradicional - "extrema-esquerda" é o que estiver à esquerda do PC: é a definição usada, p.ex., na Wikipedia francesa, nas sub-categorias do blog Estudos sobre o comunismo (de Pacheco Pereira), quando se diz que "em 75, a extrema-esquerda só elegeu um deputado" (ou quando, em 91, na noite eleitoral, se falava "na possível eleição de um deputado da extrema-esquerda"), etc.
Mas, realmente, será que este definição ainda fará sentido nos dias de hoje? Nos anos 60/70 (aonde creio que surgiu este uso da expressão) fazia todo o sentido atribui uma designação própria às correntes à esquerda do PC: nesse tempo a ideologia comunista "ortodoxa" era uma corrente importante no plano das ideias (importância que ultrapassava os seus apologistas - os livros e ensaios escritos a criticar o comunismo soviético também faziam parte dessa "importância"), e a URSS o segundo país mais poderoso do mundo (além disso, nos paises latinos, o PC tinha um papel quase mitológico - se num livro ou filme italiano, francês ou português cuja acção se passe entre 1930 e 1970 se falar no "Partido", sem mais, já se sabe qual é). Assim, a atitude face ao PC e à URSS era um ponto fundamental para classificar as correntes politicas, pelo que os movimentos que se lhe opunham "pela esquerda" constituiam como que um "agrupamento natural": por maiores que fossem as diferenças e incompatibilidades mútuas entre maoistas, trotskistas, "comunistas de conselhos", anarquistas, etc. até fazia algum sentido pô-los todos nesse "saco" - e já que era preciso dar um nome ao "saco", o que fazia mais sentido até era "extrema-esquerda".
Facilmente se vê que não fazia sentido agrupar o PC com esses movimentos: aplicar a mesma etiqueta aos que diziam que a URSS e os seus multiplos satélites eram "o sal da terra e o sol da terra" e aos que diziam que eram "social-fascistas", "estados burocráticamente degenerados", "capitalistas de estado", etc. seria um absurdo (o facto de, dentro daquilo a que se convencionou chamar "extrema-esquerda", existirem as mesmas contradições a respeito da China, da Albânia, ou da Nicarágua não era tão relevante, devido exactamente a esses regimes serem menos relevantes).
Além disso, creio que também havia outra boa razão para chamar "extrema-esquerda" ao conjunto "movimentos à esquerda do PC" em vez de ao conjunto "PC e movimentos à sua esquerda" - uma diferença de estratégia politica. Independentemente do tipo de regime que pretendiam construir, os movimentos usualmente considerados como de "extrema-esquerda" tinham todos uma certa tendência para usarem meios de "acção directa" (nomeadamente ocupações); pelo contrário, os PC ortodoxos usualmente preferiam o método de infiltração no aparelho de estado, para fazeram a revolução "a partir de cima" (note-se, p.ex., que as ocupações no Alentejo começaram no Alto Alentejo, aonde a influência do PC era mais fraca).
Diga-se que, em termos de coerência meios-fins, tanto os PCs como alguma "extrema-esquerda" eram coerentes - os primeiros defendiam uma sociedade totalmente dirigida pelo governo e pretendiam atingi-lo pela "revolução a partir de cima", enquanto parte da "extrema-esquerda" (no caso português de 75, basicamente o MES, o PRP, a LUAR e as várias facções trotskistas) defendia o "poder popular de base" e pretendia atingi-lo pela "revolução a partir de baixo"; já a "extrema-esquerda" maoista e/ou pró-albanesa que pretendia usar a "revolução a partir de baixo" para construir um regime à maneira de Pequim ou Tirana (que eram, fundamentalmente, cópias a papel quimico de Moscovo) não me parece tão logicamente coerente. No entanto, refira-se que, sobretudo, os pró-albaneses eram melhores - na minha prespectiva pessoal de "melhores", bem entendido - na prática do que na teoria: apesar da sua adesão ao centralismo estalinista, a UDP, em Portugal, foi talvez quem mais dinamizou as Comissões de Moradores; também na Etiópia, a Frente Popular de Libertação do Tigré/Frente Democrática Popular Revolucionária de Etiópia (hoje em dia talvez o principal aliado dos EUA na zona, mas, nos anos 70/80, seguia a linha albanesa), desde a guerra civil contra o regime pró-soviético que fez uma politica de descentralização do poder a favor das comunidades locais.
Mas, após este preambulo, vamos ao que interessa: será que, nos dias de hoje, fará sentido continuar-se a considerar "extrema-esquerda" como "aquilo que está à esquerda do PC"? O primeira motivo, desde 1989 que perdeu a razão de ser: o bloco soviético desapareceu e o comunismo "tradicional" tornou-se uma ideologia em vias de extinção, logo usar a atitude face a eles como critério de delimitição torna-se um bocado anacrónico. Além disso, grande parte da chamada "extrema-esquerda" também abandonou a sua tendência para recorrer à acção extra-parlamentar como método de luta politica (hoje em dia, praticamente só os anarquistas e os "autonomistas"- e grupos como os "okupas", frequentemente integrados com os referidos - se dedicam a ocupações, actos de "desobediência civil", etc.).
Mas, independentemente aonde pusermos a fronteira da "extrema-esquerda", creio que eu (sendo as minhas ideias inspiradas por uma salganhada de anarquismo, "comunismo de conselhos" e trotskismo) devo ficar lá...
[Os meus leitores devem estar a pensar "o que é que esta simples questão de nome interessa?"; provavelmente nada, mas é o que me deu inspiração para escrever]
1 comment:
a pior parte de quando se fala de extrema qualquer coisa, é que salta à ideia coisas como violencia e por aí em diante.
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