Monday, November 07, 2011

Sim, é cortar metade

João Miranda:

O que diriam os comentadores se o governo limitasse o tamanho dos pacotes de leite a um máximo de meio litro?

Qualquer coisa como:

1. As pessoas vão ser forçadas a beber menos leite.

2. Os casos de osteoporose vão aumentar.

3. Os idosos e as crianças deviam poder comprar pacotes de 1 litro porque precisam mais de cálcio.

4. Agora quando se consome meio litro o pacote acaba e não há mais leite. Dantes ainda se podia consumir mais meio litro.

5. Agora pelo mesmo preço vamos ter metade do leite.
Se os consumidores já tivessem contratos assinados com os fornecedores, estabelecendo um preço X por um pacote de leite, o ponto 5 faria todo o sentido (suspeito que a ideia do João Miranda é algo do género - "estes 5 pontos são disparates - as pessoas simplesmente passariam a comprar o dobro dos pacotes e cada pacote passaria a valer metade do preço; em termos reais nada se alteraria, apenas as unidades nominais"; mas isso não se aplicaria no caso de contratos de compra e venda que já tivessem sido assinados, em que a alteração do tamanho do pacote de leite iria representar uma alteração real ao contrato).

Bem, e isto vem a propósito do quê? Suspeito (até pela sequência dos posts) que pretende ser uma ilustração de uma teoria que o JM vem defendendo há várias semanas - que o aumento do horário de trabalho em mais meia hora significa apenas uma redução do salário mínimo. Para contratos de trabalho estabelecidos depois de o aumento de meia hora ser anunciado, até é capaz de ter razão - como empregador e empregado já sabem que o empregador pode exigir mais meia hora de trabalho, o contrato já vai ser negociado tendo isso em atenção (ou estabelecendo um ordenado maior, ou um horário base mais reduzido), e o único mudança real é que será possivel contratar 42,5 horas e meia de trabalho semanal por 485 euros (um contrato que seria ilegal anteriormente mas agora passa a ser permitido).

Mas é aí que está a grande diferença entre o mercado de trabalho e o mercado de pacotes de leite - enquanto no mercado de pacotes de leite quase nem devem existir contratos estabelecidos a longo prazo (suspeito que mesmo os contratos entre supermercados e produtoras de leite estejam denominados em litros e não em pacotes), a maior parte das pessoas trabalha ao abrigo de contratos pré-determinados, logo, pelo menos a curto/médio-prazo, esta lei irá representar uma alteração efectiva a milhões de contratos já existentes (e como esta lei é apresentado como sendo "de emergência", quer dizer que só é suposta ter mesmo efeitos no curto/médio prazo)

Aliás, faça-se o contraponto com a opinião do João Miranda sobre o horário de Verão , que pelo vistos ele considera uma interferência do Estado nos contratos sem o consentimento das partes - mas no fundo, é uma situação muito semelhante: uma alteração puramente nominal, mas que devido à existência de contratos pré-estabelecidos, acaba por ter consequências na vida real das pessoas (na verdade, se alguma coisa, a critica até faz menos sentido para o horário de Verão, já que essa mudança periódica existe há décadas, logo os contratos já foram assinados tomando isso em consideração).

[Post publicado no Vias de Facto; podem comentar lá se quiserem]