Finalmente, o que talvez seja a razão principal para que um puro mecanismo de mercado pode produzir uma quantidade de educação abaixo do "óptimo social".
Vamos imaginar que não existia um mercado para empréstimos para educação - aí, mesmo que os benefícios (actualizados) de tirar um curso forem maiores que o custo (incluindo custos de oportunidade) de tirar o curso, haverá pessoas que até poderiam ir tirar esse curso se tivessem dinheiro, mas não o vão fazer porque não teriam como se sustentar e pagar as despesas enquanto tiravam o curso.
Nesse caso, a "produção" de pessoas com uma dada formação seria inferior ao "óptimo" (já que o custo marginal de "produzir", digamos, um anestesiologista seria inferior ao beneficio marginal de um anestesiologista - medido pelo acréscimo de rendimentos que um anestesiologista teria - mas mesmo assim esse anestesiologista não seria formado).
Mas esta condição que estou a colocar (inexistência de um mercado eficiente de empréstimos à educação) é realista? Acho que sim:
- em primeiro lugar, os empréstimos à educação que existem actualmente são largamente incentivados pelo Estado, pelo que é provável que muitos não existissem num "mercado livre"
- em segundo, um empréstimo à educação que verdadeiramente não criasse "constrangimentos de tesouraria" ao beneficiários seria um que durante o curso pagasse, não só livros e propinas, mas também o equivalente ao ordenado que o beneficiários receberia se estivesse a trabalhar em vez de a estudar (ou talvez um valor um pouco abaixo, assumindo que estudar é mais divertido que trabalhar) e que, depois, pudesse ser amortizado em suaves prestações durante 20 ou 30 anos - ou seja, um empréstimo que cobrisse todo o custo da educação, e tivesse um prazo de amortização comparável ao período em que a educação gera rendimentos (que é basicamente o tempo de vida activa do individuo). Posso estar enganado, mas penso que não são frequentes os empréstimos com essas condições.
Mas porque é que o mercado de financiamento da educação tem esses constrangimentos?
Penso que uma das razões é que nunca se vê anúncios dizendo "Leilão - Licenciatura em Economia, média de 13 valores, tirada no ISEG em 1995. Os interessados poderão consultar o certificado de habilitações entre as 10 e as 18 horas, aos dias de semana. Base mínima de licitação: 2.000 euros". Ao contrário de uma casa, não é possivel hipotecar um curso, para ser vendido em leilão caso o devedor não pague o empréstimo (talvez a engenharia genética, usando genes de planária, possa um dia permitir isso).
Além disso, se estivéssemos a falar de empréstimos a 30 anos, estaríamos a falar de um investimento com uma elevada incerteza (a juntar ao risco da ausência de bens penhoráveis) - mesmo que tenhamos uma ideia do retorno financeiro médio de uma dada licenciatura, há uma grande incerteza sobre o percurso que um individuo específico vai fazer, ainda mais durante décadas. E empréstimos não costumam ser uma boa maneira de financiar investimentos com uma grande incerteza - já que o banco tem perdas nos casos em que a coisa corre pior do que o esperado, e não tem nenhum ganho adicional quando corre melhor que o esperado (só recebe o juro contratualizado). Uma alternativa seria os estudantes que tivessem recebido o empréstimo pagarem, não a clássica amortização+juros, mas sim um percentagem do seu rendimento (creio que Milton Friedman chegou a sugerir um sistema desses); aí o tal problema desaparecia - o banco perdia nos casos que corriam pior que o esperado, mas tinha lucros extras no que corriam melhor que o esperado - mas em compensação este sistema tem o mesmo problema dos impostos sobre o rendimento: em principio reduzirá os incentivos ao trabalho das pessoas abrangidas por ele (já que quanto mais ganham, mais terão que pagar ao financiador).
Diga-se que, antes do aparecimento do ensino gratuito, não me parece que se tenha chegado a desenvolver um mercado relevante de empréstimos à educação, seja na variante "juros", seja na variante "participação no rendimento" (há uma história de Arthur Conan Doyle que envolve alguém com um fortuna misteriosa ter pago o curso a um estudante de medicina, em troca de metade dos seus rendimentos, e, quando sabe do negócio, Sherlock Holmes comenta algo como "que negócio invulgar" - o que indica que isso não era frequente). O que havia era, isso sim, uma grande tradição de instituições ou pessoas ricas pagarem, a fundo perdido, a educação de "jovens promissores" - desde o proprietário rural que pagava os estudos do filho do caseiro até às universidades que atribuíam bolsas a bons alunos de baixos rendimentos, passando pelos seminários da Igreja.
Já agora, a respeito da teoria de Friedman de que não se justifica subsidiar os estudos por outras razões que não as de equidade, estando errada, não deixa de estar certa: é errado dizer que se não subsidiasse os estudos não iria haver problemas de eficiência, apenas de equidade; mas seria correcto dizer que é largamente por questões de equidade que se justifica subsidiar os estudos - já que é muito por questões de equidade (ou falta dela) que surge o problema que discuto neste post: quanto mais desigualitária for a distribuição da riqueza, maior será a tendência para haver pessoas que não têm dinheiro para financiarem os seus estudos e precisam de empréstimos/subsídios/bolsas/patrocínios (o que parece bater certo com o facto de, por norma, as sociedades mais igualitárias terem maiores níveis de crescimento económico).
Vamos imaginar que não existia um mercado para empréstimos para educação - aí, mesmo que os benefícios (actualizados) de tirar um curso forem maiores que o custo (incluindo custos de oportunidade) de tirar o curso, haverá pessoas que até poderiam ir tirar esse curso se tivessem dinheiro, mas não o vão fazer porque não teriam como se sustentar e pagar as despesas enquanto tiravam o curso.
Nesse caso, a "produção" de pessoas com uma dada formação seria inferior ao "óptimo" (já que o custo marginal de "produzir", digamos, um anestesiologista seria inferior ao beneficio marginal de um anestesiologista - medido pelo acréscimo de rendimentos que um anestesiologista teria - mas mesmo assim esse anestesiologista não seria formado).
Mas esta condição que estou a colocar (inexistência de um mercado eficiente de empréstimos à educação) é realista? Acho que sim:
- em primeiro lugar, os empréstimos à educação que existem actualmente são largamente incentivados pelo Estado, pelo que é provável que muitos não existissem num "mercado livre"
- em segundo, um empréstimo à educação que verdadeiramente não criasse "constrangimentos de tesouraria" ao beneficiários seria um que durante o curso pagasse, não só livros e propinas, mas também o equivalente ao ordenado que o beneficiários receberia se estivesse a trabalhar em vez de a estudar (ou talvez um valor um pouco abaixo, assumindo que estudar é mais divertido que trabalhar) e que, depois, pudesse ser amortizado em suaves prestações durante 20 ou 30 anos - ou seja, um empréstimo que cobrisse todo o custo da educação, e tivesse um prazo de amortização comparável ao período em que a educação gera rendimentos (que é basicamente o tempo de vida activa do individuo). Posso estar enganado, mas penso que não são frequentes os empréstimos com essas condições.
Mas porque é que o mercado de financiamento da educação tem esses constrangimentos?
Penso que uma das razões é que nunca se vê anúncios dizendo "Leilão - Licenciatura em Economia, média de 13 valores, tirada no ISEG em 1995. Os interessados poderão consultar o certificado de habilitações entre as 10 e as 18 horas, aos dias de semana. Base mínima de licitação: 2.000 euros". Ao contrário de uma casa, não é possivel hipotecar um curso, para ser vendido em leilão caso o devedor não pague o empréstimo (talvez a engenharia genética, usando genes de planária, possa um dia permitir isso).
Além disso, se estivéssemos a falar de empréstimos a 30 anos, estaríamos a falar de um investimento com uma elevada incerteza (a juntar ao risco da ausência de bens penhoráveis) - mesmo que tenhamos uma ideia do retorno financeiro médio de uma dada licenciatura, há uma grande incerteza sobre o percurso que um individuo específico vai fazer, ainda mais durante décadas. E empréstimos não costumam ser uma boa maneira de financiar investimentos com uma grande incerteza - já que o banco tem perdas nos casos em que a coisa corre pior do que o esperado, e não tem nenhum ganho adicional quando corre melhor que o esperado (só recebe o juro contratualizado). Uma alternativa seria os estudantes que tivessem recebido o empréstimo pagarem, não a clássica amortização+juros, mas sim um percentagem do seu rendimento (creio que Milton Friedman chegou a sugerir um sistema desses); aí o tal problema desaparecia - o banco perdia nos casos que corriam pior que o esperado, mas tinha lucros extras no que corriam melhor que o esperado - mas em compensação este sistema tem o mesmo problema dos impostos sobre o rendimento: em principio reduzirá os incentivos ao trabalho das pessoas abrangidas por ele (já que quanto mais ganham, mais terão que pagar ao financiador).
Diga-se que, antes do aparecimento do ensino gratuito, não me parece que se tenha chegado a desenvolver um mercado relevante de empréstimos à educação, seja na variante "juros", seja na variante "participação no rendimento" (há uma história de Arthur Conan Doyle que envolve alguém com um fortuna misteriosa ter pago o curso a um estudante de medicina, em troca de metade dos seus rendimentos, e, quando sabe do negócio, Sherlock Holmes comenta algo como "que negócio invulgar" - o que indica que isso não era frequente). O que havia era, isso sim, uma grande tradição de instituições ou pessoas ricas pagarem, a fundo perdido, a educação de "jovens promissores" - desde o proprietário rural que pagava os estudos do filho do caseiro até às universidades que atribuíam bolsas a bons alunos de baixos rendimentos, passando pelos seminários da Igreja.
Já agora, a respeito da teoria de Friedman de que não se justifica subsidiar os estudos por outras razões que não as de equidade, estando errada, não deixa de estar certa: é errado dizer que se não subsidiasse os estudos não iria haver problemas de eficiência, apenas de equidade; mas seria correcto dizer que é largamente por questões de equidade que se justifica subsidiar os estudos - já que é muito por questões de equidade (ou falta dela) que surge o problema que discuto neste post: quanto mais desigualitária for a distribuição da riqueza, maior será a tendência para haver pessoas que não têm dinheiro para financiarem os seus estudos e precisam de empréstimos/subsídios/bolsas/patrocínios (o que parece bater certo com o facto de, por norma, as sociedades mais igualitárias terem maiores níveis de crescimento económico).
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