Thursday, June 16, 2011

a ciência económica, os neoclássicos e os equívocos epistemológicos

Lendo o post do Miguel Madeira: Os economistas e a economia

Creio que em primeiro lugar é preciso enquadrar o que serão esses tais de neoclássicos (e ter em conta que os clássicos do séc- 18 e séc.19 não têm culpa do que os neoclássicos fazem - e claro, existe também muito valor nas contribuições destes últimos, como é óbvio).

Atentar a esta descrição na wikipédia:

"Neoclassical economics is a term variously used for approaches to economics focusing on the determination of prices, outputs, and income distributions in markets through supply and demand, often mediated through a hypothesized maximization of utility by income-constrained individuals and of profits by cost-constrained firms employing available information and factors of production, in accordance with rational choice theory.[1] Neoclassical economics dominates microeconomics, and together with Keynesian economics forms the neoclassical synthesis, which dominates mainstream economics today"

E assim esta "neoclassical synthesis, which dominates mainstream economics today" é que importa analisar porque é o que forma a quase totalidade do pensamento académico e político do pós Keynes. Se na micro-economia os neoclássicos predominam, na macroeconomia os neoclássicos não põe essencialmente em causa o neo-keynesianismo e ao qual se junta, diferentes formas de monetaristas. E uns e outros são muitas vezes indistinguíveis.

Ou seja, uns e outros constroem fantasias matemáticas, os mais neoclássicos com enfoque em muitos aspectos micro (como a tentativa de transpor utilidades ordinais em preferências cardinais para depois fantasiarem sobre soluções óptimas), os mais keynesianos sobre a modelização de variáveis ditas-macro e a mesma tentativa de chegar a recomendações e soluções óptimas.

Para mim, sobre isso e na tradição "austríaca"-libertarian:

- o eficientismo (também comum à doutrina dita liberal que vem de Chicago, e que igualmente provoca danos sérios ao liberalismo) não é um objectivo último em si mesmo. A maximização seja lá do que for, será apenas um factor de ponderação: a pessoa humana contém e deseja exercer as suas preferências subjectivas e o seu livre arbítrio, não são formigas imbuídas de uma matriz matemática que as impulsiona individualmente à máxima maximização social, seja esta determinada por neoclássicos ditos liberais e por mecanismo ditos privados (mas regulados, claro, por neoclássicos, para suprir “certas” deficiências do mercado, como informação assimétrica e imperfeita, etc.) nem por mecanismos colectivistas.

- e nem se o eficientismo constituísse um objectivo último inquestionável seria passível de determinação a não ser talvez como ferramenta de aproximação e modelização em sentido muito restrito, e aqui, no domínio da discussão teórica pura, é preciso contestar a validade de tentar transpor a verdade aceite que as preferências das pessoas são meramente ordinais (prefiro A a B a C) em cardinais (prefiro A três vezes mais que B e 4 vezes mais que C). Este truque é o que permite os neoclássicos brincar com os seus modelos matemáticos, depois de terem sido obrigados a reconhecer que o máximo que as pessoas conseguem fazer é ordenar preferências.

E uns e outros falham completamente na análise da moeda, crédito, ciclos económicos, na própria definição de taxa de juro, e essa é a razão porque as bolhas e crises continuam. A doutrina económica vigente recusa-se a colocar em causa a lógica dos bancos centrais e os males provocados pela expansão artificial do crédito permitida pelo sistema de reservas parciais quando tudo se resume a:

Faz sentido falar em investimento sustentável (a priori, tendo em conta a taxa de juro do mercado, preços dos recursos, expectativa de procura e preço final do produto, etc) quando este é financiado por emissão de moeda e não por poupança monetária prévia?

Continuando e um ponto de importância crucial na citação de João Pinto e Castro (JPC):

"A microeconomia - disciplina rainha da síntese neoclássica - adotou, aliás, uma metodologia oposta à da ciência experimental: partindo de um certo número de axiomas, vai por aí fora deduzindo teoremas em catadupa ao jeito de um manual de geometria. Tanto os axiomas como os teoremas são falsos, mas isso não incomoda os guardiões da teoria económica."

A ironia é que JPC parece insurgir-se contra o apriorismo e fazendo o caso pelo experimentalismo, embora se dê ao cuidado de dizer que os axiomas estão errados. Ou seja, fica por saber, se JPC achasse os axiomas certos, se JPC consideraria errado que as deduções certas (vamos considerar que seriam de lógica inabalável a partir dos tais axiomas certos) constituiriam verdades ou não.

A outra ironia é que JPC está certo no sentido em que a matemática no estudo a acção humana, com as suas preferências subjectivas e recursos e tempo escasso para escolher meios para atingir esses seus fins subjectivos, é à partida axiomaticamente de validade falsa.

Mas partindo do axioma da acção humana (o homem não pode não agir), a lógica e dedução argumentativa construída a partir daí torna-se universalmente verdadeira, como dizer, duas pessoas quando acordam uma qualquer troca de livre vontade, aumentam ambos a sua utilidade (muito diferente de pretender mensurar tal coisa).

E ainda para juntar à colecção de ironias, na verdade o "método científico" que é vigente ainda hoje em economia (Milton Friedman foi um radical pelo positivismo, construir modelos, fazer medições e previsões é a única via, à semelhança das ciências naturais) passa por pretender manter válido o experimentalismo, a observação de estatísticas, a colecção de dados, para a construção de modelos e os seus parâmetros, na mais pura tentativa de replicação do método experimental das ciências naturais. Uma mistura de estatística com matemática que por vezes vezes disfarçam o mais puro absurdo - o meu exemplo preferido disto é o multiplicador keynesiano (o investimento multiplica por X o rendimento), que considero um sério embaraço intelectual.

JPC não poderia ter arranjado melhor forma de resumir vários equívocos de natureza fundamental sobre a epistemologia corrente da ciência económica e a sua alternativa axiomática-dedutiva não-matemática da escola praxeológica de Mises.

PS: é engraçado como a matemática é uma ciência axiomática-dedutiva-apriorística, mas não pode aplicar-se à acção humana (e instintivamente devíamos ficar aliviados por isso), mas como a economia tem também de ser axiomática-dedutiva-apriorística, mas do tipo reflexiva-argumentativa. Os filósofos deviam dar conta disso. Só o homem pode estudar o homem e a sua interacção com o exterior, usando ferramentas do homem - a reflexão argumentativa, e não a matemática pura que falaria como que consigo própria.

9 comments:

PR said...

"a lógica e dedução argumentativa construída a partir daí torna-se universalmente verdadeira, como dizer, duas pessoas quando acordam uma qualquer troca de livre vontade, aumentam ambos a sua utilidade

Isto só é verdade se assumir que, por definição, as pessoas fazem aquilo que maximiza a sua utilidade. Mas isso não é ciência, é uma tautologia.

Um exemplo limite: o tipo que perante uma tortura lancinante, abjura o seu deus apesar de saber [saber=acreditar piamente] que isto o vai condenar a uma vida de sofrimento eterno no inferno.

Isto é propositadamente rebuscado, mas estava apenas a tentar tornar o ponto claro. Penso que o princípio é mais ou menos o mesmo que nos leva a entrar em transacções livres que são prejudiciais*: estamos, por deformação biológica, mais virados para o curto prazo.

*gastos supérfluos, procrastinação, falta de poupança, etc.

CN said...

isso é como especular se temos livre arbítrio ou não, as trocas livres ou mesmo as doações livres (e aceites pela parte receptora) acrescentam qualquer coisa a ambos, afinal podiam escolher não proceder à troca.

Quanto ao argumento do curto prazo e longo prazo, é como o consumo versus investimento.

O que interessa é que as pessoas de forma livre escolham entre consumo e investimento. Não existe investimento/poupança óptimo.

Existe aquele que as pessoas querem, e isso reflecte-se na taxa de juro... se esta fosse livre de intervencionismo.

PR said...

Acho que se limitou a confirmar a minha objecção: o axioma base da teoria austríaca é apenas uma tautologia.

PS- Não existe um rácio poupança/investimento óptimo, mas existem rácios em que as próprias pessoas que o escolhem admitem que não são maximizadores da sua utilidade. [No exemplo que eu sei, entre duas opções, o torturado acabará por escolher a pior; e infinitamente pior, porque o sofrimento infinito do inferno é, passe a redundância, infinitamente pior do que o sofrimento finito terreno :) ]

CN said...

o axioma base da praxeologia é o da acção humana: O homem age.

A partir dai, age com escolha de fins e meios.

Para aumentar a produtividade tem de construir ferramentas e dedicar tempo a construir ferramentas (mesmo que mais nada seja necessário, ex: Robison Crusoé numa ilha) em vez de se dedicar a lazer ou a trabalhar para a sua sustentação alimentar.

Depois entra mais pessoas e a capacidade de cooperação voluntária com trocas.

E por aí adiante.

PR said...

CN, eu da escola austríaca só sei o que leio dos blogues, mas dizer que o homem age para atingir determinados fins e que o faz com restrições (meios) e num determinado contexto (comércio, etc.) não é essencialmente o mesmo que dizer que ele maximiza a sua utilidade tendo em conta recursos escassos?

CN said...

pode ser, desde que não parta para maximizações sociais mensuráveis e determináveis por matemática.

Mas a importância do "homem age e não pode não agir" é o axioma necessário para construir toda uma teoria económica de consistência inabalável, que pelo caminho rejeita a matemática como meio epistemológico, embora possa ser uma ferramenta para aplicações restritas.

Anonymous said...

posso estar a cometer um erro, uma vez que não estou mto dentro do assunto, mas acho que a ciencia mais próxima de explicar a acção humana são os sistemas complexos ligados aos sistemas computacionais. a matemática é bastante rudimentar para explicar fenómenos humanos.

os sistemas complexos dão origem à chamada ordem espontânea

um individuo ou uma célula, age de acordo com os seus meios, dependente do contexto, formando num final uma ordem que é independente de si e de resultado imprevisivel.

controlar o resultado final que é o que tendem a fazer as teorias económicas intervencionistas provocam simplificações do problema. a economia entendida como um sistema complexo só pode atingir os melhores resultados funcionando de "baixo para cima" e não de "cima para baixo"

espero não estar a afirmar coisas óbvias ou disparates...

tiago

João Vasco said...

PR:

Esse é um excelente exemplo.

Hoje a investigação tem mostrado uma série de outros exemplos.


Um estudo é particularmente interessante a este nível. Pergunta-se às pessoas se preferem um determinado fim de semana em Paris com tudo pago, ou um determinado fim de semana em Roma com tudo pago.
Cerca de 50% dos inquiridos, escolhidos ao acaso, preferem uma hipótese, e outros 50% preferem outra.

Depois coloca-se a outro grupo seleccionado ao acaso as mesmas duas hipóteses, mas acrescenta-se outra objectivamente pior. Fim de semana em Roma, mas sem pequeno almoço pago.
Assumindo que estas pessoas vão agir racionalmente de forma a maximizar a sua utilidade esperaríamos que esta terceira hipótese, objectivamente inferior a outra, não interferisse na escolha.
Mas interfere. Ninguém escolhe essa hipótese (obviamente), mas cerca de 70% prefere a ida a Roma com tudo pago, perante essas três opções.

Por fim, colocam-se novamente três hipóteses, mas desta vez a terceira hipótese corresponde a uma ida a Paris sem o pequeno almoço pago. Como já se adivinha, a ida a Paris com tudo pago foi escolhida por cerca de 70% das pessoas nesta situação.

Naturalmente, a utilidade das hipóteses escolhidas não variou consoante a existência de uma opção objectivamente pior. Mas, para uma percentagem significativa das pessoas, a escolha dependeu dessa existência. Assim se verifica que a escolha não corresponde a uma selecção da hipótese com maior utilidade, a menos que «utilidade» seja definida de forma tão tautológica, que o pressuposto de que a sua maximização é procurada é completamente vazio, e todas as ilações dele derivados são igualmente vazias.

Tendo em conta que a publicidade pretende tantas vezes explorar os «pontos fracos» do ser humano, as irracionalidades que o podem impelir à compra, e que tantas vezes é parte integrante das transacções modernas, é evidente que muitas transacções que ocorrem não aumentam a utilidade (definida de forma significativa) dos envolvidos.

Mas note-se que isto é uma questão descritiva e não normativa.

Mesmo que as transacções livres sejam prejudiciais para uma das partes, porque a outra foi irracional ou cometeu qualquer erro de julgamento, ela é legítima pois é livre.
Ao sofrer as duras consequências da irracionalidade, podemos tornar-nos mais racionais. E é sempre como agentes livres e racionais (com as excepções de doentes mentais, menores de idade, etc) que a lei nos deve tratar. E isso parece-me positivo.

João Vasco said...

Correcção,

deveria ter escrito:

«Mesmo que as transacções livres sejam prejudiciais para uma das partes, porque foi irracional ou cometeu qualquer erro de julgamento, ela é legítima pois é livre. »