Discussão nos comentários d' O Insurgente:
Eu:
imagine-se uma economia com pescadores, agricultores e construtores navais. Imagine-se que os pescadores não vão sempre à pesca porque têm pouca clientela.CN:
Agora imagine-se que alguém decide gastar umas moedas de ouro que tinha guardado no sotão para fazer uma grande festa e paga a um pescador (que em principio não estava a pensar ir ao mar) para lhe ir apanhar uns polvos e uns sargos.
[Q]ue redução do investimento houve aqui[?] – o dinheiro gasto para pagar os polvos e os sargos não é dinheiro que de outra maneira teria sido gasto para construir mais um barco (é dinheiro que de outra maneira teria ficado guardado à espera de uma melhor oportunidade para ser gasto). A mim parece-me que o aumento da procura originou um aumento da produção (foram pescados polvos e sargos que não teriam sido pescados de outra maneira).
Tirar dinheiro do sótão (aumentar a quantidade de dinheiro em circulação) faz aumentar os preços, colocar dinheiro no sótão (diminuir a quantidade de dinheiro em circulação) faz diminuir os preços.Creio que toda a discussão sobre a correcção ou não do keynesianismo pode-se resumir a três questões:
A relação entre consumo e investimento guiada pela taxa de juro livremente fixada não tem de se alterar por causa disso. As pessoas podem passar a usar mais moeda, mas a proporção entre consumo e investimento manter-se (agora, a preços mais elevados).
A - é expectável que num mercado livre haja alterações rápidas e significativas da procura total de moeda?
B - se houver um aumento da procura de moeda (ou uma redução da oferta), isso originará uma redução mais ou menos equivalente dos preços, ou essa tal redução dos preços levará anos a se consumar?
C - se a resposta a A for a segunda (demorar anos), é expectável que o Estado/banco central/cooperativa de crédito consigam mais ou menos "adivinhar" o aumento da oferta de moeda e/ou do consumo público necessária para reequilibrar a economia, ou os mais provável é que (devido à imperfeição do conhecimento humano em geral, e do das organizações centralizadas em particular) se enganem no tipo e quantidade de "remédio" a aplicar, aumentando ainda mais e confusão e agravando a crise?
Se as respostas forem
A - sim
B - levará anos
C - o Estado/banco central é capaz de descobrir (ou andar lá perto) a quantidade de "estimulo" necessário
o keynesianismo estará correcto
Se forem
A - sim
B - levará anos
C - é quase impossível saber qual a politica correcta no momento correcto
O keynesianismo estará correcto acerca das crises económicas, mas errado na solução proposta
Se forem
A - [tanto faz]
B - os preços ajustam-se quase em tempo real
C - [irrelevante]
o keynesianismo estará errado (penso que é mais ou menos essa a posição das "expectativas racionais", dos "ciclos económicos reais" e de Milton Friedman desde os anos 70)
Se for
A - não
B - levará anos
C - é quase impossível saber qual a politica correcta no momento correcto
o keynesianismo também estará errado (creio que era mais ou menos essa a posição de Milton Friedman nos anos 50/60, e a "escola austríaca" também só me parece fazer sentido se adoptar uma posição destas).
A minha opinião pessoal - o ponto fraco do keynesianismo parece-me ser exactamente o C.
7 comments:
se havia capital e trabalho ociosos, não vejo a razão de não supormos uma curva de oferta horizontal. neste caso, não haveria aumento nos preços. e não vejo como não prever
o aumento no PIB, o que equilibraria o aumento no estoque de moeda em circulação.
DdAB
o facto de haver recessão não quer dizer que haja inflação, parece que toda a gente se esquece dos anos 70, que se julgava ter descredibilizado o Keynesianismo.
Mas não quer dizer que os preços aumentem. Sobre a injecção de moeda o que se pode dizer como verdade é que com injecção de moeda os preços
(que não tem que ser no consumidor, pode ser de bens de capital, de matérias-primas, de activos financeiros, etc)
...são maiores do que seriam sem essa injecção (para a mesma preferência por posse de moeda).
O que não quer dizer que sejam em termos absolutos aumentos de 2% ou 3%. Podem ser apenas 1% quando sem injecção seriam de 0%.
errata:
"o facto de haver recessão não quer dizer que NÂO haja inflação, "
estagflação parece ser o termos entretanto esquecido.
CN, penso que isso não afecta muito o essencial da minha tentativa de síntese.
Excelente síntese.
Só uma nota: penso que Friedman nunca foi "muito à bola" com as expectativas racionais*, mesmo nos anos 70. O "Free to choose" foi publicado em 1981 ou 1982 e aí ele admitia que havia muita margem de acção para a política orçamental. O problema era que as escolhas seriam inevitavelmente guiadas por critérios de racionalidade política e não racionalidade económica.
*aliás, julgo que a formalização matemática das ER consiste precisamente em virar "de cabeça para baixo" a ideia "friedmaniana" de que as pessoas formam expectativas extrapolando o passado [daí a ideia de que a inflação só poderia estimular o crescimento se fosse "cada vez maior"].
MM
Estava a responder a
"se havia capital e trabalho ociosos, não vejo a razão de não supormos uma curva de oferta horizontal. neste caso, não haveria aumento nos preços."
Compreendido.
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