Alguns comentários a propósito deste post de Pedro Lains e deste de Miguel Noronha (via O Insurgente).
Pedro Lains - "pois ainda há quem pense que o Estado gasta metade do que os "portugueses" produzem. O Estado gasta menos de 10% e distribuiu o resto, assim, a talhe de foice"
Penso que há alguma complexidade em definir o que é que o Estado "gasta" e o que é que "distribui" - as despesas do Estado com a sua máquina administrativa pertencem sem dúvida à rubrica "gasta"; pensões, subsídios de desemprego, RSI, abonos de família, etc. pertencem sem dúvida à rubrica "distribui". Mas as despesas sobre a forma de serviços prestados (hospitais, escolas, estradas, policiamento, etc.) já me parecem mais ambíguas de se classificar em qual das rubricas (e a minha resposta ao Miguel Noronha depende do que se incluir no "gasta" e do que se incluir no "distribui".
Miguel Noronha - "Fico com a impressão que Pedro Lains pretende afirmar que contrariamente aos criticos (que não identifica) a dimensão do estado e o controlo que este exerce sobre a economia é afinal reduzida. E os restantes 40% obtidos (maioritariamente) por via fiscal e que são alocados segundo critérios políticos? Parece estar a sugerir que as consequências económicas (e como deixou bem explícito o seu post era essencialmente sobre matérias económicas) de um estado que se limita a controlar controla 10& do PIB e outro que controla 50% mas que redistribui 80% do montante anterior são idênticas."
Se estivermos a falar da diferença entre o Estado gastar directamente o dinheiro dos impostos, ou transferi-los para outros sob a forma de subsídios, poderá haver diferenças entre as duas coisas, dependendo da razão porque alguém se opõe (caso se oponha) ao controle estatal sobre (parte d')a economia.
Consigo imaginar, pelo menos, quatro razões para se ser contra impostos e/ou despesas públicas:
a) considerar a cobrança de impostos uma violação do direito natural à propriedade
b) considerar que impostos (e subsídios) distorcem os preços e assim causam ineficiências na economia
c) considerar que uma burocracia centralizada não tem nem a informação necessária nem a motivação para gerir bem esse dinheiro, e que os individuos tem mais capacidade para decidir onde gastam o dinheiro
d) considerar que, ao dar ao Estado controlo sobre a economia, estamos a dar-lhe também controlo sobre as vidas pessoais dos indivíduos - afinal, quase tudo o que fazemos implica uma interacção com o mundo material, logo se o Estado domina os recursos materiais decide o que podemos ou não fazer
[Os pontos a) e d) serão mais moralistas, os b) e c) mais estritamente económicos]
Mas o que isto tem a ver com a questão "O Estado gastar o dinheiro vs. distribui-lo"? Bem, se alguém for contra os (altos ou todos) impostos pelos motivos a) ou b), será mais ou menos igual ao litro que o Estado gaste directamente o dinheiro ou o re-distribua (ou talvez até considere a re-distribuição o mal maior, já que torna mais atractivo ser um beneficiário do Estado - exemplo). Mas do ponto de vista dos argumentos c) ou d) é totalmente diferente o Estado decidir onde aplicar o dinheiro ou distribuí-lo por (algumas) pessoas para elas o gastarem com bem entenderem (e, aliás, imagino que a maior parte dos cachimbeiros e insurgentes sejam da opinião que os vouchers escolares são "melhores" do que a escola governamental)
Claro que isto que escrevo é no pressuposto que os serviços públicos prestados directamente pelo Estado são incluídos na rubrica "gasta".
Pedro Lains - "Depois, já no 12º ano, podia-se aprender os fundamentos dessa história que são os de que o crescimento económico, a começar pela industrialização oito e novecentista, trouxe aumentos muito grandes nas diferenças de produtividade das pessoas e, por essa via, de rendimentos. Em 1800, todos fazíamos trigo, bolachas ou panos, com diferenças suportáveis de valor por pessoa; agora, todos fazemos trigo, carros ou cliques no computador, com valores muito diferentes por pessoa e reflexos nos rendimentos."
Agora já é um assunto sobre o qual não me sinto muito à vontade (e que talvez nem seja muito relevante), mas não tenho tanta certeza disso - à primeira vista, até me dá a ideia que a desigualdade terá diminuído nos últimos séculos, mas talvez eu esteja a confundir desigualdade económica com desigualdade social (a segunda era indubitavelmente maior em 1800; talvez a primeira não o fosse). E, por regra, a tecnologia tende a tornar o trabalho mais fácil e simples, e quanto mais fácil é o trabalho menos importantes são as diferenças individuais na sua execução (em vez de termos "exímios artesãos" que demoram décadas a aperfeiçoar a sua arte, passamos a ter trabalhadores que em poucos meses podem mudar de ramo profissional, o que em principio tenderá a equalizar relativamente os salários). Mas, como digo, isto é mais uma "impressão" minha do que uma certeza com bases objectivas (é possivel que umas simples estatísticas deitem por terra a minha teoria).
De qualquer forma, suspeito que a principal causa do crescimento do Estado re-distribuidor a partir de 1800 foi mesmo a democracia, por um lado, e a erosão cultural do "respeito" das classes desfavorecidas pelos seus "superiores", por outro (já agora, também suspeito que os Estados pré-modernos parecem nas estatísticas mais "pequenos" do que efectivamente eram por recorrerem ao que hoje em dia chamaria-mos "desorçamentação", nomeadamente os "servidores do Estado" não serem recompensados com ordenados pagos por impostos, mas com a atribuição de terras, monopólios comerciais, etc.).
Thursday, September 01, 2011
Re: Metades
Publicada por Miguel Madeira em 23:54
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2 comments:
industrialização - enriquecimento da sociedade - teorias politica sociais sobre as desigualdades (já não era toda a gente pobre como antigamente) - aumento do estado (porque a sociedade enriqueceu e podia suportar a expansão do monstrinho)
Também tinha a ideia de que a desigualdade era bem mais alta nessa altura, mas não encontrei informação no site do Angus Madisson, que é o mais robusto ao nível de dados históricos (penso eu!)
http://www.ggdc.net/MADDISON/oriindex.htm
Se calhar não há dados de desigualdade para períodos tão recuados (o que não me espantava: já os dados do PIB e produtividade são estimados de formas muito pouco satisfatórias...)
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