Saturday, June 16, 2012

As causas do crescimento do sector não-transacionável

Há dias, a Maria João Marques e o João Miranda discutiam sobre as causas do crescimento do chamado sector não-transacionável em Portugal: para o João Miranda o Estado andou a adquirir bens não-transacionáveis, enquanto para a Maria Marques o que o Estado fez foi sobretudo produzir bens não-transacionáveis.

A respeito da questão sobre se o crescimento desproporcionado do sector não-transaccionável foi criado pelo lado da oferta ou da procura, há um teste simples - se fosse motivado pela oferta (muita gente a querer produzir bens não-transaccionáveis), o preço dos bens não-transaccionáveis desceria face aos transaccionáveis; se fosse motivado pela procura (muita gente a querer comprar bens não-transaccionáveis) o seu preço subiria. Ora, os preços no sector não-transacionável subiram mais que no sector transacionável (regra simples - se um pais tem uma inflação maior que a dos seus parceiros comerciais, em principio quer dizer os preços no sector não-transacionável estão a subir mais), pelo que pudemos concluir que o crescimento do sector não-transacionável foi motivado pela procura e não pela oferta (o que, aliás, deita por terra as análises do género "o mal é que já ninguém quer ir alancar para agricultura, para pesca ou para as fábricas e só querem estar armados em pipis atrás dum balcão ou num escritório").

Mas será que esse crescimento da procura de bens não-transacionáveis deriva de uma politica especifica de procura de bens não-transacionáveis?

Eu venho propor uma explicação alternativa - o que houve (para aí nos últimos 20 anos, mais ano menos ano) foi um aumento global da procura interna (motivada quer pelas baixas taxas de juro, quer pelos deficits orçamentais); e, quando há um aumento da procura interna (nomeadamente quando esta cresce mais que a externa), há sempre uma tendência para esse aumento se reflectir nos bens não-transaccionáveis do que nos transaccionáveis: mesmo que aumente a procura de ambos os tipos de bens, parte do aumento da procura de bens transaccionáveis levará a mais importações, enquanto o aumento da procura de não-transaccionáveis terá, por definição, de ser satisfeito pela produção nacional; assim, as empresas locais do sector não-transaccionável serão sempre sujeitas a um maior aumento da procura do que as do sector transaccionável, levando a uma deslocação de recursos do segundo para o primeiro.

[Isto é um exemplo do chamado "Primeiro apontamento de Miguel Madeira à lâmina de Occam" - "se algo pode ser explicado com um modelo macroeconómico, não perder tempo a pensar em explicações microeconómicas"]

Já agora, em tempos estive para dizer algo a respeito deste post do Blasfémias: haverá alguma razão para supor (como está implícito nesse post) que um tal "plano estratégico para a economia" fosse beneficiar especificamente o sector não-transaccionável? Na verdade até me parece que, historicamente, as politicas estatais, das manufacturas de Colbert às "politicas industriais" que alguns economistas defendem, das Corn Laws à PAC (e sem esquecer os nossos subsídios aos produtores de energia) até costumam ser mais dirigidas aos sectores transaccionáveis (até suspeito que isso é influenciado por uma certa tendência para idealizar a agricultura e/ou a industria - considerados como o "pais profundo", os "verdadeiros portugueses"/"the real americans"/etc, "os homens a sério", ou então como a "classe operária" - enquanto o comércio e os serviços tendem a ser vistos como uma coisa mais de gente "decadente", de "cosmopolitas urbanos desenraizados", ou então de "pequeno burgueses" ou "meninas do shopping"...).

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