João Miranda, no Blasfémias: «A agricultura “biológica” existe para que as pessoas possam comer produtos mais saudáveis» (esta passagem descontextualizada pode dar uma ideia errada da opinião de JM; o conjunto do post é contra a agricultura biológica).
A mim parece-me que há razões muito mais fortes (e cientificamente mais sólidas, diga-se de passagem) para a agricultura biológica do que "comer produtos mais saudáveis", nomeadamente os efeitos da agricultura não-biológica sobre os ecossistemas naturais:
a) Os pesticidas não afectam apenas a "vítimas" predefinidas - afectam também outros animais, a água etc., e sobretudo tendem a acumular-se ao longo da cadeia alimentar: um insecto apanha com o pesticida, um melro come o insecto, um falcão como o melro, etc.
b) O uso de fertilizantes artificiais prejudica a fertilidade natural do solo. Quando o solo é fertilizado com matéria orgânica, o que acontece é que algumas bactérias e fungos transformam essa matéria em amoníaco e em nitratos (que são nutrientes para as plantas); assim a fertilização "natural", além de fornecer nitratos às plantas, estimula o desenvolvimento das tais bactérias e fungos que se alimentam de matéria em decomposição e que contribuem para manter o solo fértil. Pelo contrário, se o solo for fertilizado com nitrato artificial, o efeito sobre as tais bactérias é o oposto: tal como o CO2 é potencialmente tóxico para nós (que produzimos CO2), os nitratos são tóxicos para as bactérias produtoras de nitratos (por norma, um ser vivo não consegue viver rodeado dos seus excrementos); assim, os nitratos artificiais matam as tais bactérias e tornam mais díficil ao solo produzir nitratos por si próprio (usando uma terminologia importada de outro contexto, podemos dizer que os adubos "químicos" favorecem uma "cultura de dependência" em que o solo, sendo "alimentado" com nitratos já fabricados, se torna incapaz de produzir nitratos por ele próprio).
Note-se que nenhuma destas razões para ser a favor da agricultora biológica (e há mais, estas são só as que me parecem mais relevantes) tem a ver com "produtos mais saudáveis"; e penso que estes efeitos até estão muito mais cientificamente comprovados do que a tal questão dos produtos serem mais ou menos saudáveis; aliás, quando leio noticias do género "estudo indica que alimentos biológicos não são mais saudáveis que os convencionais" ou "cientistas contestam metodologia do estudo que diz que os alimentos biológicos não são mais saudáveis", tendo a pensar "e o que é que isso interessa? Não é esse o argumento fundamental a favor da agricultura biológica".
[Uma nota: isto não é uma critica ao ponto fundamental do artigo do JM - que de qualquer maneira tem mais a ver com a "pecuária biológica" do que com a "agricultura biológica"; se a situação que o JM descreve fosse verdade - e parece que não é, mas isso é outro assunto - a sua crítica faria sentido, fosse qual fosse o objectivo da agricultura biológica]
Sunday, March 11, 2012
O objectivo da "agricultura biológica"
Publicada por Miguel Madeira em 01:42
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