Saturday, November 26, 2011

Sobre pequenos empresários, "empreendedores", etc.

Um artigo que pode ter algum interesse para esta discussão - Non-pecuniary Benefits of Small Business Ownership [pdf] (editado a 2017/03/20 - este link parece estar morto, mas há outra versão - com ligeiras diferenças - desse artigo aqui), por dois economistas da Universidade de Chicago.

No entanto, este artigo mistura conclusões interessantes com outras que me parecem banais, ou mesmo incorrectas.

A conclusão principal do estudo é que muita gente opta por abrir a sua própria empresa ou trabalhar por conta própria, não com a expectativa de ganhar mais dinheiro do que trabalhando por conta de outrem, mas motivado por considerações não-monetárias como "ser o meu próprio patrão", "trabalhar a partir de casa", "ter um horário flexível" ou "fazer do meu passatempo uma carreira".

Agora, vamos à minha crítica ao paper (questão - porque é que eu estou a criticar um paper desconhecido feito por pessoas que nunca irão saber da minha crítica? Porque é sobre uma questão - a relação entre "empreendedor" e "empresário" - que surge frequentemente, logo partes da minha crítica podem vir a ser reutilizadas para outras discussões).

"To our knowledge, no one has ever put forth a model of small business formation where households care about the non-pecuniary benefi ts of owning a business."

Até é possível que ninguém tenha elaborado um modelo matemático formal, mas a ideia de que algumas pessoas podem derivar um beneficio intrínseco de "ser o seu próprio patrão", não é nenhum novidade - p.ex., já em 1937, Ronald Coase, em "The Nature of the Firm", falava disso; também a 12ª edição "do Samuelson" refere essa hipótese (p. 536). E, se sairmos dos economistas para os historiadores, o que mais encontramos é teses sobre os movimentos socialistas/sindicalistas europeus ou sobre o populismo agrário norte-americano  dizendo algo como "as estatísticas demonstram, nessa época, um aumentos dos rendimentos do [grupo em questão]; provavelmente a força do [movimento em questão] teve mais a ver com um sentimento de perca de independência face às grandes empresas".

"In the absence of non-pecuniary business owners, firms would operate at their natural efficient scales. In our model, this varies directly with the type of good produced. Introducing non-pecuniary benefit ts truncates the distribution of firms in the sense that small and medium scale business cannot compete against the non-pecuniary entrepreneur. Though less efficient, the entrepreneur is willing to work at a lower wage by taking some of total compensation in the form of direct utility  flow. This ef fectively lowers his marginal costs below his competitors." (bolds meus)

Isto talvez seja uma picuinhice, mas mesmo com "benefícios não-monetários" as firmas irão funcionar à escala mais eficiente; se o tal  micro-empresário, que se sente mais feliz com o trabalho que os assalariados das grandes empresas, e por isso está disposto a trabalhar por menos, consegue (mesmo que produza menos por hora) vender mais barato, quer dizer que é mais eficiente. Na verdade, suspeito que se a passagem acima tivesse sido escrita num trabalho por estudantes de economia, teriam sido reprovados (por não perceberem o carácter multifacetado do conceito "de custo")

"In our model where the only reason for small business formation is because of the non-pecuniary bene fits, subsidies to promote small businesses are strictly welfare reducing even if they are funded by lump sum taxes. The reason for this is that the subsidies alter the nature of production toward goods or services that are produced by less efficient small businesses and away from goods and services that are produced by larger firms. The subsidies to small businesses result in too many small and less efficient fi rms."

A mim parece-me que esse efeito dos subsídios às pequenas empresas (ou às grandes, já agora) aconteceria com ou sem "benefícios não-monetários" - excluindo os casos de externalidades, qualquer subsidio a um sector especifico da economia, ao tornar "viáveis" actividades que, à partida, seriam inviáveis, diminui a eficiência da economia. Para falar a verdade, até suspeito que, se existirem fortes "beneficios não-monetários", o efeito dos subsídios é menos grave: se os factores não-monetários pesarem muito nas decisões das pessoas, menos a existência de um subsídio afecta essas decisões; logo menor o efeito "distorcedor" do subsídio.

A linha seguinte talvez explique o raciocínio dos autores: "Any benefit of the subsidy in stimulating certain types of small business which may have true entrepreneurial properties will have to be weighed against the cost of stimulating small business activity for those who are only interested in the non-pecuniary benefits." Pelo que eu percebo, eles são da opinião que os pequenos empresários que são "empreendedores" terão realmente externalidades positivas, mas o que são motivados pelos "benefícios não-monetários" não - mas é isso que vou discutir agora.

O ponto 3.4 do paper (a partir da página 14) chega finalmente à questão relevante - a relação entre "empresário" e "empreendedor". Aí os autores argumentem que usar o número de pequenas empresas como medida de "empreendedorismo" não será o mais correcto, já que grande parte das pequenas empresas são criadas por razões não-monetárias, não inovam, e não têm intenções de crescer.

A mim, parece-me que o único ponto relevante é o "não inovam" (que, realmente, parece ser um conceito muito ligado ao de "empreendedor"); os outros dois pontos parecem-me irrelevantes: porque é que uma empresa ser criada com motivos não-monetários não há de ser "empreendedora"? Por outras palavras, porque é que uma empresa dessas há de ser menos susceptível de "inovar" do que uma criada com o único objectivo de ganhar dinheiro (para falar a verdade, um dos motivos não-monetários referidos - "transformar o passatempo num carreira" - até me parece bastante susceptível de favorecer a entrada em ramos de negócio não-usuais)? Ou seja, a tal oposição entre "empresas empreendedoras" e "empresas criadas por razões não-monetárias" não me parece fazer grande sentido.

Quanto a usar o "crescimento" como medida de "empreendedorismo", também não vejo grande lógica - uma empresa pode crescer sem ser particularmente inovadora: pode-se limitar a abrir novos estabelecimentos repetindo o mesmo modelo; e uma empresa até pode ter um produto ou um modelo de negócio "inovador" mas ficar sempre limitada a um estabelecimento (basta uma actividade não ter economias de escala - ou até ter deseconomias de escala - para não haver nenhuma razão para a empresa crescer, seja ou não "inovadora").

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