Ali em baixo, escrevo que "a macro-economia keynesiana [pode ser] abordada de duas formas micro-económicas diferentes". O que quero dizer com isso?
O que quero dizer é que há dois possíveis mecanismo micro-económicos pelo qual a combinação de um aumento da procura agregada com preços e/ou salários rígidos pode originar um aumento da produção; não digo que esses dois mecanismos sejam totalmente diferentes (provavelmente até poderão ser dois "casos notáveis" de um mecanismo geral), mas creio que podem ter implicações distintas.
Uma perspectiva é assumindo uma situação de concorrência perfeita, em que as empresas são "price takers", isto é, aceitam os preços (incluindo salários) estabelecidos no mercado como um dado, e em função desses preços decidem quanto vão produzir (pela famosa regra de produzir até ao custo marginal ficar igual ao preço). Nesse caso, como é que um aumento da procura agregada faz aumentar a produção? O mecanismo será que o aumento da procura (nomeadamente da procura nominal) faz aumentar os preços; mas como os salários tendem a ser rígidos, sobem (pelo menos a curto prazo) menos que os outros preços, fazendo baixar os salários reais e tornando viáveis negócios que de outra maneira não o seriam e permitindo empregar trabalhadores pouco produtivos (mas que com a baixa de salários reais tornam-se produtivos o suficiente para dar lucro empregá-los); e assim diminui o desemprego e aumenta a produção.
Para esta primeira visão, acaba por ser mais ou menos fundamental que os salários sejam mais rígidos que o conjuntos dos preços, e a baixa dos salários reais é um mecanismo fundamental do sistema (no fundo, é a ideia de tudo) - na verdade, as políticas keynesianas não passarão de uma forma de (via inflação) transferir o rendimento dos assalariados para os patrões sem os primeiros darem muito por isso.
Outra perspectiva é assumir uma situação de concorrência imperfeita (nomeadamente de concorrência monopolística), em que (falando de forma super-simplificada) cada empresa estabelece o preço do seu produto e (dentro dos limites da sua capacidade de produção) produz e vende de acordo com as encomendas que recebe. Aí, um aumento da procura agregada fará aumentar a produção simplesmente porque, se a procura nominal aumenta e os preços se mantêm constantes, os clientes vão comprar maior quantidade de produtos, logo as empresas vão produzir mais e contratar mais gente.
Nesta segunda visão, o facto dos salários serem especialmente rígidos (em comparação com os outros preços) é largamente irrelevante - a rigidez dos salários será importante porque contribui para a rigidez geral dos preços (sobretudo, a dificuldade em descer salários originará uma dificuldade em descer preços), mais nada.
Acerca de diferentes implicações destas duas visões - uma poderá ser exactamente a que atitude ter face aos salários reais. De acordo com a primeira visão, fazer baixar os salários reais é o objectivo final disto tudo, logo qualquer coisa que os faça subir em principio será prejudicial à economia; pela segunda visão (em que o aumento da procura leva por si mesmo a um aumento da produção, e não por intermédio de uma redução dos salários reais), um aumento dos salários reais até poderá estimular a economia, se se concluir que os assalariados gastam uma maior proporção do seu rendimento do que os capitalistas (penso que a maior parte dos estudos indica o oposto - que, contrariamente à ideia geral, a taxa de poupança é a mesma nas várias classes sociais).
Thursday, March 01, 2012
Keynesianismo, salários reais e nominais (II)
Publicada por Miguel Madeira em 00:03
Etiquetas: teoria dos ciclos na economia
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