Friday, June 08, 2012

Re: Re: (...) Desemprego

Esta resposta de Priscila Rêgo a este post do CN fez-me lembrar este meu texto para o Le Monde Diplomatique, nomeadamente esta passagem:

Mas o que permite que empresas falidas se tornem viáveis quando geridas pelos próprios trabalhadores? No fim de contas, a mudança de um gestor não muda as «leis» da economia, ainda mais quando o contexto social global se manteve. Logo, poderia argumentar-se que uma empresa que era inviável com uma gestão continuaria a ser inviável com outra. Algumas explicações são possíveis para o sucesso dessas empresas.

 Suponho, em primeiro lugar, que numa empresa controlada pelos próprios trabalhadores estes estão dispostos a fazer sacrifícios temporários que dificilmente estariam dispostos a fazer para um patrão. Por exemplo, quando passam reportagens na televisão sobre empresas (definitiva ou temporariamente) ocupadas pelos seus trabalhadores (até em Portugal se vêem de vez em quando casos desses), é frequente vermos os tais trabalhadores trabalhando turnos seguidos, muito mais que as horas legais ou contratuais, e passando meses sem receber ordenado até viabilizarem a empresa. No caso argentino, durante essa fase das ocupações, muita gente dependeu dos contributos de vizinhos e associações cívicas. Esse comportamento é perfeitamente lógico e racional – numa empresa capitalista, os trabalhadores têm muito menos razão para fazer sacrifícios presentes pelo futuro da empresa; feitas as contas, que garantia têm de que quem vai auferir desses benefícios futuros serão eles e não apenas o patrão?
Lendo os motivos que PR dá para ser preferível a uma empresa despedir trabalhadores do que cortar salários, dá-me a ideia que alguns deles efectivamente são específicos da empresa organizada na relação patrão-empregado:
a) Baixar salários pode ter um custo motivacional. Se isto for verdade, é melhor tentar poupar 1000€ com um despedimento do que uma redução salarial across-the-board que permita a mesma poupança. Assim, mantém-se o nível motivacional dos que trabalham e concentra-se o desconforto nos elementos que já não contam para o processo produtivo (os desempregados).  
Imaginemos que, em vez de ser um gestor a decidir "despeço 10% dos trabalhadores ou corto os salários em 10%?", era um plenário de trabalhadores a tomar essa decisão - "mandamos 10% de nós para a rua ou reduzimos o nosso salário em 10%?".  Suspeito que aí o factor "desmotivação" não iria funcionar da mesma maneira - concordo que um trabalhador que manteve o emprego sem ter uma redução de ordenado se sentirá mais motivado para trabalhar do que um que manteve o emprego mas teve que aceitar uma redução de ordenado; mas, se for um grupo de pessoas a quem seja dada a escolha "continuamos todos mas ganhando menos ou corremos com uns quantos mas os que ficam continuam a ganhar o mesmo?", suspeito que, se optarem pela primeira opção, não se sentirão depois menos motivados para trabalhar do que se tivessem optando pela segunda. E, mais importante ainda, cada trabalhador individual, no momento de votar "redução de vencimento ou despedimentos?" provavelmente não irá pensar "É melhor votar na opção «despedimentos», porque se ganhar a opção «redução de vencimento» os meus colegas podem se desmotivar e ficar menos produtivos", já que sabe que, se a opção «redução de vencimento» ganhar é porque a maioria preferiu assim, logo não irá esperar que os outros trabalhadores se sintam desmotivados por ter ganho a opção que eles próprios preferiram.

E, claro, há a diferença que, neste caso, a desmotivação dos que iriam ser despedidos conta, já que esses também participam na votação; aliás, se, no momento da votação, não se souber quais os trabalhadores que iriam ser despedidos se fosse essa a opção, é expectável (assumindo que as pessoas são avessas ao risco) que cada trabalhador prefira ter 100% de hipóteses de ter uma redução de 10% no ordenado, do que ter 10% de hipóteses de ter uma redução de 100%.
c) A negociação salarial não é feita em leilão. No curto prazo, os salários resultam de 'bluffs' ["tenho uma proposta da concorrência, quer cobrir?"], jogos de aparências e golpes de sorte. Devido a esta assimetria informacional, um gestor pode ter receio de que um apelo à redução de salários seja lido não como uma forma de manter postos de trabalho mas como um desejo de alterar a divisão de lucros entre o trabalho e o capital.
No caso de uma empresa controlada por um colectivo de trabalhadores, também este problema é menos provável - se alguém propor "vamos reduzir todos o nosso rendimento em 10% para tentar salvar a fábrica" há menos razão para os outros suporem que ele se quer é "encher", já que em principio o rendimento de quem faz a proposta também vai baixar; e mesmo que a proposta venha de elementos com funções de gestão, desperta menos suspeição do que numa empresa "capitalista" - afinal, mesmo que essa redução de vencimentos sirva para a empresa ter mais lucros, esses lucros adicionais irão para o capital da empresa, logo continuarão sob o controlo dos trabalhadores (só haverá razão para os trabalhadores suspeitarem de propostas de redução dos ordenados se suspeitarem que os gestores estão a desviar património da empresa para as suas contas pessoais).

Confesso que não faço ideia se cooperativas, empresas ocupadas, etc. são mais (ou menos) dadas a baixar formalmente os seus salários do que as empresas tradicionais; mas a experiência (referida no artigo do LMD; já agora, ver o comentário do Luis Pedro a este meu post de 2006) parece indicar que são mais dadas a fazer coisas (alargar jornadas de trabalho; passar meses sem receber, etc.) que na prática funcionam como redução reais dos salários.

Suspeito é que, mesmo que a tese "as cooperativas de trabalhadores/empresas em autogestão conseguem mais facilmente manter postos de trabalho durante as recessões porque podem mais facilmente baixar os salários efectivos" seja verdadeira, não deve haver muita gente (seja em que secção for do espectro político) a se entusiasmar com ela...

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