Agora que a série já praticamente chegou ao fim, ocorrem-me algumas reflexões.
Alguns leitores estarão pensado "Chegou ao fim? Como? Ainda há um episódio marcado para o próximo domingo; e mesmo esse não vi nada dizendo que era o último"; bem, eu não faço ideia de quantos episódios ainda haverão, mas no essencial a série já acabou - a família protagonista já tem casa e emprego (e a situação política do país - que funcionava como pano de fundo e muitos vezes como motor da narrativa - já está estabilizada); agora é encher chouriços com fait-divers como gravidezes indesejadas, filhos ilegítimos, etc. (nomeadamente pondo os espectadores na dúvida "qual das duas será filha do protagonista? A mãe ou a filha?").
Mas o ponto que me chama a atenção é este: mas toda aquela gente tinha firmas?? Nesse aspecto a série parece um reflexo dos estereótipos rivais (mas muito similares a nível de juízos de facto) do "retornado que tinha lá uma boa vida e perdeu tudo" e do "retornado capitalista que estava lá a explorar os pretos". Porque não, p.ex., um casal que ela fosse professora primária e ele electricista do ramo local dos CTT? Ok, a professora não é lá bom exemplo porque os funcionários públicos foram para o "Quadro Geral de Adidos" e à medida que iam surgido vagas em Portugal foram sendo recolocados (logo não tiveram grande problema de emprego), mas pronto, uma enfermeira ou uma telefonista (ou então professora numa escola privada)...
Uma explicação possivel é que talvez houvesse efectivamente uma proporção significativa de empresários entre os brancos que estavam nas então "províncias ultramarinas"; mas ocorre-me outra ideia - é que talvez seja mais fácil apresentar o "retorno" como uma experiência especial no caso de pessoas que ficaram sem bens de valor considerável. Afinal, para pessoas como os meus pais, trabalhadores assalariados que nem tinham casa própria em Moçambique, a descolonização significou perderem os seus empregos (bem, creio que não no caso da minha mãe pelas razões já indicadas), terem que se mudar com os filhos para um lugar de certa forma do outro lado do mundo, ficar a viver em casas de familiares em que não havia espaço para todos até arranjarem um casa, terem que procurar emprego, etc. Mas, se pensarmos bem, não é isso que a ideologia dominante apregoa que todos temos que estar preparados? Que já não há "empregos para a vida", que temos que estar prontos a sair da "zona de conforto", que a emigração é a solução, que o arrendamento é melhor que a casa própria exactamente porque permite às pessoas mudarem de terra à procura de trabalho, etc., etc. Ora, se o drama do retorno for "simplesmente" ter que, de repente, ir para uma terra diferente, e procurar um novo emprego e uma nova casa, então é difícil apresentar tal como algo de especialmente dramático (afinal, se dizem que o futuro é isso...). Assim, para dar algo de único à experiência, foi necessário meter personagens com firmas que foram obrigados a abandonar.
Diga-se que, embora não faça ideia de se os argumentistas têm alguma inclinação política e qual (se a "consultora histórica" é esta, parece-me uma espécie de liberal mas mais focada em criticar os adversários do que em propor seja o que for), a série tem um tom claramente "de direita" (inclusivamente com um aparente terrorista do ELP a desempenhar o papel de "jerk with a heart of gold"); mas não me posso queixar muito, já que se alguma área tem sido dominante no campo da ficção-audiovisual-com-tonalidade-política até tem sido de longe a esquerda (veja-se por exemplo a antecessora do "E depois do Adeus" na categoria "série das noites de fim de semana de ficção histórica sobre o Portugal de há umas décadas atrás", "Conta-me como foi", que me parece - quando entrava em temas mais políticos - ter dado essencialmente a versão da esquerda desses tempos)..
Thursday, June 13, 2013
Acerca do "E depois do Adeus"
Publicada por Miguel Madeira em 23:06
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1 comment:
"Mas o ponto que me chama a atenção é este: mas toda aquela gente tinha firmas??"
Sim. Há 30 ... 50 anos abriam-se firmas sem qualquer problema, sem burocracia, sem receio da regulamentação, etc...
Muitas vezes nem se abria oficialmente, abria-se, simplesmente.
Já depois de 74 eu próprio abri várias com amigos, onde trabalhávamos de que vivíamos, e nenhuma delas oficialmente.
O desemprego era, nessa altura, praticamente inexistente apesar das falências por ocupação, os impostos apenas aplicados somente à transacção de bens (se não houvesse uma transacção de bem físico não havia lugar a pagamento de imposto), salvo erro de 4%.
Nunca estive em África.
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