Aqui, aqui e (mais ou menos) aqui abordei a questão sobre se há benefícios sociais na educação. Agora venho abordar a questão oposta - será que a educação pode ter "externalidades negativas"?
Há pelos menos um modelo que pode implicar isso - a chamada "teoria do sinal"; segundo essa teoria, a verdadeira função da escola não é ensinar; a vantagem de ter um curso (ou, já agora, o 12º ano, ou o 9º, ou a 4ª classe...) não é saber fazer determinadas coisas, mas mostrar (sinalizar) que se é inteligente/trabalhador/etc. o suficiente para ter conseguido tirar esse curso, e que são verdadeiramente essas qualidades que os empregadores procuram, e não o curso em si.
Se esse teoria for verdadeira, poderá haver externalidades negativas na educação - se o verdadeiro objectivo de adquirir instrução é mostrar que se é inteligente/trabalhador/disciplinado/... a educação torna-se largamente um jogo de soma nula - o efeito de adquirir mais instrução é sobretudo mostrar que se é mais inteligente/trabalhador/disciplinado que as outras pessoas, logo o meu beneficio por ser mais instruído é um prejuizo para os outros; e se todos adquirirmos mais instrução, ficamos mais ou menos como estávamos antes - ter o 12º ano passa a "sinalizar" o mesmo que antes a 4ª classe, um mestrado passa a ter um valor semelhante a ter o 12º e a única diferença é que passamos todos mais tempo sem começar a ganhar dinheiro (tal qual como se todas as pessoas num estádio de futebol se levantarem para ver melhor).
Mas será que essa teoria é verdadeira? Eu acho que não (com umas excepções que vou referir mais à frente), sobretudo por uma razão: a maior parte das pessoas não parece concordar com essa teoria (se assim fosse, slogans como "temos que apostar na educação" não teriam o apelo que têm, e mesmo entre os economistas só uma minoria concorda com ela); isto pode parecer a falácia ad populum, mas não é: pelo menos na sua versão mais "hard", o que a "teoria do sinal" diz é que as pessoas vão tirar cursos para mostrar que são mais capazes, e os empregadores pagam mais a quem tenham uma dada formação porque acham que se eles conseguiram obter essa formação é porque são pessoas capazes - ou seja, essa versão teoria implica que as pessoas se comportam conscientemente de acordo com a teoria; mas, se fosse assim, a maior parte das pessoas concordaria com essa teoria.
Claro que podemos desenvolver uma versão soft da "teoria do sinal", em que o processo ocorre de forma inconsciente:
- as pessoas com mais instrução não são mais produtivas por causa da instrução, mas pelas suas qualidades pessoais que levam também a que adquirem mais instrução (como a teoria do sinal preconiza)
- os empregadores pagam mais a pessoas instruídas, não por pensarem "se ele tirou este curso, deve ser trabalhador/inteligente", mas simplesmente por constatarem (sem perderem tempo a pensar na relação causa-efeito) que as pessoas instruídas são mais produtivas em média;
- as pessoas tiram cursos, não para mostrarem que são inteligente/trabalhadoras, mas simplesmente, ou porque querem, ou porque vêm que as pessoas com mais instrução ganham mais
É possivel, mas mesmo assim custa-me a acreditar que os oftalmologistas que tratam dos meus olhos desde os 8 anos fossem capazes de fazer isso se não tivessem ido para uma faculdade de Medicina.
Na verdade, suspeito que deve haver uma espécie de deformação académica nos economistas que defendem a "teoria do sinal": basicamente, há dois tipos de cursos - cursos em que se "aprende coisas" (Sociologia, História, Economia, etc.) e cursos em que se "aprende a fazer coisas" (Engenharia, Medicina, Contabilidade, etc.). Atenção que isto pode parecer a clássica (e a meu ver incorrecta) distinção entre "ciências sociais" e "ciências exactas" mas não é - Gestão é um curso em que se "aprende a fazer coisas", mas, a ser uma ciência, será "social", não "exacta"; não faço ideia se há algum curso nas ciências exactas em que seja mais de "aprender coisas" do que "aprender a fazer coisas", mas é possível que haja (talvez alguns cursos de Zoologia ou Astronomia?) - e um clássico exemplo da diferença entre as duas filosofias académicas é uma anedota comparando dois cursos de "exactas" ("o engenheiro do Técnico sabe porque é que o prédio que construiu caiu; o engenheiro do ISEL não sabe porque o prédio que construiu ficou de pé").
Ora, sendo Economia um curso onde se "aprende coisas", é natural que alguns economistas tendam a minimizar a utilidade, em termos de contributo para a produtividade, da formação académica, já que o curso que eles (nós) tiraram (tiramos) realmente não contribui muito para a produtividade (eu, pelo menos, a única coisa que aprendi no curso que uso no meu trabalho foi em Introdução à Informática, uma cadeira semestral do 1º ano).
No entanto, vejo duas situações em que a teoria do sinal talvez se aplique:
Aplica-se com certeza quando a questão não é "vou estudar mais?", mas sim "vou estudar aonde?" - o principal critério que leva alguém a escolher a universidade X em vez da Y (tanto para estudar, como para contratar empregados) é a Y ter fama de ser fácil e de qualquer um ser lá admitido.
Interrogo-me se não se aplicará também na questão 12º vs. 9º ano (embora essa questão agora tenha acabado) - afinal, no ensino secundário / via de ensino não se aprende quase nada que só por si seja útil na vida laboral (leitores que tenham só o 12º - quantas vezes usaram Os Maias ou os números complexos na vossa vida profissional?), mas penso que há muitos empregos (normalmente de "colarinho-branco") em que se contrata mais facilmente pessoas com o 12º do que com o 9º. Uma hipótese é que seja exactamente uma questão de "sinal" - quem tem o 12º não sabe muito mais coisas "úteis" do que quem tem o 9º, mas é de supor que seja mais inteligente e/ou aplicado; uma hipótese alternativa a essa é que esses 3 anos adicionais de escola contribuam para o desenvolvimento de "soft skills" úteis, como maior flexibilidade mental ou mesmo "hábitos de vida" de classe média.
Monday, September 20, 2010
Há prejuizos sociais na educação?
Publicada por Miguel Madeira em 14:21
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